Edição 1.477 página 29 que “valiam ouro” e que não sei que fim levaram. Hoje, porém, a Bucha não parece mais tão perigosa. Em recente palestra que dei na Faculdade de Direito, na qual citei de passagem Julius Frank e a Bucha, um professor perguntou se eu sabia que entre as pessoas que cumprimentara estava o Chaveiro atual e ainda contou que hoje o cargo é ocupado por uma mulher. Lacerda faleceu quando a pesquisa estava quase pronta e nunca chegou a escrever o livro com a história dos Mesquita e do jornal. Como fazíamos os relatórios com cópia, Luiz Ernesto e eu ficamos com o backup de todo o material histórico, o desenvolvimento do jornal, a tomada do Estadão pelos jagunços de Getulio, que “plantaram” armas no forro da redação e assumiram o jornal após a “descoberta” dos fuzis. Ficamos também com a história do exílio do dr. Julinho durante a viagem de navio, contada pelo Paulo Duarte − que, para se sustentar na França, ganhou dinheiro no pôquer do dr. Julinho, que perdia de propósito para ele −, e as dificuldades dos filhos que ficaram – Carlão, por exemplo, se envergonhava de ter um único paletó, que usava o inverno inteiro, todos os dias. Levantamos também a história da retomada do jornal, a genial criação dos Anúncios Classificados pelo dr. Chiquinho, que deu grande lucro por anos, a gripe espanhola, quando todos os jornalistas ficaram doentes e Monteiro Lobato que não era funcionário assumiu e escreveu o jornal por duas semanas inteiras, a contratação do grupo de “piracicabanos”, o abrigo que o jornal deu a intelectuais portugueses exilados, mesmo que ideologicamente contrários à linha do jornal. Tínhamos também a história das primeiras redações, na Boa Vista, inclusive, onde um tubo pneumático levava as matérias prontas por baixo do asfalto, da redação às oficinas, no outro lado da rua e outras muitas histórias. O tempo passou, o Estadão ia fazer cem anos e para a efeméride seria preparado um avantajado suplemento que, não sabíamos então, marcaria o fim da censura da ditadura, já que Brasília temia, disseram os censores, que o Estadão comemorasse cem anos sob censura prévia. Frederico Branco foi encarregado de fazer o Suplemento, escolheu para auxiliá-lo o Eduardo Figueiredo e, como eu tinha parte do material colhido para Lacerda e acesso ao restante, que estava com Luiz Ernesto, fui a segunda escolha. Trabalhamos três meses, o Suplemento acabou tão grande que sozinho era do tamanho de uma edição diária do Estadão. Melhor que tudo, as histórias que contamos, as biografias que escrevemos ficaram tão boas que o Suplemento levou o ambicionado Prêmio Esso. A redação era diferente na época. Matéria quase nunca era assinada, os autores do Suplemento não apareciam, não fomos convidados e nem informados do prêmio. Só soubemos pelo jornal do dia seguinte ao ver a foto de um diretor na festa de premiação, recebendo o laurel. Não houve sequer um “obrigado”, mas, acostumados, nem estranhamos. Agradecimento, que eu saiba, só foi o meu para o Luiz Ernesto, que me facilitou o acesso ao material que pesquisara e um agradecimento indireto, quando uma de minhas primas contou que estivera com Cecília Mesquita e ouvira dela que a biografia que escrevi do dr. Chiquinho, pai dela, fora o primeiro texto do jornal fazendo jus ao gênio financeiro que transformara o jornal num órgão verdadeiramente nacional e, principalmente, lucrativo. Agora que os tempos são outros, minha gratidão vai para todos: a Lacerda que fez de mim o jornalista que sou; a Frederico Branco que coordenou o Suplemento e corajosamente enfrentou a censura que tanto tentou prejudicar nossa obra. O agradecimento a Eduardo Godoy Figueiredo, que dividiu comigo o trabalho de fazer centenas de laudas – e com carbono, obrigatório, na época. E a Luiz Ernesto, que tratou com respeito e ensinou o foquinha desengonçado que eu era. Agora, ele também se foi. De todos, sobrei eu, para resgatar essa história, que não podia morrer. Carlos Lacerda Suplemento do Centenário
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