Edição 1.483 - pág. 24 Quem conhece o mestre Chaparro há de compreender. Atualmente, o mestre vive acamado. Não tem mais a capacidade da visão. Está sob os cuidados da filha, Cris Chaparro. Ambos vivem sós, em uma cidade do interior de São Paulo. A ligação do mestre Chaparro – Prof. Doutor Manuel Carlos Chaparro – com o mundo atual se dá por meio do celular, no qual Cris coloca um ou outro podcast para ele ouvir. Não aguenta mais ouvir programas jornalísticos da TV. “Desliga, desliga!”, fala, um tanto nervoso, quando ela coloca na GloboNews ou outro jornalístico. “Será que eles não sabem que o jornalismo é para narrar as coisas, em vez de ficar dando opinião?”, critica. E emenda, no seu – até certo ponto – delírio: “Amanhã vou voltar a dar aulas. Eles precisam aprender. Jornalismo não é isso!” Entre os podcasts que gosta de ouvir está o de [Leandro] Karnal: “Quero voltar a estudar filosofia, aprender antropologia. Tenho tanto a aprender”, comenta. E emenda, intrigado: “Como ele sabe tanta coisa?”. Quando jovem, Chaparro era ativista da Juventude Operária Católica em Portugal. Sofreu um acidente e ficou quatro anos numa cama. “Era um hospital de padres. Li toda a biblioteca deles”, me disse, um dia em que almoçávamos em sua casa. Daquele acidente, acabou se recuperando, embora tenha ficado com a marca. Andava sempre adernando para um lado. Uma perna ficou menor do que a outra. Em 2018, Chaparro sofreu um AVC isquêmico. Desse acidente, nunca mais se recuperou. Desde então, a mobilidade só fez diminuir. Mas a mente... ah, essa não se acomoda. Não sossega. Definitivamente não! “Ele só fala em trabalho”, conta Cris Chaparro. “Às vezes parece que vou ficar louca”, reclama. Penso comigo que deve ser difícil, n A história desta semana é de Fred Ghedini, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, fundador e presidente da Associação Profissão Jornalista (APJor), um dos coordenadores da Rede Democracia e Direitos Humanos (RedeD). Fred Ghedini Amor transcendental mesmo. Ver o pai, que só trabalhava, trabalhava, estudava, dava aulas – outro trabalho –, estudava, pesquisava, trabalhava, dava mais aulas, orientava mestrandos e doutorandos... preso à cama, sonhando com mais trabalho. O corpo, imóvel. A mente, inquieta, viva, sem reconhecer a incapacidade do corpo. Angustiante. No Dia do Professor, em 2021, gravou uma mensagem. Falou sobre como ser um bom professor. É uma das tantas sábias intervenções do mestre. Fecho com algo que lembra a música O bêbado e o equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc (na voz de Elis Regina, ficou soberba, essa música). Não no sentido “natural” da música, referindo-se ao clima pesado da ditadura militar. Mas sim no que lembra da mágica fugidia de quem tanto contribuiu para o jornalismo, o ensino do jornalismo e a cultura do nosso país, e agora vai se distanciando, levando adiante seus sonhos para o mundo mágico que ganha os céus. “Meu pai me pediu algo que vou te contar, algo que tem muito a ver com ele: trabalho e jornalismo, jornalismo e trabalho”, diz Cris. “Que, quando morrer, eu coloque um gravador junto ao seu corpo. Quer gravar uma entrevista com o Espírito Santo, que será seu último trabalho como jornalista. E que vai trazer isso de volta para nós ouvirmos”. Aí vai uma sugestão para algum roteirista espirituoso que se interessar em contar um pouco sobre a vida do mestre. O quão interessante não seria ouvir tal entrevista? Manuel Carlos Chaparro
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