Jornalistas&Cia 1471

Edição 1.471 página 22 Por Assis Ângelo PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333 A ficção de Júlia Lopes de Almeida flerta o tempo todo com a realidade. Ela era participativa e arguta observadora da sociedade em que viveu. De lá pra cá, ou seja, do século 19 pra cá, aparentemente nada mudou. No livro Correio da Roça (1913), a autora conta os perrengues vividos por suas personagens: Maria, mãe de quatro filhas, perde o marido e praticamente toda a fortuna que tinha. Sobra-lhe uma fazenda fincada no fim do mundo. É lá que vai viver com as filhotas. Enfim, essa é mais uma bela história enredada por Júlia Lopes de Almeida. O século 20 nos deu algumas autoras também muito importantes, como a cearense Raquel de Queiroz, que estreou como romancista em 1928 com O Quinze. Obra-prima. Em 1939, Raquel brindou aos leitores o romance As Três Marias. As três Marias são Augusta, Glória e José. Maria Augusta é posta pelo pai num colégio de freiras depois que a mãe morre. Tinha 12 anos de idade. No começo enfrenta dificuldades para se adaptar ao novo ambiente. Entre as freiras do colégio, Maria Augusta, a Guta, faz amizade com Maria Gloria e Maria José. Ao completarem 18 anos, as três Marias deixam o colégio para ganhar vida própria. Glória casa-se cedo. José não se casa, transformando-se numa pessoa muito quieta e solitária. Augusta envolve-se com um artista plástico bem mais velho do que ela e casado. Ela sofre. Depois conhece um certo Isaac, que finda por matar-se. O romance de Raquel de Queiroz conta, além da vida dessas Marias, a vida rápida de outras jovens. Jandira e Violeta são duas amigas de Maria Augusta. A primeira casa-se com um sujeito desqualificado, sem profissão, e com ele tem um filho, que nasce cego. Quanto a Violeta, Augusta fica sabendo que virara puta. Ela lembra: …Agora estava perdida, com a porta aberta para todos os homens. E eu tentava imaginar o horror daquela vida: chega um homem gordo, bigodudo, hálito de cerveja, tem o direito de entrar, de deitar com ela na cama, de exigir o que quiser. E parecia-me ver o homem, a camisa suada fedendo, os beiços babosos, a carne mole. Ou então outro qualquer, magro, ossudo, velho, com cruzes de esparadrapo no pescoço, ou cheirando a cigarro apagado... O romance da grande escritora cearense lembra um pouco o romance As Meninas, da paulistana Lygia Fagundes Telles. As personagens de Lygia não são irmãs, mas amigas. Ana Clara cursa Psicologia, Lorena cursa Direito e Lia, Ciências Sociais. Licenciosidade na cultura popular (LXIX) Lembra também a história de Raquel o romance Toda a Luz que Não Podemos Ver, do norte-americano Anthony Doerr. A história traçada por Doerr se passa no decorrer da Segunda Grande Guerra: uma garotinha órfã de mãe, Marie, perde a visão aos seis anos de idade e é até os 13, 14 anos criada pelo pai, chaveiro do Museu Nacional de História Natural (França), que é preso pelos nazistas e tal. Emociona. É fantástico este livro. Tem muito palavrão e prostitutas pegando clientes a pau nas ruas alemãs. Tem também estupros praticados por soldados russos. Ganhou o Prêmio Pulitzer em 2015. Tão grande quanto a brasileira Júlia Lopes de Almeida foi a inglesa Barbara Cartland (1901-2000), autora de mais de 700 livros. Entre esses livros, o romance O Duque e a Filha do Reverendo. O duque no livro de Barbara é um cara bem apessoado e rico, muito rico, mas sem herdeiros. É solteiro e depois de descobrir que a mãe traía o pai, jurou a si próprio jamais se casar. É quando entra na história uma jovem de 19 anos chamada Bianca. Em 2019, o mineiro Itamar Vieira Junior estreou na literatura publicando o livro Torto Arado. Excelente, a partir do título. É uma história já conhecida, mas aqui contada de maneira excepcional. Envolve pessoas pobres, negras, em luta pela sobrevivência no interior baiano. Tem amor e muito sexo. A trama começa assim: Quando retirei a faca da mala de roupas, embrulhada em um pedaço de tecido antigo e encardido, com nódoas escuras e um nó no meio, tinha pouco mais de sete anos. Minha irmã, Belonísia, que estava comigo, era mais nova um ano. Pouco antes daquele evento estávamos no terreiro da casa antiga, brincando com bonecas feitas de espigas de milho colhidas na semana anterior. Aproveitávamos as palhas que já amarelavam para vestir feito roupas nos sabugos. Falávamos que as bonecas eram nossas filhas, filhas de Bibiana e Belonísia… Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora Raquel de Queiroz

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