#diversifica

Realização: Ano II – No 2 – Março/2023 Elaíze Farias (Amazônia Real) Ellen Bileski (Ecomunica) Joana Suarez (Redação Virtual) Sanara Santos (Énois Conteúdo) Sheila Farah (Grupo InPress) Entrevistas com: Diversidade, Equidade e Inclusão na prática Como o jornalismo e o mercado de comunicação estão se ajustando para se tornarem ambientes mais diversos e inclusivos

No 2 – Pág. 2 A discussão sobre a adoção de práticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) no mundo corporativo, seja envolvendo o próprio ambiente de trabalho ou o relacionamento de marcas com seus públicos-alvo, vem ganhando espaço cada vez mais destacado no planejamento estratégico de empresas em todo mundo. Consciência social, potencial econômico, pressão popular e até mesmo para se adaptar às chamadas práticas ESG (abreviação em inglês para Ambiental, Social e Governamental), outra política que recentemente se tornou mantra no ambiente empresarial, estão entre alguns dos motivos que ajudaram a virar essa chave. Seja a razão dessa mudança nobre ou estritamente comercial, a verdade é que a sociedade como um todo tende a se beneficiar desse movimento, que cria oportunidades e traz paras as discussões grupos tradicionalmente marginalizados. Mas se no papel esse movimento é tão louvável, como tem sido a sua adoção na prática? As empresas estão sabendo se preparar para receber, acolher e atender às demandas desses grupos tão heterogêneos e com demandas tão específicas? E o mercado de Comunicação, em especial o Jornalismo, responsável muitas vezes por ditar a narrativa que pauta a sociedade e influenciar o pensamento coletivo, tem oferecido um espaço justo e saudável na adoção de práticas de diversidade, equidade e inclusão, seja para acolher profissionais diversos ou para mudar a chave elitista que invariavelmente pautou seu conteúdo ao longo da história? A resposta não é simples. Enquanto algumas operações mais recentes já nasceram na onda desse movimento, muitas vezes inclusive para dar espaço a profissionais e públicos que não eram encontrados na chamada grande imprensa, outras tantas mais tradicionais, que carregam décadas e até mesmo mais de um século de existência, ainda vivem dominadas e sob a batuta de tomadores de decisão com o tradicional perfil “homem, branco e heterossexual”. E geralmente são esses veículos mais tradicionais os responsáveis por falar com a maior parte do público. Um exemplo dessa dominância pode ser percebido no Perfil Racial da Imprensa Brasileira, levantamento publicado em novembro de 2021 pela newsletter Jornalistas&Cia e pelo Portal dos Jornalistas, que apontou que apenas 20% dos jornalistas nas redações do País declaram-se negros. O número é quase dois terços menor do que a efetiva representação desta população no Brasil, que é de 56,2%, segundo projeções da PNAD/IBGE 2019. O levantamento não levou em consideração outros grupos minorizados, como públicos LGBTQIA+, pessoas com deficiência e populações periféricas, por exemplo, mas quem frequenta esses ambientes de trabalho sabe que a realidade não é tão diferente. Novos tempos, novas práticas!

O QUE A GENTE PODE FAZER PELO AMANHÃ HOJE? MAIS DO QUE FALAR SOBREESG, É PRECISO SER ESG. Há mais de 20 anos o Santander investe no desenvolvimento sustentável, apoiando o crescimento econômico de forma resiliente e inclusiva, impulsionando pessoas a desenvolverem seu pleno potencial e estimulando o uso eficiente e estratégico do seu capital natural. Tudo isso através de produtos e iniciativas desenvolvidas junto com a sociedade. Porque abraçar o desenvolvimento sustentável é um dever de todos. Santander. Mobilizando R$ 180 milhões para a garantia de direitos de crianças e adolescentes. Destinando mais de R$ 15 bilhões para empreendedores de baixa renda. Viabilizando aproximadamente R$ 18 bilhões em negócios sustentáveis no último ano.

No 2 – Pág. 4 Apesar de ainda distante de uma realidade minimamente aceitável e esperada para um país tão diverso como é o Brasil, muitas iniciativas de diversidade direcionadas ao conteúdo publicado, às fontes consultadas ou à formação de equipes já podem ser percebidas mesmo nas publicações mais tradicionais. Ainda assim ainda são muito grandes as barreiras para romper com o racismo estrutural, que muitas vezes impede que grupos minorizados tenham acesso a vagas responsáveis pelas tomadas de decisões. No jornalismo brasileiro, a Folha de S.Paulo, com seus erros e acertos, é um exemplo interessante dos desafios que a discussão sobre diversidade traz a uma publicação centenária. Em nome de manter intacto o chamado “Projeto Folha”, que “defende a pluralidade e a defesa intransigente da liberdade de expressão”, o jornal enfrentou uma crise de imagem no ano passado após a publicação de um texto em que o antropólogo e colunista Antônio Risério acusava negros de racismo contra brancos. Além de muitas críticas, o artigo resultou em uma carta assinada por 208 jornalistas criticando a postura do veículo, que estaria buscando “audiência às expensas da população negra”, algo incompatível com a missão do jornal de “estar a serviço da democracia”. Como resposta às críticas, a Folha criou pouco depois um Comitê de Inclusão e Equidade para Diversidade, com 17 jornalistas, entre eles 12 negros, um transgênero e uma travesti. Curiosamente, o jornal é uma das poucas publicações tradicionais brasileiras que conta com ações claras de diversidade em sua gestão. Destaque para sua editoria de Diversidade, comandada por Flávia Lima, e pelo Programa de Treinamento em Jornalismo Diário, que neste ano está em sua 67ª edição, a terceira exclusiva para profissionais negros. “Romper com práticas coloniais de se fazer jornalismo ainda é muito difícil”, explica Sanara Santos, produtora-chefe de formação da Énois Conteúdo. “A cultura de uma empresa é o que define se uma pessoa com perfil diverso vai conseguir se manter lá ou não. Contratar uma pessoa preta ou trans é muito fácil, mas comprar suas questões e criar um ambiente acolhedor é um desafio que nem todos estão dispostos a assumir. Isso contribui para que as redações ainda sejam pouco diversas, e quanto maior o cargo menor a diversidade”. Referência na formação de profissionais diversos e na criação de políticas, ferramentas e materiais para auxiliar a Superando barreiras por um jornalismo mais diverso e inclusivo Turma da 66ª edição do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha de S.Paulo

No 2 – Pág. 5 prática em redações, a Énois é um laboratório de jornalismo que trabalha para impulsionar diversidade, inclusão e representatividade no jornalismo brasileiro. Através de cartilhas, ferramentas, treinamentos e programas de formação, a plataforma tem sido uma importante aliada nessa luta. Criada em 2009, na Zona Norte de São Paulo, a iniciativa surgiu como uma escola de jornalismo para jovens da periferia dentro da Casa do Zezinho, organização focada no desenvolvimento de crianças e jovens que vivem em situação de alta vulnerabilidade social, com foco em fomentar o desenvolvimento humano. Até hoje, mais de mil jovens foram formados pelo projeto, entre eles a própria Sanara, e produziram conteúdos para diversas publicações de abrangências nacional e internacional, entre elas UOL Tab, The Intercept, The Guardian, Nexo e BBC. Em 2018, o projeto transformou-se em um laboratório com o objetivo de pautar e preparar de maneira mais eficiente profissionais para redações. “Tudo a gente experimenta antes de oferecer para o mercado, Todas as ferramentas de diversidade são replicáveis porque a gente já vinha aplicando e ajustando para que fosse algo efetivo para todas redações”, explica Sanara. Dentre as práticas compartilhadas, a grande maioria gratuitas, a Énois conta com ferramentas voltadas para audiência, distribuição e produto, saúde mental de jornalistas, dicas para criação de banco de fontes diversos, manual de como fazer cobertura com pessoas trans, ferramentas para pensar e produzir pautas, entre outras. “São muitos materiais que podem ser aproveitados tanto por jornalistas quanto por gestores, sempre com esse recorte da diversidade”, complementa. Não se pode ignorar que o caso da Énois, assim como de tantas outras mídias independentes criadas na última década, é um exemplo claro de que é sim possível e traz resultados positivos produzir um jornalismo com foco em diversidade, equidade e inclusão, mesmo que não seja feito da noite para o dia. “Não é possível fazer jornalismo independente reproduzindo os padrões da imprensa tradicional”, acrescenta Joana Suarez, criadora da Redação Virtual, plataforma que reúne quase 400 jornalistas freelancers de todo o Brasil. “Se a gente está disposto a fazer uma nova mídia, alternativa, precisa antes repensar os problemas da mídia tradicional. E o principal problema da mídia nacional é justamente a falta de diversidade dentro das equipes. O jornalismo independente está provocando uma mudança na imprensa tradicional, que precisa se reinventar. Alguns casos nos últimos anos mostraram que alguns veículos tradicionais estão ficando pra trás e o público está Joana Suarez Alunos da Escola Énois

No 2 – Pág. 6 cobrando. Cada vez mais as pessoas estão vendo que existe jornalismo de qualidade sendo feito de outra maneira, mais inclusivo, com liberdade editorial e sem interesses políticos e econômicos. Muito disso se deve ao jornalismo independente”. Para os profissionais de comunicação que atuam “do outro lado do balcão”, a questão da diversidade apresenta desafios e obstáculos próprios, porém com um denominador comum às redações: equipes muito homogêneas, que ainda não representam a diversidade da população brasileira. Some-se a esta realidade uma pressão empresarial pela contratação de profissionais que acumulam cursos, especializações e fluência em línguas, que muitas vezes sequer são necessários e que só afastam ainda mais a presença de profissionais diversos, que em grande parte não tiveram condições adequadas de aperfeiçoamento profissional. Depois de dez anos de carreira, tendo nesse período passado por diversas agências de comunicação e atendido a outros tantos clientes dos mais variados tamanhos, Ellen Bileski sentia esse incômodo. Segundo ela, mesmo apresentando algumas evoluções, omercado seguia extremamente elitista. “Ele não era só muito branco e muito masculino nas lideranças”, relembra. “A gente faz comunicação e tem que se comunicar com o povo brasileiro, e não dá pra fazer isso com um time homogêneo, com experiências de vida muito parecidas. Eu enxergava que isso não era o ideal, até do ponto de vista da entrega técnica”. Foi por causa desse incômodo, e do desejo de começar um tipo de agência em que gostaria de ter trabalhado, que ela fundou em 2012 a Ecomunica. Hoje com mais de dez anos de mercado, a agência conta com uma equipe de aproximadamente 50

No 2 – Pág. 7 colaboradores, dos quais 44% se identificam como pessoas negras. O número ainda é inferior ao da realidade do Brasil, de 56%, meta que Ellen pretende atingir proximamente, mas já muito acima do que é encontrado no mercado. Além disso, a agência também conta com 80% da liderança composta por mulheres e com duas pessoas trans na equipe. “Desde o começo procurei criar um ambiente bastante acolhedor, em parte por ser mulher, mas também por ter sido uma pessoa que veio da periferia e que não teve acesso às mesmas experiências que outros colegas de trabalho. Eu não queria que as pessoas que trabalhassem comigo tivessem essa sensação de insegurança, de precisar fazer mais do que os outros por causa do seu gênero ou cor de pele, porque isso é horrível. Eu quero criar um ambiente de trabalho em que a experiência de vida da pessoa possa ser valorizada, porque ela temmuita importância na estratégia. Isso é justiça social, mas também é uma forma de ter uma entrega para nossos clientes, que de fato representam a sociedade brasileira”, completa Ellen. ■Caixa de Ferramentas: Práticas, ferramentas e materiais de referência para produção, distribuição e gestão do jornalismo mais representativo; ■Diversidade nas Redações: Programa de fortalecimento de redações inclusivas, com foco em produção, gestão e captação diversa e representativa; ■Mapeamento Cultural Periférico: Um levantamento de veículos de comunicação para identificar iniciativas de jornalismo e jornalismo cultural em bairros com pouca cobertura de imprensa dentro dos municípios brasileiros; ■Jornalismo & Território: Um programa cujo objetivo é compartilhar com jornalistas e comunicadores locais ferramentas para melhorar a cobertura em seus territórios; ■Prato Firmeza: O guia gastronômico das quebradas é um serviço pra quem come e empreende na periferia, cujo objetivo é mostrar e valorizar a gastronomia nas periferias do Brasil; ■Redação Aberta: Um espaço de encontros, debates e treinamentos para jornalistas cobrirem seus territórios; ■Régua de Diversidade: É a primeira aplicação brasileira para medir a diversidade nas redações. Tem metodologia que guia a inclusão efetiva e avalia o impacto de mudanças estruturais nos processos de gestão, produção e distribuição; ■Sala de Redação: Um espaço virtual de encontro e mentoria entre jornalistas, repórteres e comunicadores locais da rede da Énois para produção e distribuição conjunta de investigações e reportagens sobre seus territórios. Confira mais detalhes em enoisconteudo.com.br/projetos Quer adotar práticas mais diversas em sua equipe, mas não sabe como? Confira alguns projetos e ferramentas criadas pela Énois que podem ser bastante úteis:

No 2 – Pág. 8 Olhar para a diversidade em redações, ou até mesmo no ambiente corporativo, vai muito além de contar com profissionais diversos nas equipes. Sem uma política que lhes garanta liberdade, acolhimento e garantias de que suas demandas e pautas serão ouvidas, este movimento jamais será efetivo e seus benefícios, dificilmente percebidos. Cofundadora da Agência Amazônia Real, Elaíze Farias é um exemplo claro dessa realidade. De origem indígena, ela nasceu em Parintins, no Amazonas, e é jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas. Emmais de 25 anos de carreira, passou por veículos consagrados em sua região, entre eles os jornais A Crítica, Diário do Amazonas e Amazonas em Tempo. “Mesmo sendo de origem indígena, e atuando em uma região em que a presença e o impacto destes povos no cotidiano são claros, cansei Redações diversas... Fontes diversas... Conteúdos diversos... Públicos diversos... de não conseguir publicar reportagens onde este público pudesse ser ouvido de forma igual, e não desigual como é a cobertura tradicional”, relembra. Para tentar mudar essa realidade, em 2013, ao lado de Katia Brasil, ela fundou a Amazônia Real, agência de notícias que tem em sua missão a “busca de grandes histórias da Amazônia e de suas populações, em especial daquelas que não têm espaço na grande imprensa”. “Criamos um canal onde a gente falasse de populações que raramente teriam vozes, como protagonistas daquela narrativa”, explica Elaíze. “Pra mim, jornalismo local tem uma perspectiva muito ampla, muitas vezes mais significativa de maneira global do que o chamado jornalismo criado pela imprensa nacional. A Amazônia Real sempre teve um posicionamento claro de dar espaço para essa população excluída, marginalizada, e que tem pouco foco nas pautas que são mais predominantes na chamada grande imprensa”. Segundo ela, o fato de a Amazônia Real ter sido criada por duas mulheres, uma indígena e outra negra, para falar sobre assuntos da Amazônia Legal, faz com que a questão da diversidade no cotidiano da publicação seja tão natural que quase passe despercebida. É essa normalidade que ela espera ver em todo o jornalismo, e que faz com que Elaíze seja muitas vezes crítica em relação à forma como o movimento vem se desenvolvendo. “Eu nunca pensei na questão de diversidade”, explica. “Eu não gosto e faço críticas porque há muita iniciativa criada só pra dizer que ela existe. Está muito forçado hoje em dia. Não basta Elaize Farias

No 2 – Pág. 9 criar vaga pra negro ou indígena, a gente tem que romper com conceitos eurocêntricos e até mesmo do jornalismo norteamericano, porque a diversidade não está presente apenas nos jornalistas que atuam em uma redação. No caso da Amazônia Real, por exemplo, ela também é vista na forma como a gente trabalha, as pessoas que a gente ouve. Se vamos a uma comunidade quilombola ou indígena, vamos ouvir homens e mulheres. Nossos personagens são diversos, por isso é tão óbvio pra gente. Tem que haver espaço para os mais variados perfis. No caso da Amazônia Real não tinha nem como a gente não ter a diversidade no DNA, apesar de que é um termo que eu espero que um dia acabe. Que seja tão comum que deixe de ser uma questão”. O caso da Amazônia Real é um exemplo claro de como a diversidade aplicada de maneira responsável e plena traz resultados muito positivos para uma publicação. Com uma equipe bastante diversa e com autonomia para sugerir novos olhares sobre o que é notícia e quem é notícia, a agência, dentro do seu foco de atuação, tornou-se um case no jornalismo nacional. “Quando você se propõe a criar uma vaga de trabalho e dar espaço para uma pessoa que num passado recente raramente tinha condições, você tem que entender que essas pessoas também trazem outras visões de mundo, uma outra forma de olhar, então é preciso primeiro mudar a cabeça”, acrescenta Elaíze. “Não dá pra impor a sua forma de observar e de transmitir conhecimento e informação a partir da sua lógica. Se você está se propondo, precisa primeiro ter consciência de que é preciso mudar mesmo, e romper commuitas lógicas que durante décadas, séculos, foram predominantes, seja no processo de sua própria formação e sobretudo pelo processo de colonização pelo qual o Brasil passou e passa até hoje. Então, quando você está construindo um jornalismo mais diverso, precisa mudar a cabeça do patrão. Aí sim, quando tem essa noção, você começa a refletir a realidade que está somando com aquelas pessoas”. Casos como da Énois, da Amazônia Real e até mesmo de agências como a Ecomunica mostram que implantar diversidade no jornalismo vai muito além de contratar pessoas com perfis e histórias de vidas diversas. É ummovimento que impõe algumas quebras de paradigmas de como fazer jornalismo, além de como gerir equipes e ambientes de trabalho. “É importante, por exemplo, também repensar aquela fonte que você sempre consulta e não chamar apenas seu amigo branco pra ser editor do seu jornal”, complementa Sanara Santos, da Énois. “Organizar demandas que farão repensar seu lugar e prática de liderança, e sair da zona de conforto para procurar pessoas diversas exige tempo e protocolos, mas a Énois trabalha justamente para facilitar isso, e de graça. A gente já teve resultados maravilhosos, commulheres passando a ocupar espaço de liderança no meio do curso formativo. Vimos publicações que produziam dois conteúdos por mês com o recorte de diversidade passarem a produzir mais de 20, mudando inclusive seu olhar para a periferia. Além disso, políticas foram geradas, com redações adotando práticas de como checar a saúde mental dos jornalistas. Nada disso acontecerá de um dia pro outro, mas é importante que o caminho seja sempre pra frente”. E é justamente essa combinação de profissionais, Sanara Santos

No 2 – Pág. 10 fontes e, por consequência, conteúdos mais diversos e plurais que tem sido um dos motivos de sucesso da Amazônia Real. O trabalho desenvolvido por Elaíze e Kátia vem atraindo novos públicos e acumulando reconhecimentos nacionais e internacionais. No começo de fevereiro, o britânico The Guardian fez um perfil de Elaíze e destacou a importância do trabalho da Amazônia Real ao fazer jornalismo com um olhar menos colonialista e mais atento às vivências da região. Segundo a publicação, “o que diferencia a Amazônia Real não são apenas as histórias que conta, mas como as conta. Isso começa com a quebra do que Farias chama de ’mito da neutralidade‘ no jornalismo. Ela não acredita que a objetividade seja possível, já que todos os jornalistas têm visões de mundo que inevitavelmente moldam a forma como contam histórias. Ou seja, diz ela, as formas ocidentais de entender o mundo são consideradas ’neutras‘, mas centradas na lógica econômica – muitas vezes errando o alvo quando se trata da Amazônia”. “Quebramos o paradigma de que o jornalismo online não aceita textos densos, de profundidade”, explica Elaíze. “A gente sempre produziu ‘textão’, por isso a maior parte das nossas reportagens são longas, extensas e profundas. Não são para serem lidas de maneira rápida, pois retratamos uma região que precisa de aprofundamento. São quase que documentos históricos, para serem lidos de maneira aprofundada e servirem de fontes de pesquisa, mesmo muito anos depois”. OS +ADMIRADOS JORNALISTAS DO BRASIL PASSAM POR AQUI SÉRIE: +ADMIRADOS DA IMPRENSA BRASILEIRA FEVEREIRO A ABRIL ABRIL A JUNHO JUNHO A AGOSTO JULHO A SETEMBRO SETEMBRO A NOVEMBRO CALENDÁRIO 2023 Informações: [email protected] e 11-99244-6655

No 2 – Pág. 11 Mas apesar dessa relação intrínseca entre a história de vida de jornalistas e as histórias que eles estão contando, Elaíze alerta para um outro problema que se tornou extremamente comum, principalmente em projetos mais recentes de diversidade no jornalismo: a tendência de dar espaço para perfis diversos apenas para abordarem as realidades em que estão inseridos. “Devemos ouvir negro o ano inteiro e não só em novembro”, contrapõe. “Como se negro só pudesse falar de si mesmo e não de outras áreas. Nos últimos anos eu vi muitas vagas que abriram para pessoas diversas. Mas sobre o que eles vão falar? Só sobre sua realidade? Indígena também tem conhecimento universal e pode falar sobre vários assuntos, não somente a questão indígena”. Entrevistado na primeira edição do #diversifica, publicada em setembro de 2022, Caê Vasconcelos, na época editor do programa SportsCenter, da ESPN Brasil, alertava para essa questão. Homem trans, formado dentro de um jornalismo mais focado em Direitos Humanos, em especial quando retratavam realidades próximas à sua, ele viu-se de repente dentro de um ambiente completamente diferente, atuando em uma publicação com foco em esportes, algo que sempre foi sua paixão. “Assim como acontece com pessoas de classes historicamente privilegiadas, profissionais LGBT, ou negros, indígenas ou com deficiência, por exemplo, também anseiam por escrever sobre Esportes, Política, Economia e Automóveis, entre outras editorias. Pressupor que eles só devam cobrir questões relacionadas a suas condições é mais uma maneira velada de alimentar preconceitos dentro de uma redação”, destacou Caê, que no período em que esteve na emissora do Grupo Disney, além de ajudar a ampliar o espaço para cobertura de futebol feminino, também participou de alguns conteúdos emblemáticos como as séries Atletrans e Reflexões. Mais uma prova que, com liberdade e suporte, profissionais diversos podem acrescentar novos conteúdos que antes não eram explorados, mas também participar da pauta do cotidiano, sempre com um olhar diferente que apenas a diversidade entre pessoas permite. Diversidade para falar do que também não é diverso Caê Vasconcelos e Luana Ibelli na primeira temporada do #diversifica

No 2 – Pág. 12 Ellen Bileski Citadas pela primeira vez em 2004, em uma publicação do Pacto Global da ONU em parceria com o Banco Mundial, as práticas ESG surgiram com a proposta de cobrar respostas dos bancos sobre como integrar princípios ambientais, sociais e governamentais ao mercado de capitais. No Brasil, porém, as discussões demoraram quase 15 anos para entrar na agenda das empresas. A virada de chave para muitos aconteceu em 2019, como reação às políticas predatórias do governo brasileiro na gestão Jair Bolsonaro. Foi nesse mesmo período que a imprensa brasileira passou a abordar o tema de maneira mais efetiva, em especial com foco nas questões socioambientais. Além dos atributos positivos de imagem, a adoção dessas práticas traz inúmeros benefícios para a avaliação das empresas. Organizações que adotam o ESG ganham visibilidade, refletem boa reputação pública e se beneficiam inclusive em competitividade mercadológica. E esses benefícios não se materializam apenas na parte técnica, em relatórios muito valiosos para acionistas, mas que nem sempre fazem sentido para o público. Fato é que, além de ser a coisa certa a ser feita, investir em diversidade traz uma série de benefícios e lucro para as empresas. Em artigo publicado no Valor Investe, a colunista e especialista em Sustentabilidade Sonia Consiglio apontou alguns números que corroboram essa premissa, entre eles o de que a probabilidade de empresas com diversidade de gênero superarem a performance financeira de suas concorrentes é de 93% (Fonte: Mckinsey, 2020); e 19% a mais de receita é gerada por equipes de gestão diversificadas devido à capacidade de inovação (Fonte: BCG, 2018). “Eu sou muito idealista, mas também sou uma pessoa de negócios, e a maioria das empresas, para aumentarem sua pontuação de ESG, em qualquer sistema de verificação, precisa cuidar de sua cadeia de fornecedores”, explica Ellen Bileski, da Ecomunica. “As empresas que tem um impacto ESGmaior conseguem contratos melhores. Hoje temos clientes que celebraram o fato de termos conseguido a nossa certificação, porque a gente entrou em um outro patamar de prestador de serviço dentro dessa empresa”. Além do aspecto técnico, o domínio do conhecimento sobre as melhores práticas de inclusão fez da Ecomunica uma referência na prestação de serviços como criação de manuais e treinamentos para inclusão direcionados a pessoas com deficiência. Apesar do Se não for pelo social, faça pelo lucro

No 2 – Pág. 13 Sheila Farah faturamento com esse tipo de serviço não representar tanto assim no orçamento anual da agência, ele acaba servindo como entrada nas empresas e frequentemente resulta em ampliações de contratos. “Começamos a ser contratados por multinacionais para fazer alguns serviços que a agência deles não tinha letramento para fazer. Pouco a pouco as demandas, em especial relacionadas a ESG, foram aumentando e eles começaram a perceber que não fazia sentido manter duas agências. Esse acabou sendo um grande diferencial nosso”, completa. Commuito mais tempo de mercado – está completando 35 anos em 2023 –, mas em uma etapa mais inicial no processo de se tornar uma agência mais adaptada às novas demandas de diversidade, equidade e inclusão, o Grupo InPress vem colhendo os primeiros frutos de um planejamento iniciado quatro anos atrás. “Em 2019, Kiki Moretti, fundadora e CEO do Grupo InPress, me procurou e disse que estava muito incomodada com a baixa representatividade étnico-racial do grupo e que a gente precisava mudar essa realidade”, relembra Sheila Farah, diretora executiva de Integração, Diversidade e Inclusão do Grupo InPress. “Por causa da pandemia, tivemos que interromper o trabalho logo no início, mas, com o apoio de duas consultorias especializadas no tema, no final de 2020 rodamos o nosso primeiro diagnóstico para entender a realidade da empresa e desenhar um plano de ação que pôde ser implementado em 2021”. Segundo ela, o principal objetivo do plano é ampliar a diversidade da equipe de colaboradores, mas outras ações, como a criação de um Comitê de Diversidade, iniciado em 2021, já vêm trazendo novos olhares e acrescentando conhecimentos diversos para os profissionais do grupo. “Criamos o comitê com o objetivo de abraçar toda a representatividade e hoje ele é um espaço onde existe uma troca muito rica e empoderadora. Sou mulher, lésbica, commais de 50 anos, e meu sonho é que minha filha cresça numa sociedade diferente da que eu vivi. E a vantagem do comitê é justamente essa, porque a gente traz as nossas experiências, vivências e saberes, e a gente troca”. Confira os episódios da 1ª temporada em: Jairo Marques (Folha de S.Paulo) Caê Vasconcelos (UOL) Luciana Barreto (CNN Brasil) Nayara Felizardo (The Intercept BR) Luciene Kaxinawá (Amazônia Real) Erick Mota (Regra dos Terços)

No 2 – Pág. 14 Uma das principais barreiras que muitos gestores ainda colocam como impeditivas para contratar profissionais com perfis diversos está na qualificação curricular. A falta de políticas públicas voltadas à formação de pessoas periféricas, a impossibilidade de investir em treinamentos, intercâmbios e até mesmo a necessidade de dividir com trabalhos fora da área o tempo que deveria ser de estudos, uma vez que programas de estágio em geral não pagam o suficiente, criam um abismo muito grande comparado a pessoas que contaram com investimento financeiro de suas famílias durante seu período de formação. Como criar ambientes de trabalho mais inclusivos? “Infelizmente, o mercado de Comunicação ainda é muito elitista”, reclama Ellen Bileski. “Em geral, gestores fazem questão de contratar pessoas só com fluência em inglês, mesmo quando o trabalho não exige. Todo mundo quer pessoas prontas, das quatro ou cinco principais faculdades do mercado. Isso impossibilita que qualquer tentativa de criar um ambiente diverso e inclusivo seja efetiva. A inclusão pelo trabalho, até pelo ponto de vista socioeconômico, é muito importante para a sociedade brasileira funcionar melhor”. Ainda que muitos estudos mostrem que a diversidade é lucrativa para as empresas, esse resultado não virá sem investimento e capacitação, ou seja, políticas focadas em equidade, que visem a eliminar as desigualdades e barreiras que a sociedade historicamente impôs aos grupos minorizados. É preciso que, dentro de suas políticas de diversidade, as empresas tenham ações claras voltadas à aceleração de carreira e aperfeiçoamento profissional. É o que está acontecendo dentro do Grupo InPress, afirma Sheila Farah: “Além do processo de recrutamento e seleção de vagas afirmativas, nós percebemos que também é fundamental investir na formação dessas pessoas. Por isso a gente vem desenvolvendo um programa de aceleração de pessoas negras e outro de jovem aprendiz também voltado pra diversidade”, explica. “A discussão da diversidade passa por vários campos e ummuito importante é o da formação”, acrescenta Sanara Santos, da Énois. “Mesmo o jornalista formado não chega numa redação já pronto. Ele precisa ser treinado, ter um plano de carreira. Funciona da mesma maneira com profissionais diversos. Infelizmente, essas pequenas barreiras fazem o jornalismo continuar sendo visto do jeito que ele é, um espaço de pessoas brancas, falando sobre um monte de coisa que em geral afetam apenas suas vidas, e sem enxergar e viver a realidade da periferia”. Mas a formação não é a única barreira para uma política de diversidade mais inclusiva. Preparar equipes para receber e acolher da melhor maneira possível profissionais diversos

No 2 – Pág. 15 é outro ponto crucial para esse movimento. A criação de comitês de diversidade, como o que foi criado por Sheila no Grupo InPress, ajudam a desmistificar e romper com alguns preconceitos do racismo estrutural que afeta toda a sociedade. “A gente passou muitos anos no Brasil negando machismo, negando racismo, mas a verdade é que nós somos uma sociedade racista e machista”, afirma Ellen Bileski, da Ecomunica. “Foi difícil pra mim reconhecer o racismo estrutural e entender que essa estrutura precisava ser mudada. A dica que eu daria para outros gestores é começar contratando uma consultoria, porque não é um trabalho que será feito da noite pro dia. Não é só contratar, é um trabalho muito mais profundo, de mudança cultural. Claro que colocar vagas afirmativas é importante, mas é importante criar uma jornada, commetas, e que os funcionários entendam que isso mudou”. Além disso, dar condições dignas de trabalho é outro ponto que não pode ser descuidado. No caso da Amazônia Real, por exemplo, que atua na cobertura de uma área que corresponde a quase 60% do território brasileiro, mas sem a mesma estrutura do resto do País, o investimento para garantir o trabalho de sua equipe em segurança é muito alto. Apesar da sede da agência ser em Manaus, a publicação conta com repórteres em todos os estados da Amazônia Legal, exceção apenas ao Tocantins, onde a cobertura ainda é remota. “Fazer reportagem na Amazônia é muito complicado e exige um investimento muito alto”, explica Elaíze. “Não tem como deixar a equipe desassistida. Dependendo da onde ela vai, precisa de recurso até pra segurança. A gente precisa ter muito cuidado pois é uma realidade completamente diferente da que a maioria das pessoas está acostumada. E esse cuidado não deve ser apenas com os jornalistas, mas também com as fontes”. Ela acrescenta ainda que, para não arcarem com esses custos, algumas publicações ainda adotam práticas de exploração de mão de obra, em especial a indígena, em troca de “visibilidade”: “Acontece muito por aqui de chamarem um indígena pra escrever algo sobre sua comunidade e esperar que isso seja voluntário, só porque ele teoricamente está ajudando seu povo”. Na contramão dessa política, a Amazônia Real criou o projeto Jovem Cidadão, coordenado por Katia Brasil. Ele é o resultado de duas oficinas realizadas em 2018 e 2019 para capacitação de comunicadores indígenas – uma terceira edição, direcionada a comunidades quilombolas, estava prevista para 2020, mas acabou cancelada por causa da pandemia. “São jovens que escrevem para nós a partir de sua aldeia. Quando não podiam escrever, eles relatavam e a gente escrevia, Katia Brasil, cofundadora da Amazônia Real

No 2 – Pág. 16 Imagens: Carrossel... (San...faz uma montagem de fotos em carrossel, no estilo que você usou na capa do primeiro #diversifica para ilustrar esse quadro, por favor. Como as fotos não estão muito boas, pode fazer todas em uma única linha.) Confira a íntegra das entrevistas com Elaíze Farias, Ellen Bileski, Joana Suarez, Sanara Santos e Sheila Farah na segunda temporada do videocast #diversifica, disponível no YouTube e Spotify. Coordenação editorial Luana Ibelli ([email protected]) Textos e edição Fernando Soares ([email protected]) Mentoria Graciela Selaimen Apoio editorial Anna França ([email protected]) Victor Felix ([email protected]) Diagramação Paulo Sant’Ana ([email protected]) Edição Executiva Wilson Baroncelli ([email protected]) Direção Comercial Vinícius Ribeiro ([email protected]) Direção Geral Eduardo Ribeiro ([email protected]) O #diversifica é um hub multiplataforma de conteúdo para Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) da Jornalistas Editora. Apoiam esta iniciativa: Ajor (Associação de Jornalismo Digital), ICFJ (International Center for Journalists), Meta Journalism Project, Rádio GuardaChuva, Oboré Projetos Especiais e Énois Conteúdo. Expediente e para fazer isso eles recebiam mil reais por texto. Em geral, são pessoas que não tem formação em jornalismo, mas que tem muito talento para escrever e relatar sua realidade, mas tem que ser um trabalho remunerado, porque para fazer isso eles param as suas atividades regulares. Não é trabalho assistencialista. É o trabalho justo de um profissional que está sendo remunerado por isso”. Mas problemas como esse não acontecem apenas em regiões remotas da Amazônia, como completa Joana Suarez, da Redação Virtual. “Um problema muito comum, e que ainda estamos longe de resolver nas conversas com nossa rede de freelancers, é como contratar esses jornalistas e não deixálos vulneráveis ou em risco por causa de alguma pauta que requer ummínimo de segurança. Precisamos dar condições para esses repórteres e para a gente não perder a oportunidade de contar histórias de todo o País. Quando você aceita condições injustas, está deteriorando as condições de todo mundo. Uma dica que sempre dou é para esses profissionais se sindicalizem a fim de terem ao menos um apoio oficial com o qual podem contar”.

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