Jornalistas&Cia 1474

Edição 1.474 página 41 A floresta está sendo mais e mais devastada nesta nestes confins do Brasil. Ao ver as recentes imagens das crateras vieram-me à mente as lembranças de quando vim morar em Roraima e trabalhar como correspondente do Grupo OESP (Estadão, JT, Agência Estado e Rádio Eldorado): elas me parecem tão atuais. Mesmo porque os métodos empregados na destruição são sempre os mesmos: derrubam árvores, jateiam barrancos puxando água dos igarapés e sugam a lama onde, presumidamente, está o ouro e a cassiterita, também chamada de “ouro negro”, e valiosa quase tanto. Em um trecho do livro Conexão Amazônia, a caminho do prelo, conto minha experiência que vivi nos garimpos daqueles tempos. Meados de 1987 e mais ou menos duas semanas depois da eclosão de um grave conflito entre índios e invasores, com mortes dos dois lados, o Estadão me pediu para ir até lá e fazer uma matéria para a edição do dia seguinte. Como se viajar 300 km no meio da densa floresta fosse o mesmo que sair da sede do Limão e ir ao ABC cobrir uma pauta qualquer. Quando João Sampaio, do CenPro, o centro de produção da Redação, me ligou e ouvi o pedido da Nacional – pegar o carro, ir até o local, entrevistar índios, garimpeiros e policiais, voltar e mandar pelo menos 30 linhas, se possível com fotos −, comecei a rir. Expliquei que teria que alugar um táxiaéreo ou pegar carona com alguém para, cerca de duas horas depois, descer na pista do Paapiu, local dos conflitos, pouco mais de 50 km aquém da fronteira com a Venezuela. Depois de um tempo, já quase no fim da manhã, veio a autorização. Por uma agradável coincidência, logo em seguida me chamaram no portão de casa. Eram dois estranhos: um rapaz loiro, de sotaque bastante carregado, Paul Murally, inglês, correspondente no Brasil da agência de notícias britânica Reuters, e o outro, moreno alto, Wanderley Rodrigues, fotógrafo da Agência Jornal do Brasil (AJB). Localizaram-me por meio da sucursal do Estadão no Rio de Janeiro e vieram procurar-me para ajudá-los na cobertura do conflito do Novo Cruzado, como ficou conhecido aquele garimpo. A proposta era eu ir junto, com todas as despesas pagas. Claro que topei, mas foi aí que cometi um enorme erro, pessoal e profissional: na ânsia de aproveitar a n A história desta semana é novamente de Plínio Vicente da Silva ([email protected]), que foi chefe de Reportagem do Estadão e correspondente do Grupo OESP em Boa Vista, e hoje é assessor especial da Prefeitura local. Em função do tamanho, a segunda parte será publicada na próxima edição. Plínio Vicente da Silva O Mensageiro (parte 1) oportunidade, não avisei São Paulo que viajaria com eles naquele mesmo dia. Depois de mais de duas semanas no meio da selva, onde a comunicação com o mundo exterior só era possível por avião, barco ou enfrentando os perigos escondidos na floresta numa arriscada “varação”, o radinho de pilhas era um dos bens mais preciosos por aquelas bandas, pois permitia que toda a gente pudesse receber mensagens vindas de Boa Vista. Como a que ouvi certa noite, pouco depois do jantar no acampamento. Graças a um Phillips portátil, a pilhas, que Paul levara, estava ouvindo O Mensageiro do Ar, lendário programa transmitido em ondas curtas pela Rádio Nacional de Roraima, integrante da rede de emissoras oficiais do governo federal. Foi quando o radialista roraimense Benjamim Monteiro, tão lendário quanto o programa, começou a ler os bilhetes com as mensagens que recebera naquele dia e num deles, para minha surpresa, pediu: “Atenção, jornalista Plínio Vicente, lá na pista do Paapiú, garimpo Novo Cruzado. Sua esposa Salete manda dizer que o pessoal do Estadão está ligando de hora em hora atrás da matéria que você prometeu. É pra você voltar imediatamente, pois estão todos preocupados com o seu desaparecimento”. Coincidentemente, a volta estava marcada para o dia seguinte, Cheguei, liguei e recebi uma tremenda bronca de Rodrigo Mesquita, diretor da Agência Estado, que esbravejou: “Você está maluco? Como um deficiente pode se arriscar a ir parar nesse inferno?”. Depois, mais calmo, finalizou a conversa: “Espero que tenha feito boas matérias, meu jovem”. Agora, diante do novo conflito nas terras dos ianomami, que já causou um enorme prejuízo aos índios e ao meio-ambiente, conversei com antigos radialistas e pedi-lhes que relatassem algumas lembranças do programa quando ele ainda se chamava Mensageiro do Interior. Expliquei que essa colaboração me ajudaria a enriquecer este meu Memórias da Redação com as incríveis histórias que se espalhavam pelo éter roraimense. Aroldo Pinheiro, amigo jornalista com quem trabalhei em um jornal de Boa Vista, dispôs-se a atender meu pedido de socorro e ir ao encontro dessas fontes. É que, por conta das sequelas da pólio, não posso me locomover para fora de casa. Dias depois ele me mandou pelo e-mail os depoimentos mais interessantes e que reproduzirei na próxima edição, ipsis litteris, sem tirar nem pôr. Benjamin Monteiro

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