Edição 1.492 - pág. 33 O inquilino de uma de nossas casas em Itu reclama que apareceu um vazamento na piscina. Fomos ver e a filhinha dele, Helena, 3 aninhos, fica pedindo que identifiquemos os bichos no livrinho que ganhou na escola. É claro que a Táta achou no fundo do armário e mandou para ela um exemplar de 100 Animais Brasileiros publicados no Estadão, que escrevi e ela fez as fotos, num passado de várias décadas. De repente, Larissa, a mãe da garotinha, se emociona, abraça o livro e conta que há muitos anos, quando era criança, ganhara o mesmo livro, presente de um tio. Quase que dá para ouvir a memória girar em busca das memórias de antanho. Foi nos idos dos anos 1960, quando o Suplemento Infantil do Estadão pediu que eu escrevesse cada semana a historinha de um animal brasileiro. Contei de por que a ararajuba, com as cores da nossa bandeira, é a ave-símbolo nacional; a triste história dos lobosguará, que quando dão cria em cativeiro acabavam comendo as próprias crias; falei dos morcegos que degustam até 500 pernilongos por noite; e a reação do padre Anchieta quando os tupinambás lhe “apresentaram” a imensa sucuri. As historinhas fizeram tanto sucesso que a diretora do suplemento infantil Estadinho, Lourdes Sola, acedeu ao convite de reunirmos cem dos artigos num livro e, para a capa, escolhemos a foto inesquecível de um mico-leãodourado que, órfão, escolheu como “mãe substituta” o chinelinho forrado de uma veterinária do Zoológico, ao qual dormia abraçado. Foto inesquecível. A memória registra as histórias n A história desta semana é novamente de Luiz Roberto de Souza Queiroz, o Bebeto ([email protected]), assíduo colaborador deste espaço, que esteve por muitos anos no Estadão e hoje atua em sua própria empresa de comunicação. Luiz Roberto Souza Queiroz Meu próprio livro prova que estou muito velho geradas pelo livro. Primeiro, a decisão do Estadão de distribuí-lo como brinde aos assinantes, depois minha vergonha na Feira do Livro quando fiquei numa mesa ao lado da de Eduardo Martins, que autografava o Manual de Redação do Estadão para dezenas de leitores, enquanto diante de minha mesa, ilustre desconhecido que era... e ainda sou, estavam apenas minhas duas filhas, e querendo ir embora logo. Depois, o sucesso do livro, tanto que um leitor ligou para comprar o “100 Animais Brasileiros que TRABALHAM no Estadão”. Quem atendeu foi Cecília Thompson, que hoje está na redação do andar de cima, com os outros jornalistas mortos, e que sem papas na língua explicou ao leitor que se enganara, que alguns leitores é que seriam “animais”. E era preciso realmente paciência animal para digerir as até 260 páginas que produzíamos num domingo – hoje, o jornal morrendo, cada edição tem menos de 40. Os direitos autorais do livro acabaram sendo vendidos para a Editora Moderna, que multiplicou a obra, mais tarde distribuída a centenas de escolas. Uma noite, em Itu, desfrutando um risoto al funghi no Mantovani, um garçom se aproxima, diz que me reconheceu pela foto da capa (não a do sagui, por supuesto), e conta que o filho retirou o livro na biblioteca da escola, curtiu tanto que resolveu ser veterinário. Dez anos depois, de novo diante do risoto al funghi, o antigo garçom, hoje maître Bill, chega na mesa emocionado e conta que o filho já é veterinário formado. Tudo graças ao Estadão, completou. Já lá se vão 60 anos que escrevi as historinhas que despretensiosamente nasciam a cada anoitecer, ao lado das camas de minhas filhas então pequeninas Camila e Flávia, quando me pediam que contasse as histórias “de fazer dormir”. E de repente sinto o peso dos anos que passaram e percebo que talvez meus livros venham a viver mais do que eu. C´est la vie.
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