No 1 – Pág. 34 em televisão. Com o pretexto de que chamaria muito a atenção do público, Luciene passou por vários processos que, aos poucos, foram podando sua essência. “Em um dos meus trabalhos recentes, fui toda repaginada e chegaram a pedir até que eu não utilizasse mais nenhum adereço que remetesse a minha origem. Nesse momento eu disse que poderia abrir mão do meu cabelo, das minhas roupas e de muita coisa, mas não da minha identidade, que levei tanto tempo para conquistar. Claro que não iria aparecer com tudo que uso hoje, mas um adereço ou outro, como meus brincos de pena e um colar de miçangas, são pedacinhos de mim, que contam a minha história”. Uma luta contra estereótipos Quão contraditório é perceber que aqueles que habitavam terras brasileiras antes mesmo da chegada dos primeiros colonizadores ainda precisam justificar seus direitos de poderem viver em cidades, com acesso aos mesmos serviços e comodidades que todo cidadão. De acordo com o Censo de 2010, dos pouco mais de 800 mil indígenas que então viviam no Brasil, cerca de 300 mil estavam nos centros urbanos. São pessoas como Luciene, que representam suas culturas e tradições sem necessariamente viverem em aldeias e reservas. “Já vi muitos comentários bem preconceituosos, principalmente nas redes sociais”, alerta. “Com frequência, vejo gente falando que eu deveria voltar para a minha maloca, que não deveria estar na cidade. Isso quando não questionam nossos bens materiais, como se fosse proibido um índio ter iPhone, por exemplo. Trabalhamos para isso e podemos ter o que quisermos, como qualquer outro cidadão”. Para ela, que nasceu e cresceu longe de sua aldeia, trabalhar com jornalismo também tem sido um meio de levar mais informações sobre os povos originários à população em geral, derrubando mitos e preconceitos ainda tão comuns em nossa sociedade. “Ainda está muito viva no imaginário das pessoas aquela visão de que o indígena ainda mora dentro de uma maloca, anda nu e pode casar com várias mulheres. Assim como a sociedade, a gente também se atualizou. As tecnologias estão dentro das comunidades e nós consumimos e produzimos informações como todo mundo”. Com tantos estereótipos retratados ao longo da história nos livros, na dramaturgia e na mídia, ummovimento de jovens comunicadores vem ganhando força e lutando para mudar essa narrativa e pelo direito de contar suas próprias histórias. É a Rede de Jovens Comunicadores, movimento que integra a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), maior organização indígena regional do Brasil. “É muito legal ver esse movimento da juventude, tão engajada em levar suas histórias adiante. É uma revolução muito grande, que me deixa muito feliz, pois eles estão assumindo o controle de suas narrativas. Isso é importante porque muitas vezes a nossa história é contada por outras pessoas, que não entendem o contexto ou não têm a vivência da realidade dos fatos. Acredito que quando você conta aquilo que vive, aquilo que presencia e que é ummodo de vida seu, você traz verdade pra sua história”. Um exemplo dos trabalhos promovidos pela Rede foi o lançamento em 2021 da animação Grandes Guerreiros e Guerreiras, produção audiovisual que utilizou elementos da cultura indígena para dialogar com o público infantil sobre os riscos da Covid-19. O vídeo contou com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/ Fiocruz Amazônia). “Quando produzimos um conteúdo tão ligado à nossa cultura, todo um sentimento de pertencimento vai junto. É como se conseguíssemos entregar tudo de nós naquele material. Para quem está consumindo, também é possível ver a verdade e o resultado é perceptível na forma como as pessoas passam a enxergar, entender e respeitar Postagens preconceituosas nas redes sociais questionam o direito de indígenas possuírem bens, como um iPhone
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