Jornalistas&Cia 1504

Edição 1.504 - pág. 33 ANOS Confesso que não fui um aluno exemplar na PUC-SP, onde cursei Jornalismo, no começo da década de 1990. Relapso, pouco dedicado à academia, zero paciência com as disciplinas teóricas e muito mais interessado em arrumar estágio em algum jornal. O que mais carrego da universidade são os grandes amigos e o convívio intenso com o pessoal de Direito, Ciências Sociais etc, pois tudo era meio junto na PUC. Essa mistura de gente, ideias, cursos e tendências políticas, por sinal, sempre foi a grande marca do campus da Rua Monte Alegre. Carrego também um grande, e talvez o único, orgulho da vida acadêmica: ter sido aluno de Perseu Abramo em práticas de edição e reportagem. Perseu me ensinou a amar o jornalismo do jeito que ele é, com seus defeitos e qualidades. É importante rememorar o Perseu Abramo professor, responsável pela formação de centenas de jovens jornalistas em sua época. Terno e gravata, fizesse chuva, sol ou frio, Perseu despontava no corredor da PUC com a pontualidade de um trem britânico. Suas aulas tinham um caráter único, em que o editor se transformava em professor, e vice-versa, permitindo aos alunos a oportunidade de aprender, na prática, o dia-a-dia da profissão com uma das maiores referências da história do jornalismo brasileiro. Educado e gentil, Perseu não era o tipo de professor que transbordava carisma. Quando muito, esboçava um meiosorriso. Mas o professor Perseu oferecia algo muito maior e mais importante do que simpatia gratuita: confiança em você. Perseu realmente acreditava em seus alunos, que queriam se tornar repórteres de verdade. E dedicava-se a eles com a paciência de um monge. Com seu jeitão metódico e exigência extrema nos mínimos detalhes – como dobrar ao meio e colocar as laudas com as matérias escritas em uma posição exata sobre a sua mesa −, Perseu n Esta história é novamente uma colaboração de Marcus Lopes (mlopesjornalista@gmail. com), que teve passagens por redações como Jornal da Tarde, O Estado de S. Paulo, Diário do Comércio e outros. Atualmente colabora como freelancer para veículos como Valor Econômico, Exame e Aventuras na História. Marcus Lopes Peseu Abramo Folhapress Ao mestre Perseu Abramo despertava a autoconfiança de seus alunos para, a partir daí, ministrar os conceitos básicos do bom jornalismo: dedicação, caráter, ética, imparcialidade, texto correto e, principalmente, amor pela arte de informar. No último ano da faculdade, eu e as colegas Kelly Lubiato e Maria Valéria fomos os únicos a optar pelo laboratório de jornalismo impresso. O orientador era Perseu Abramo. Ao fechar uma manchete do jornal-laboratório em que eu queria porque queria carregar nas tintas para uma matéria de denúncia, Perseu rebateu: “Isso aqui não é um jornal sensacionalista. Atenha-se aos fatos”. Nos dedicamos com afinco à elaboração do jornal experimental, da concepção à distribuição, passando por reportagem, diagramação e edição. No final tiramos 10 e dava para sentir no rosto de Perseu um baita orgulho com os seus três solitários pupilos que conseguiram, de forma totalmente artesanal e sem um único computador, colocar um jornal em pé e levar ao leitor. Orgulho transmitido em um meio sorriso e um discreto “muito bom”. Perseu nunca criticou em sala de aula os “jornalões”, apesar de ser um militante de esquerda tão importante que o principal centro de estudos do PT leva o seu nome, a Fundação Perseu Abramo. Pelo contrário. O professor Perseu afirmava que os grandes jornais – Folha, Globo, Estadão, Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil e outros − eram necessários para a democracia e a sociedade. Mesmo com todos os seus defeitos, pois são eles que levam a informação produzida de forma profissional aos mais distantes leitores, ouvintes e telespectadores. Em tempos de polarização política, fake news e tentativas incessantes de desmoralização da imprensa profissional, muitas vezes nós, jornalistas, nos sentimos desanimados em continuar a escrever o primeiro rascunho da história, como alguém certa vez definiu o papel do jornalismo. Nestes momentos cruéis para a profissão, faz falta o professor Perseu Abramo para nos jogar pra cima. Com a sua didática impecável, o seu amor pelas redações e a sala de aula e, claro, o meio sorriso.

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