No 1 – Pág. 21 identificação do espectador com os personagens até o desejo e satisfação de ver alguém conquistar um sonho. O problema é que histórias como essas muitas vezes falham ao não iremmais a fundo na origem do problema. A falta de políticas públicas capazes de dar ummínimo de condição de vida para populações carentes faz da luta por uma vida melhor uma batalha injusta e desigual. “Isso não tem nada a ver commeritocracia, especialmente em um país como o Brasil, mas sim de conquista a base de muita renúncia pessoal. São histórias que levam as pessoas a adoecerem, física e mentalmente”, contrapõe Luciana. Para ela, é um erro incentivar esse tipo de história na mídia sem frisar a negligência dos governos, que são incapazes de oferecer condições para que populações carentes e minorizadas não precisem enfrentar desafios desiguais: “Não é bonito que alguém tenha enfrentado toda sorte de dificuldades para chegar em determinado lugar. Essa pessoa muito provavelmente chegará esgotada ao atingir seu objetivo. Essa pessoa vai acabar adoecendo ou se matando ali. Isso é uma vergonha para este país, isso é uma vergonha para o Brasil”. “Precisamos parar um pouco com a história da dor para dar lugar à da alegria. Não significa fechar os olhos para o que está errado, mas mostrar que as pessoas negras também são felizes e merecem isso. Nos Estados Unidos, por exemplo, apesar de todo o problema que eles também vivem com desigualdade e racismo, é possível ver na tevê histórias de pessoas negras bem-sucedidas, que conseguiram se distanciar da dor. É importante naturalizar isso também, para mostrar que existe uma possibilidade de uma história da felicidade. Que ela também pertence a nós, e que também podemos ter uma família feliz, sem ausências. Que podemos vibrar e fazer planos para os nossos filhos. Também precisamos desses exemplos, porque quando estamos o tempo inteiro imersos na dor fica muito difícil”. Mas, para ela, essa ainda é uma barreira muito difícil de traspor, principalmente no jornalismo. “Sabemos que a comunicação é uma profissão de muito poder, e as pessoas querem continuar contando e exaltando histórias de dor. Só que cabe a nós, que passamos por isso, alertar que não queremos continuar contando esse mesmo enredo. Nossa função é constranger, e mostrar que não podemos continuar retratando as mesmas histórias”. Ao falar de constrangimento, Luciana usa como exemplo um posicionamento da jornalista, atriz, cantora, escritora e poetisa Elisa Lucinda, que defende a ideia como forma de conscientização sobre privilégios e renúncias. “Não tem nada a ver com brigar um com o outro”, explica Luciana. “Só precisamos mostrar como nossa história foi construída e fazer com que as pessoas pensem sobre um aspecto que talvez nunca tenham pensado. Um exemplo simples que sempre costumo usar, é quando chego para as equipes de maquiagem e pergunto se têm bases para pele escura, porque meu convidado, por exemplo, é preto. Geralmente fica aquele clima, porque elas têm dezenas de bases para todo tom de pele, mas raramente para pessoas negras. Isso quando não botam um pó mais claro e a pessoa vai cinza pro ar, né…? Não tem um difusor, por exemplo, pra secar um cabelo crespo, não tem alguém que saiba ajeitar um cabelo crespo”. “Isso é resultado do racismo estrutural, que faz com que não esperem que um âncora ou convidado possa ser uma pessoa negra. Se acostumaram que os brancos falam o tempo inteiro, os convidados são brancos, os entrevistados são brancos, os âncoras são brancos. Por isso eu gosto de citar a Elisa Lucinda, porque se uma pessoa branca não se constranger com situações como essa nada mais vai fazê-la mudar”. Elisa Lucinda Apoio temático:
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