Jornalistas&Cia 1465

Edição 1.465 página 18 Por Assis Ângelo PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333 Outro romance também muito legal de José de Alencar é Senhora. A história gira em torno de uma órfã de pai e mãe. O pai morre, a mãe morre e um irmão que tinha, também morre. Mas, de uma hora pra outra, por iniciativa do destino, a protagonista Aurélia ganha uma fortuna de muitos contos de réis. A herança é de um avô. Com tanta grana no caixa, Aurélia traça plano pra se vingar de um antigo namorado que não lhe dava bola por ser pobre. Esse personagem tem por nome Fernando Seixas. É um livro arretado! Outro seguindo essa mesma linha, romântica, é Diva. A protagonista, Emília, é uma garotinha feia de 14 anos que ao crescer fica linda e apaixonante. Ainda na adolescência passa mal e é curada por um amigo da família, o médico Augusto. Personagem e família são riquíssimas e Augusto, coitado… Esse romance é uma crítica velada à sociedade brasileira do século 19. Alencar escreveu também três livros identificados com a narrativa indigenista: O Guarani, Iracema (1865) e Ubirajara (1874). O romance Iracema conta a história da personagem-título engravidada por um invasor português de nome Martim, que a abandona sem nenhuma explicação. Ubirajara é um herói respeitado na sua tribo, Araguaia. Tem duas mulheres “fixas” e várias amantes. É um relacionamento natural. Curioso nessa história é o patriarcalismo exercido com todo o seu vigor. Outra curiosidade é a prática de poligamia. Não em todas as tribos, claro. Não podemos, porém, esquecer que o autor de Ubirajara é um homem branco. A Iracema de Alencar faz-me lembrar a história contida na ópera Madame Butterfly, de Giacomo Puccini (1858-1924), levada à cena no alla Scala de Milão, em 1904. Nessa ópera, um oficial da Marinha norte-americana engravida uma jovem japonesa e desaparece para depois voltar acompanhado de uma mulher. Antes de Cabral, outros portugueses apearam por cá. No real e na ficção. O primeiro navegador português a chegar ao Brasil foi Duarte Pacheco (1460-1533). Depois de Pacheco e Cabral, aportou na costa baiana o lisboeta Licenciosidade na cultura popular (LXIII) Diogo Álvares Correia (1475-1557). Isso em 1510. Esse Diogo logo foi apelidado de Caramuru. E é aí que começa a bagunça. Caramuru juntou-se com várias indígenas da etnia Tupinambá e com elas teve muitos filhos. Essa era uma prática comum entre os indígenas. Entre os indígenas, eu disse. Isso, porém, não quer dizer que todos os povos indígenas tivessem o mesmo comportamento. Nem todos eram canibais, por exemplo. Tinham regras a cumprir. No campo sexual, inclusive. A poeta e psicóloga Geni Núñez, da etnia Guarani, aborda a questão no livro Descolonizando Afetos: Experimentações Sobre Outras Formas de Amar (Paidós). Começa dizendo da intromissão dos jesuítas na cultura nativa: “O esforço missionário direcionou-se ao processo de incutir, violentamente, a percepção de que determinados costumes e práticas deveriam ser alvo de remorso, culpa, vergonha e arrependimento. A listagem de condutas imorais era extensa”. Para reforçar o que diz, Núñez cita Ana Lúcia Sales de Lima e Sezinando Luiz Menezes: “Dos pecados mais condenáveis pelos padres, destacam-se a nudez, as relações de poligamia entre os membros das aldeias e a condução de suas vidas através dos ensinamentos do pajé (responsável tanto pelo conforto espiritual como por curas aos enfermos)”. Lima e Menezes são autores de Que Proveja Isto com Temor, Pois Nós Outros Não Podemos por Amor: A Ação Catequética do Padre Manuel da Nóbrega nos Trópicos Entre 1549-1559. No seu livro, Núñez define a monogamia e outros relacionamentos com suas devidas diferenças: Os prefixos de monogamia (mono-) e de poligamia (poli-) podem aludir, em um primeiro momento, a uma questão de quantidade, como se monogamia fosse pertinente a quem quer se relacionar com apenas uma pessoa e poligamia se referisse àquelas pessoas que desejam se relacionar com várias. Esse é um dos equívocos mais comuns, justamente porque nem “monogamia” é sobre um/único nem “não monogamia” corresponde necessariamente a vários. Na não monogamia, alguém que queira se relacionar com apenas uma pessoa tem o direito de fazê-lo, mas isso diz respeito apenas a si mesmo. Se a outra pessoa quiser também se relacionar com apenas um, sem problemas, mas, se sentir de outra forma, cabe apenas a ela essa escolha. Só quem pode dar consentimento nesse sentido é a própria pessoa, sobre si mesma. Grosso modo, a história registra que a presença dos jesuítas nas novas terras fez mais mal do que bem. Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora José de Alencar Giacomo Puccini Caramuru

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