Jornalistas&Cia 1477

Edição 1.477 página 15 Por Assis Ângelo PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333 Baixinho, gordinho, feinho… mas tinha uma inteligência invulgar. Esse era João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (1881-1921), que assinava com pseudônimo de João do Rio. Suas reportagens chamavam a atenção do grande público. Eram feitas nos morros, puteiros, casas de umbanda. Por aí. O submundo era, de certo modo, o seu mundo. Simples e muito inteligente, era admirado e respeitado pela plebe e pela elite. Tinha sempre o que dizer. E ainda encontrava tempo para bebericar com amigos, brincar o Carnaval e outras festas do povo. Também para escrever e enviar cartas às pessoas de que gostava, como o português João de Barros. Para Barros, João do Rio escreveu uma carta em que fala de orgia. Curiosa e cheia de fofocas. Deve ter sido enviada a seu amigo, um ex-ministro português, em fevereiro de 1912. Meu caro João, Chegou a Ema. Criaturinha insignificante. O José Moraes (o empresário) literalmente sem dinheiro, porque ela em dois anos comeu-lhe duzentos contos e estragou-lhe vários negócios, não quer ser amante e ama-a. A Ema dá ataques e fornica com toda a gente. É do sangue. A terrível senhora que me domina pela ameaça do suicídio, a senhora Aurea, apesar de ser divorcée do Porto Carrero e de sociedade, deu de fazer o Carnaval em pijama, comigo e com a Ema. Passamos quatro dias nessa orgia de que se não fala… A Ema aí referida na carta era uma atriz bastante conhecida à época. Ainda naquele ano de 1912, sempre em tom de fofoca, João escreveu ao seu velho xará português: João, queridíssimo, Tenho uma coisa impagável. Lembras-te do Amaral França, o elegante senhor do Paiz? Era o amante da madame Camacho! O marido, aquele cretino com ares de boneco de alfaiate barato – soube! Soube e teve ciúme. Então mandou cinco, nota bem, cinco amigos seguirem a feia Camacho e quando a bela Camacho (digo bela agora porque não se compreende uma adúltera feia) palpitava nos braços do Amaral, na sua garçonnière do Russell, deu-se o flagrante delito mais escandaloso do Rio de Janeiro. O divórcio é amigável. Camacho chora (isto é, Camacho fêmea) enquanto Camacho de barba olha o céu pensando ver o chifre. Isso causou na bande a impressão do raio. O nosso incorrigível ingênuo Sampaio ficou prostrado, e assegurou-me que felizmente a Marguett era angélica… Licenciosidade na cultura popular (LXXV) João não morreu pobre nem rico. Viveu e deixou dúzia e meia de livros pra quem quiser saber de histórias reais e inventadas que trazem a assinatura do famoso repórter. No seu último livro, A mulher e os espelhos (1919), João do Rio conta histórias curtas do cotidiano carioca. Nessas histórias, os personagens mais frequentes são mulheres com seus dramas pessoais; amor, sexo, adultério e violência. São textos limpos, claros, atualíssimos. Síntese era a marca desse João. No Brasil de Guimarães Rosa, Paulo Dantas (1922-2007), Zé Limeira e Manoel Camilo dos Santos (1905-1987) houve e continua havendo espaços para o fantástico. Camilo, como Limeira, deixou além de saudade uma obra muito bonita. O cordel Viagem a São Saruê, por exemplo, país inventado por Camilo, começa assim: …Eu que desde pequenino sempre ouvia falar nesse tal São Saruê destinei-me a viajar com ordem do pensamento fui conhecer o lugar. Iniciei a viagem as quatro da madrugada tomei o carro da brisa passei pela alvorada junto do quebrar da barra eu vi a aurora abismada… E lá pras tantas, segue dizendo o poeta: …Lá os tijolos das casas são de cristal e marfim as portas barras de prata fechaduras de “rubim” as telhas folhas de ouro e o piso de sitim. Lá eu vi rios de leite barreiras de carne assada lagoas de mel de abelha atoleiros de coalhada açudes de vinho do porto montes de carne guisada… Na terra de São Saruê há de um tudo. Lá ninguém passa fome, porque lá tudo tem e tudo dá sem sequer precisar plantar. É tudo frouxo e legal. Quase no fim dessa história, diz o cordelista sobre amor e felicidade: Tudo lá é festa e harmonia amor, paz, benquerer, felicidade descanso, sossego e amizade prazer, tranquilidade e alegria... Pois é, amigos e amigas, esse cara, Camilo, deixou um monte de coisas bonitas. Eu o entrevistei e publiquei nossa conversa no extinto diário paulistano Jornal da Tarde. Foto e reproduções por Flor Maria e Anna da Hora João do Rio

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