Jornalistas&Cia 1471

Edição 1.471 página 12 De Londres, Luciana Gurgel Para receber as notícias de MediaTalks em sua caixa postal ou se deixou de receber nossos comunicados, envie-nos um e-mail para incluir ou reativar seu endereço. Sob pressão máxima do Partido Conservador britânico sobretudo nos últimos cinco anos, alvo de uma caça às bruxas insuflada por Boris Johnson, a BBC respirou aliviada após a vitória dos Trabalhistas nas eleições de 4 de julho. Mas os mares ainda não estão tranquilos. O relatório anual da corporação, publicado em 23/7, traz resultados que deverão influenciar o futuro da rede pública e de seus profissionais. Pelo menos 500 deles serão cortados, diante de uma queda acentuada no número de pessoas que pagam a taxa anual para assistir aos canais da rede e do recuo em outras fontes de receita. Em 2023, 500 mil domicílios cancelaram a taxa, reduzindo o número de pagantes para 23,9 milhões de pessoas em dezembro. A receita da BBC caiu quase um terço desde 2010. Isso significa 1 bilhão de libras a menos por ano. O press release que apresenta o relatório abre com um número que tenta valorizar a relação familiar dos britânicos com a “Auntie Beeb”: 95% dos adultos do país vêem a BBC em média uma vez por mês. Uma lupa sobre os dados revela a perda da audiência jovem, problema que não é exclusivo da BBC. Pessoas de faixas etárias mais baixas consomem notícias e entretenimento em redes sociais em escala cada vez maior, como demonstram pesquisas como o Digital News Report do Instituto Reuters. Embora a BBC tenha destacado que 1,3 milhões de jovens de 12 a 15 anos no Reino Unido acompanham as notícias por ela – mais do que por qualquer outra organização − a rede não está imune ao distanciamento desse público. O relatório informa que apenas 69% dos britânicos com menos de 16 anos assistem aos seus programas pelo menos uma vez por semana. Entre as crianças o quadro é ainda pior. Por isso, a BBC promete “acelerar o ritmo da mudança para aumentar relevância e valor”. Traduzindo: mais foco em produtos digitais do que em transmissão tradicional. A constatação de que os britânicos jovens podem viver sem a BBC, algo impensável no passado, é um golpe para quem tenta justificar a manutenção dos mesmos sistemas de financiamento que funcionam desde a época em que ela reinava praticamente sozinha no seletor de canais. A taxa é obrigatória, e não pagá-la pode dar cadeia. Não é só intimidação: há pessoas que realmente vão presas por esse crime no Reino Unido. É uma prática controvertida, pois baseia-se no entendimento de que, havendo uma TV na BBC enfrenta os desafios de um ecossistema transformado pelo digital residência, alguém está sintonizando a BBC. Nada mais anacrônico em tempos de Netflix, Amazon Prime e outros canais de streaming. O contrato da BBC com o governo que rege o financiamento será renegociado em 2027. O novo primeiro- -ministro, Keir Starmer, deu declarações favoráveis à manutenção da taxa, que o Partido Conservador queria derrubar e lançar a BBC às feras do mercado depois que a rede passou a ser criticada por sua suposta falta de imparcialidade e inclinação para os Trabalhistas. Mas não necessariamente da mesma forma atual. Nessa guerra, o jornalismo está perdendo. Noticiários da BBC ficaram visivelmente mais cautelosos do que eram há cinco anos, privilegiando pautas leves e de comportamento que não causam controvérsia nas redes sociais e nos círculos políticos. Mas nem precisa, porque controvérsia na BBC não falta. Duas delas emergiram do relatório. Gary Lineker, o ex-jogador de futebol que apresenta o programa esportivo Match Of The Day, segue como o mais bem pago da rede − sem contar talentos contratados por produtoras cujos salários a emissora não é obrigada a divulgar. Ele é um rebelde que não aceitou o enquadramento de não falar de política nas redes sociais, colocando mais lenha na fogueira da imparcialidade. O mais bem pago no jornalismo da TV também foi motivo de comentários. Huw Edwards, o âncora que caiu em desgraça depois de um escândalo há um ano, envolvendo compra de fotos nude de uma pessoa jovem, deixou a rede em abril. Mas apesar de ter passado todo esse tempo em licença, levou para casa 475 mil libras no ano, valor maior do que no exercício anterior. Não deve ser culpa da BBC, e sim de cláusulas contratuais e trabalhistas. No entanto, trata-se de um exemplo típico de outras questões que envolvem a rede. Mesmo quando ela não pode fazer nada, leva a culpa. O relatório completo pode ser visto em MediaTalks.

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