Edição 1.464 - 5 a 11 de junho de 2024 O jornalismo de Economia foi sacudido nos últimos anos pela entrada vigorosa de múltiplas instituições financeiras na atividade, fenômeno que, de um lado, trouxe importante alento para o universo profissional e para a qualidade do jornalismo praticado, e, de outro, preocupações com os possíveis conflitos de interesse dessa até então incomum subordinação. Mas não só. O jornalismo de Economia também foi sacudido por alguns novos veículos liderados por jornalistas que anteviram potencial e relevância em atuar com produtos e força próprios, de forma independente e empreendedora. Por óbvio, esse acirramento na concorrência obrigou a que também os veículos tradicionais não ficassem parados e, ao contrário, se movimentassem e se inovassem para continuarem no protagonismo de uma das mais fortes áreas do jornalismo do País. Foi esse o cenário que levou J&Cia, neste especial do Dia da Imprensa, a ir a campo para entender e explicar melhor como as transformações em andamento estão impactando essa área especializada do jornalismo brasileiro e o mercado editorial e quais caminhos hoje se apresentam para os que estão à frente – e na retaguarda – dessa fascinante jornada. Não poderia haver escolha melhor para liderar um especial com tamanha responsabilidade do que Cida Damasco, colega que esteve presente por décadas na lida dessa cobertura especializada nos vários veículos em que atuou e nos mais diferentes cargos, entre eles o de primeira (e até agora única) editora-chefe do jornal O Estado de S. Paulo. Nem todos atenderam ao chamado dela para entrevistas, mas as fontes ouvidas − e foram várias − deram uma contribuição inestimável para a construção de uma matéria serena, objetiva e equilibrada, que engrandece não só este J&Cia, mas o próprio jornalismo brasileiro. Entre elas está um dos pioneiros e que mais contribuíram para a implantação e o desenvolvimento de um jornalismo de Economia de primeira grandeza no Brasil, Roberto Müller Filho, que liderou e tornou a saudosa Gazeta Mercantil em referência nacional e internacional nesse campo do jornalismo. Quis o destino que, poucos dias depois de conversar com Cida Damasco, e exatamente na véspera do lançamento deste especial, ele nos deixasse, para tristeza geral. Que seu legado siga inspirando o caminho das novas e velhas gerações. Nossos agradecimentos finais vão para as marcas que mais uma vez apoiam este especial, o que muito nos honra. Boa leitura! Eduardo Ribeiro e Wilson Baroncelli Especial Dia da Imprensa O presente e o futuro do jornalismo de Economia sob “nova direção” Para comemorar o Dia da Imprensa (1º/6), J&Cia foi a campo, num belo trabalho de Cida Damasco, para um voo panorâmico sobre os rumos que o jornalismo de Economia percorre ante a chegada de novos protagonistas ao mercado
São Paulo . Rio de Janeiro . Brasília
Edição 1.464 página 3 Especial Dia da Imprensa As editorias de Economia dos grandes jornais, leia-se Folha, Estadão e Globo, buscam ganhar fôlego para calibrar a cobertura de acordo com sua vocação e com as exigências do mercado. O Valor Econômico, do grupo Globo, caminha sozinho na trilha dos jornais especializados e abre novas frentes de atuação, como a Educação. A recém-lançada Veja Negócios, com versão impressa mensal mas forte pegada digital, procura resgatar o espaço que a Editora Abril abriu na cobertura de economia e negócios, com a venda da Exame para o BTG. IstoÉ Dinheiro e CartaCapital tentam se equilibrar entre as publicações impressas de origem, com periodicidade semanal, e a instantaneidade do digital. A Exame molda seu perfil à área financeira, sem deixar de lado a tradição de cobertura de negócios, e aposta firme na Educação. Agências dedicadas ao chamado tempo real, como a Agência Estado/Broadcast e a Bloomberg, reforçam a setorização da cobertura e o desenvolvimento de tecnologia para preservar seu diferencial. Na área mais dinâmica do mercado, publicações financeiras bancadas pelas próprias instituições financeiras, como Infomoney (XP), InvestNews (Nubank), Inteligência Financeira (Itaú), O Especialista (Safra), mergulham fundo na cobertura do setor e atiçam a concorrência. Sem contar as novas publicações voltadas para Negócios, criadas pelos próprios jornalistas, a exemplo de NeoFeed, Brazil Journal e Finsiders Brasil. E ainda um sem número de publicações hiperespecializadas nos temas mais quentes, entre eles a chamada economia verde. Alguns observadores mais críticos dirão que esse fracionamento do mercado é simplesmente Por Cida Damasco (*) As novas faces do jornalismo brasileiro de Economia Mais compartimentado, mais especializado, menos dependente das mídias tradicionais. Essas são, em linhas bem gerais, as faces do jornalismo de Economia do Brasil de hoje. Enquanto as mídias tradicionais se mobilizam para manter relevância, multiplicam-se as publicações especializadas, principalmente no setor financeiro. Temas mais particulares, que tempos atrás eram acompanhados por especialistas dentro dos grandes veículos, agora são o foco de novos títulos. No mundo digital, é claro. Há cada vez mais protagonistas disputando o interesse e a audiência do público. (*) Cida Damasco é ex-editora-chefe do Estadão e uma das mais respeitadas profissionais da imprensa brasileira, com passagens também por veículos como Exame, Gazeta Mercantil, Diário do Comércio & Indústria (DCI) e Zero Hora. Eleita algumas vezes entre os +Admirados Jornalistas Brasileiros, tanto na premiação nacional quanto na do segmento de Economia, Negócios Finanças, Cida é desde os anos 1970 testemunha privilegiada dos principais movimentos do jornalismo de Economia no País. Os contatos dela são [email protected] e Cida Damasco no Instagram, no Facebook e no Linkedin. O banco BV é especialista em crédito e líder no financiamento de veículos leves usados
VIVO. A EMPRESA MAIS SUSTENTÁVEL DO BRASIL. Às vezes, o que o tempo exige de nós é uma mudança. Não importa se uma partida está terminando, estamos jogando um campeonato muito maior. E a bola está do nosso lado. O que está em jogo é o futuro do planeta. Vivo figura como a empresa brasileira com a melhor pontuação no 2024 Sustainability Yearbook/Corporate Sustainability Assessment (CSA) da S&P com 87 pontos, bem como é a única empresa brasileira na Change the World List da Fortune e 1º lugar no ranking do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) no período de 2/1/24 a 5/5/24.
Edição 1.464 página 5 Especial Dia da Imprensa resultado do enfraquecimento das mídias tradicionais. Mas o fato é que ele indica, antes de tudo, uma mudança profunda no setor. E a essa e outras mudanças, que chegam cada vez mais rápido, os gestores e os jornalistas terão de se adaptar. É visível o reflexo dessa nova configuração no mercado de trabalho. Parte dos veículos da grande mídia vem reduzindo os postos de trabalho. Em contrapartida, as novas publicações, embora com times mais enxutos, atraem cada vez mais profissionais de qualidade, com salários mais altos e benefícios. Um movimento mais ou menos parecido com o que ocorreu com a ascensão das agências de comunicação. As mídias tradicionais buscam novos modelos de financiamento do negócio para enfrentar essa nova concorrência e exibem, como principal credencial, a credibilidade e a independência das suas coberturas. Até onde vai essa disputa? “A grande mídia ainda tem espaço para avançar”, diz Roberto Müller Filho, um dos responsáveis pelo prestigiado projeto da Gazeta Mercantil, sem dúvida um marco no desenvolvimento do jornalismo de Roberto Müller Filho Uma homenagem da Febraban aos profissionais que, faça chuva ou faça sol, usam toda sua inteligência para nos manter atualizados sobre o que acontece no mundo. Contar com profissionais que fazem uma imprensa independente é sempre uma ótima notícia
Edição 1.464 página 6 Especial Dia da Imprensa Economia do Brasil. Müller acredita que a demanda por informações mais aprofundadas e especializadas e a questão tecnológica vão exigir de novo, nos grandes veículos, investimentos em equipes cada vez mais competentes. Para o jornalista, não foi apenas a atrofia do jornalismo político, durante a ditadura, que ampliou o espaço do jornalismo de Economia. Mas foram o crescimento e a diversificação da economia que criaram uma demanda por mais e melhores informações. E a demanda, de novo, vai agir para fortalecer o jornalismo de Economia. Matías Molina, que levou adiante o projeto Gazeta Mercantil em dobradinha com Müller, também compartilha de um relativo otimismo sobre o futuro do jornalismo de Economia: “Ele vai crescer, seja lá em qual plataforma; tem muita gente boa chegando ao mercado”. Novos tempos Quando se avalia o cenário atual do jornalismo de Economia, a primeira pergunta que ocorre é direta, mas simplista: piorou ou melhorou? A resposta correta é outra. O jornalismo, inclusive o de Economia, mudou. E não poderia ser de outra forma, quando se considera o impacto da revolução digital sobre o setor. Estamos tomando como ponto de partida um longo período em que os veículos tinham uma periodicidade bem marcada − diária, semanal, quinzenal ou mensal, sem contar os anuários. E estamos falando agora de veículos que oferecem informações em cima da hora, mesmo aqueles que mantêm versões impressas, com periodicidade definida. Ana Estela, com longa carreira dentro da Folha de S.Paulo e hoje editora de Economia, resume a lógica do jornalismo digital: “Muda a quantidade de apuração e depuração das matérias. Publica-se rapidamente tudo. O que seria pauta virou notícia, ainda que com contexto”. A obsessão pela rapidez, porém, tem seu preço. Especialmente no jornalismo de Economia, em que um simples Matías Molina Ana Estela Comunicação que transforma A PepsiCo parabeniza todos(as) os(as) comunicadores e comunicadoras por sua incansável busca pela informação de qualidade em ações que transformam vidas. Especialmente, na recente cobertura das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul; com o foco em levar informação de qualidade voltada para auxiliar a população que se encontra em situação de vulnerabilidade. Por meio da divulgação de serviços e amplificação de campanhas emergenciais, em um momento crucial para milhares de pessoas, empresas, organizações e voluntários(as) puderam levar informação e suporte em uma mobilização nunca antes vista. Como uma companhia que está há mais de 70 anos presente com as famílias brasileiras, e guiada pela estratégia PepsiCo Positive (pep+) - que visa concretizar mudanças positivas de ponta a ponta – a PepsiCo está participando ativamente dessa ação por meio da doação de R$ 1,5 milhão, em parceria com seu braço filantrópico, a Fundação PepsiCo, em recursos financeiros, produtos e itens de necessidade básica, para organizações sociais que atuam na assistência às populações impactadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. A companhia reforça o seu agradecimento pelo comprometimento das instituições envolvidas, dos (as) voluntários (as) e de todos os profissionais de comunicação empenhados nessa jornada. Saiba mais o que estamos fazendo pelo Rio Grande do Sul: (NdaR: por infeliz coincidência, Müller não chegou a ver pronto este especial, pois faleceu em 4/6, quando ele estava em montagem. Detalhes na pág. 25)
Edição 1.464 página 7 Especial Dia da Imprensa post numa rede social pode abalar mercados e empresas. “As pessoas consomem a informação de forma instantânea, mas precisa haver o retorno da apuração”, afirma Raquel Balarin, diretora de redação do InvestNews. “Instantaneidade não quer dizer superficialidade. Com o crescimento e o aprimoramento das assessorias, muitas informações chegam ‘mastigadas’ às redações, mas o jornalista não pode se contentar só com isso, tem de ir além. Checar, rechecar, procurar o que está por trás da notícia. A pressa favorece o jornalismo de uma fonte só, o que acaba levando à superficialidade e ao viés da cobertura”. Ricardo Grinbaum, jornalista que integrou equipes de importantes veículos de comunicação, como a Veja e a Folha, e hoje é editor executivo de Economia do Estadão, também é taxativo a esse respeito: “A pressão pela rapidez não pode comprometer o rigor editorial. É mais importante não errar do que ser o primeiro a dar a notícia”. Mais preocupante ainda é o fato de que a busca da velocidade na publicação da notícia junta-se à busca de cliques a qualquer custo. Cada vez mais as equipes são treinadas para usar técnicas de SEO, que têm a função de garantir um bom posicionamento de páginas de um site no Google e outros buscadores. Mas a tentação de ir além é grande e a fronteira entre o “bem e o mal” nesse quesito também é tênue. Uma coisa é dar tração à notícia, no jargão do setor, outra é simplesmente enganar o leitor com um título que não corresponde à matéria. “Não dá para vender e não entregar a mercadoria”, compara Grinbaum. O leitor percebe, especialmente na área econômica, e acaba fugindo da publicação. “O caça-cliques desfigura as bases da informação, é um perigo”, afirma José Paulo Kupfer, colunista do UOL e do Poder360, que acompanha a evolução do jornalismo de Economia desde os anos 1970. A questão, no entanto, é como pôr esses princípios em prática, com redações cada vez mais enxutas, às vezes juniorizadas, e filtros de apuração nem sempre suficientes. E com metas de audiência cada vez mais rígidas. Por mais que tenham intenção de orientar as equipes, os editores vivem uma realidade de “fechamento ininterrupto”. Como arranjar tempo para aquela conversa direta, olho no olho, com os repórteres? O trabalho 100% à distância, durante a pandemia, também reduziu bastante esse contato, prejudicando a disseminação da cultura jornalística entre as novas gerações. A avaliação é de José Roberto Caetano, jornalista que trabalhou mais de 20 anos na revista Exame, passou pela instituição de ensino Insper Ricardo Grinbaum José Paulo Kupfer Nutrir a população com informação e conhecimento. Esse é o papel fundamental da imprensa na manutenção de uma sociedade democrática. O GPA parabeniza todos(as) os(as) profissionais de imprensa. Raquel Balarin
Edição 1.464 página 8 Especial Dia da Imprensa e retornou à Abril para editar Veja Negócios − uma exceção no segmento das mídias tradicionais, já que o lançamento de novos títulos se concentra hoje em publicações mais especializadas. Para Caetano, o jornalismo de Economia padece dos problemas do jornalismo em geral. A questão central é que a mídia perdeu o monopólio de intermediária da informação. Principalmente com a explosão das redes sociais, multiplicaram-se os emissores de informação. Qualquer pessoa que se veja como testemunha de um fato se acha em condições de postar uma “notícia”. E, se isso amplia o universo de informações, também provoca muitas distorções, como a propagação de fake news. Quem nunca ouviu a frase “a notícia é confiável, foi minha amiga que enviou”? O aval do grupo José Roberto Caetano
Edição 1.464 página 9 Especial Dia da Imprensa de amigos à notícia acaba tendo mais valor do que o aval da própria mídia. “O jornalismo de Economia ainda não encontrou uma maneira de se reafirmar como fonte confiável”, avalia Caetano. A concorrência com esse exército de “novos emissores de informação” exige um preparo ainda maior dos profissionais. O colunista Luís Nassif, um dos pioneiros da cobertura de serviços e hoje à frente do Jornal GGN, portal de grande engajamento, vê outro problema no jornalismo dos novos tempos. Para ele, um avanço mais rápido e mais difundido do jornalismo de dados teria contribuído para a grande mídia enfrentar melhor a ruptura que a lógica digital causou no seu modelo de negócios. A avaliação geral era de que os jornais acabariam se transformando em revistas, para se diferenciarem da cobertura digital. O uso intensivo de dados seria um facilitador dessa transição, ao permitir que informações do dia anterior fossem ampliadas, depuradas, contextualizadas e aprimoradas, para a publicação no dia seguinte. “O jornalista seria uma espécie de auditor dos dados”, diz ele. Mas essa virada não ocorreu. Os jornais do dia seguinte não se transformaram em revistas e Luís Nassif
Edição 1.464 página 10 Especial Dia da Imprensa ainda se debatem entre o reempacotamento do noticiário da véspera e a “fuga” para um assunto fora da pauta. Opção que nem sempre é bem recebida pelo leitor. Pioneiros A história do jornalismo de Economia no Brasil confunde-se com a própria história da imprensa. Matías Molina, um estudioso da imprensa, lembra que os jornais surgiram no Brasil com foco exatamente na Economia. A cobertura política era limitada, refletia apenas interesses imediatos, passava longe de questões de longo prazo. O pioneiro foi o Jornal do Commercio, de 1827, que chegou a contar, na sua equipe de colunistas, com D. Pedro II, Rui Barbosa e Lima Barreto, entre outros. Em 1959, o jornal passou a integrar o portifólio dos Diários Associados, do então poderoso Assis Chateaubriand, e encerrou suas atividades em 2016, tanto no impresso como na internet. Durante essa longa trajetória, passou por muitas instabilidades, mas nunca perdeu o “espírito” da Economia. Foi na ditadura que o jornalismo de Economia se ampliou e ganhou força total. As limitações da cobertura política e o endeusamento do “milagre econômico” produziram uma supervalorização desse setor na grande imprensa. O colunista Celso Ming, do Estadão, reconhece que a combinação dos dois fatores foi crucial para o avanço da cobertura de Economia nos anos 1960/70, mas atribui um peso menor às restrições à cobertura política. Para ele, foi principalmente o comportamento da Economia que impôs essa evolução. Ming é um dos observadores privilegiados da trajetória do jornalismo de Economia no Brasil, com passagens por Folha, Exame e Jornal da Tarde, onde comandou a coluna Seu Dinheiro, criada em 1981 e que foi um divisor de águas na cobertura de serviços. Nos anos 1960, as seções de Economia, bastante restritas, funcionavam como porta-vozes dos recados de empresários e associações setoriais, as chamadas classes produtoras, acompanhavam um mercado financeiro incipiente, que se limitava ao crédito oficial. O “milagre brasileiro” tornou a Economia mais diversificada, trouxe as reformas bancária e tributária, a explosão das bolsas de valores e as novas aplicações financeiras. As classes médias e não mais as classes empresariais passaram a ser o alvo da cobertura. Em seguida a esse ciclo de crescimento, veio o longo ciclo da Celso Ming
Edição 1.464 página 11 Especial Dia da Imprensa inflação, na época chamada de “carestia” pela população, que impôs uma cobertura voltada para “como se proteger da escalada dos preços”. Em tudo: nas compras, na negociação dos aluguéis, nas aplicações financeiras. O overnight caiu na boca do povo. O cidadão comum tornou-se um especialista em planos econômicos. Nesse cenário, o jornalismo de serviços viveu dias de glória. A inflação ditou os rumos da Economia − e do jornalismo de Economia − até 1994, com o lançamento do Plano Real. De lá para cá, a Economia se estabilizou, o mercado financeiro encorpou, as empresas dos grandes empreendedores cederam lugar às empresas “sem dono”, lideradas por grandes fundos de investimento, os lobbies passaram a se dividir entre os gabinetes do Executivo e os corredores do Congresso, a política aumentou o poder de fogo na Economia. Seguindo esse roteiro, o jornalismo de Economia também atravessou várias fases, passou por mudanças com menor ou maior velocidade, mas nunca perdeu a importância. Muitos produtos desapareceram, outros permanecem, mesmo repaginados, e outros estão surgindo. Pelo menos três deles ajudam a contar a história do jornalismo de Economia no Brasil − principalmente a evolução da tendência de especialização da cobertura, que se firmou ao longo do tempo e hoje se manifesta no lançamento de novos títulos. A Gazeta Mercantil, criada em 1920 como um boletim diário dos mercados, é vista como um símbolo desse tipo de cobertura. Equipes extensas e altamente especializadas acompanhavam setor por setor, principalmente na indústria, e em todas as regiões do País. Durante quase toda a sua história, a Gazeta Mercantil pertenceu à família de Herbert Levy. Matías Molina lembra que inicialmente a família não dava prioridade à Gazeta Mercantil, pois tinha outros dois jornais, mas depois resolveu fazer o “Financial Times do Brasil”. Deu no que deu: a Gazeta acabou virando o superjornal. Até o jornal impresso sair de circulação, em 2009, enfrentou sucessivas crises e, em consequência, recorreu a sucessivas tentativas de formação de parcerias para não afundar. Mesmo com esse histórico de turbulências financeiras, a Gazeta mantinha a liderança da cobertura de Economia, com grande influência no empresariado. A revista Exame, que chegou ao mercado em 1967 como um encarte das revistas técnicas da editora Abril, foi decisiva para valorizar o jornalismo de Negócios no Brasil. E contribuiu para derrubar os preconceitos que cercavam as matérias de Negócios, confundidas até com “matérias pagas”. Em 1971, o encarte transformou-se numa revista mensal independente e cinco anos depois, em quinzenal. O plano era chegar a uma revista semanal, mas nunca foi concretizado. Guilherme Velloso, que chegou a Exame depois da virada para mensal e dirigiu a publicação por mais de dez anos, conta que Roberto Civita sempre quis fazer no Guilherme Velloso
Edição 1.464 página 12 Especial Dia da Imprensa Brasil uma versão inspirada na Business Week. A transformação de mensal para quinzenal levou à introdução de assuntos mais quentes nas edições. “Mas a praia da Exame era a microeconomia, incluindo assuntos como Administração e Recursos Humanos, que ninguém explorava”, lembra Velloso. A revista deu vários filhotes, a exemplo dos anuários Melhores e Maiores e Brasil em Exame. Dentro do plano de recuperação judicial do grupo Abril, em 2019, a Exame foi vendida para o grupo Valongo, administrado pelo BTG Pactual. A criação do caderno de Economia do Estadão, em 1989, foi outro passo importante para fortalecer a tendência de cobertura vertical dentro dos grandes jornais. O Estadão sempre teve um olhar mais atento para o setor, em relação aos concorrentes, mas isso ficou mais visível para o público com o Caderno. Antes, a editoria de Economia era publicada na sequência da seção de turfe. O caderno chegou a ter 40 profissionais e 24 páginas diárias, divididas entre a cobertura de política econômica, negócios e serviços financeiros. Era quase uma revista diária e atendia a uma ambição do grupo Estado de ter sua própria “Gazeta Mercantil”. “O briefing que eu recebi para tocar em frente o projeto era exatamente um produto para competir com a Gazeta Mercantil”, lembra José Paulo Kupfer, à época líder da equipe que desenvolveu o projeto do Caderno. Claro que as mudanças no perfil da própria Economia, o encolhimento do jornal impresso e a lógica do jornal digital não permitem, hoje em dia, a aplicação estrita do modelo original. Mas pode-se dizer que o espírito do jornalismo de Economia setorizado permanece vivo dentro do Estadão, com o suporte fundamental da cobertura da Agência Estado/Broadcast. Ofensiva financeira A grande disputa no jornalismo de Economia, no momento, se dá entre os veículos tradicionais, geralmente bancados por famílias que dominam o setor, e as novas publicações, bancadas por grandes instituições financeiras. Tudo isso dentro de um quadro que impõe vários desafios aos donos do negócio. Em poucas palavras, diminuiu drasticamente o número de anunciantes que sempre sustentaram os veículos impressos. E a transferência dessa “função” para os assinantes não tem sido tão bem sucedida aqui no Brasil, como tem sido nos Estados Unidos e na Europa. O caso exemplar, sonho de consumo de todas as empresas do setor, é o do New York Times, que já cruzou a marca de 10 milhões de assinantes e obteve uma receita anual superior a US$ 1 bilhão só com os assinantes
Edição 1.464 página 13 Especial Dia da Imprensa do digital. Mas, por suas peculiaridades, especialmente o alcance e o prestígio da publicação, o modelo do NYT não dá para ser reproduzido. Aqui, disseminou-se a cultura de que “na internet é de graça”, o que limita a transição para assinaturas. A publicidade na internet, por sua vez, também não tem a mesma dimensão que tinha no impresso e escapa para outros canais, como o Google. A evolução dos dados sobre circulação dos principais jornais do País dá a medida desse desafio. De acordo com o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), no ano passado a circulação do impresso de 12 grandes jornais ficou em 324 mil exemplares, uma queda de 16,5% sobre o ano anterior. No digital, houve um salto de 50%, para 1 milhão e 665 mil assinaturas. Mas o grande impulso foi o início da contabilização das assinaturas promocionais, com valor mínimo de R$ 1,90 por mês. Daí as dificuldades enfrentadas por muitos veículos tradicionais para financiar sua atualização no mundo digital e contratar profissionais mais experientes. O que, em última instância, representa sua sobrevivência. É mais ou menos um círculo vicioso. Faltam recursos para aprofundar a cobertura, para atualizar a tecnologia, para recrutar especialistas, e se isso não ocorrer, a publicação não conseguirá atrair mais assinantes. “Você só paga por uma informação se tem confiança no autor e vê nisso um diferencial”, diz Guilherme Velloso. Por sua vez, as novas publicações, braços editoriais de instituições financeiras, mostram fôlego para operar nesse universo, onde a tecnologia de hoje vira a tecnologia de ontem com extrema velocidade e profissionais especializados fazem a diferença. Sem contar a capacidade de disseminação das informações, geralmente maior do que a da mídia tradicional. Em contrapartida, seus gestores têm de se desdobrar para mostrar que as informações transmitidas ao mercado têm credibilidade. Não são, em última instância, “informes publicitários” das instituições que representam. Para não comprometer a confiança no conjunto das informações, o conteúdo patrocinado tem de ficar ainda mais explícito para o leitor. Ricardo Grinbaum, do Estadão, reconhece a importância dos novos competidores, mas ressalta o diferencial do noticiário oferecido pelas mídias tradicionais: qualidade e credibilidade. E acrescenta que não basta garantir esses atributos, mas é preciso que eles sejam identificados pelo público. Para Marcio Rodrigues, editor-chefe da Agência Estado, é muito importante diferenciar uma empresa dedicada ao setor de mídia, como Marcio Rodrigues
Edição 1.464 página 14 Especial Dia da Imprensa o Grupo Estado, das casas ligadas ao setor financeiro. “Isso garante uma certa isonomia e independência da cobertura”, diz ele. “Não se trata de uma crítica a essas casas, mas elas têm um interesse por trás, um viés”, afirma. E isso se torna ainda mais preocupante nesses tempos de redes sociais, em que se publica uma matéria, e embaixo uma recomendação. Para ele, a mídia pode e deve exercer um papel de orientação, mas não dessa forma: o ideal é que haja uma análise da notícia sob os mais variados aspectos, e que o próprio leitor decida o que é bom e o que é ruim. Marcio Rodrigues acredita que o público mais especializado reconhece que a mídia tradicional não correria um “risco reputacional” com a divulgação de informações enviesadas. “Esses veículos são legítimos, mas são comprometidos, e isso nem sempre fica claro para o leitor”, comenta José Roberto Caetano, da Veja Negócios. “Nós não estamos a serviço de ninguém”. Para José Paulo Kupfer, a ofensiva das instituições financeiras na mídia é um caso típico de “juntar a fome com a vontade de comer”. Ou seja, os clientes manifestaram a necessidade de obter informações mais ampliadas e mais aprofundadas. E as empresas do setor financeiro descobriram o valor da credibilidade da imprensa. A estratégia escolhida para unir os dois pontos foi a criação de publicações específicas com caráter
Edição 1.464 página 15 Especial Dia da Imprensa jornalístico. Isso, obviamente, tem vantagens e desvantagens. Há mais informações em circulação, mais empregos para jornalistas. Mas há um evidente conflito de interesses. “Não dá para imaginar, por exemplo, que a cobertura de uma quebra de corretora será feita da mesma forma que na mídia tradicional”, compara. Alguns gestores de publicações especializadas preferem fugir desse confronto e evitam fazer uma defesa pública do seu negócio e da confiabilidade das informações veiculadas. Aliás, simplesmente evitam falar sobre o assunto, o que acaba alimentando a polêmica. Outros, porém, recorrem a argumentos diretos para rebater as críticas a uma cobertura comprometida com os interesses dos donos das empresas financeiras. Para eles, em síntese, dá para fazer bom jornalismo de Economia nos dois tipos de publicação. Tanto faz se o dono é um banco, uma big tech ou uma família. O que importa é a governança da empresa. Governança que deve aparecer até na separação física entre o time de jornalistas e o time da área financeira. Além disso, segundo o mesmo raciocínio, em termos de risco de interferência nas informações, qual a grande diferença entre os donos das atuais publicações especializadas e os grandes anunciantes das publicações tradicionais, que, em muitos casos, também eram instituições financeiras? A XCOM agora é empresa B para fazer a diferença A XCOM entrou para um seleto grupo de empresas comprometidas com transparência, diversidade e sustentabilidade. Saiba mais em: xcom.net.br/sistema-b/
Edição 1.464 página 16 Especial Dia da Imprensa José Eduardo Costa, editor-chefe da Inteligência Financeira, vê uma razão básica para que parte das instituições financeiras escolha ter seus próprios veículos e falar direto com seus clientes: a formação de mercado. A educação financeira, presente nessas publicações, ajuda a transformar o correntista num investidor − e à medida que esse movimento cresce, cresce também a necessidade de informações mais aprofundadas, mais especializadas. O que está mais no foco das publicações financeiras. Ele aponta uma outra diferença importante na qualidade das informações dos sites financeiros, em comparação com as oferecidas pelas mídias tradicionais: o melhor uso de dados, que permite um tratamento mais rápido, mais adequado e mais detalhado para a suíte da notícia bruta. Mesmo assim, Costa ainda vê um distanciamento entre as informações oferecidas pelos dois tipos de publicações e as “conversas” em tempo real que ocorrem no meio digital, com economistas, analistas, entre outros. “O fazer jornalístico é o mesmo nos dois casos e está atrasado em relação a essas conversas”, diz ele. “Enquanto estamos publicando a repercussão da notícia, nesses contatos diretos o leitor já está obtendo respostas A Uber lançou no começo de 2024 o Uber Cast, um videocast, inédito no Brasil, que, além de debater as iniciativas de Diversidade, Equidade e Inclusão da empresa na construção de uma plataforma mais segura para todos, contou com a participação de especialistas para enriquecer o debate e mostrar suas visões sobre os temas abordados – Segurança, Violência Contra a Mulher, Racismo, LGBTQIAP+fobia, Capacitismo e Acessibilidade. As conversas foram ancoradas pela jornalista Letícia Vidica, que tem mais de 18 anos de experiência e passagens por TV Globo e CNN. O programa foi dividido em cinco episódios, com duração entre 50 minutos e 1 hora, e contou também com a participação de executivos da empresa e pontos de vista de motoristas parceiros e de usuários da plataforma. Videocast mostra as ações de Diversidade, Equidade e Inclusão da Uber e reúne especialistas para debater os temas Segundo Silvia Penna, diretora-geral da Uber no Brasil, a iniciativa tem o objetivo de colaborar para a construção de uma plataforma cada vez mais segura e inclusiva: “Não basta olharmos a tecnologia apenas como facilitadora das nossas vidas. É preciso ir além e encontrar soluções que promovam a segurança e o respeito entre as pessoas que utilizam nossa plataforma todos os dias. São questões atuais da sociedade e que se refletem também em nosso app”. Participações especiais Os participantes do programa são especialistas reconhecidos nas respectivas áreas de atuação: Samira Bueno, socióloga e diretoraexecutiva do Fórum Brasileiro De Segurança Pública; Isabela del Monde, advogada e coordenadora da parceria Uber e Me Too Brasil; Benilda Brito, CEO da Múcua Consultoria e consultora de ONU Mulheres e Pacto Global; Pri Bertucci, produtor executivo da Marcha do Orgulho Trans de São Paulo e CEO da Diversity BBOX; Maria Clara Araújo, pesquisadora especialista em Estudos Afro-LatinoAmericanos e Caribenhos; Katya Hemelrijk, CEO na consultoria Talento Incluir; e Thiago Pereira, gerente-geral do Instituto Adimax, programa social para cães-guia e cães de assistência. É possível conferir os episódios no Canal do YouTube da Uber e em Spotify, CastBox, Amazon Music, Deezer, Google podcasts e Apple podcast. Branded content José Eduardo Costa
Edição 1.464 página 17 Especial Dia da Imprensa mais específicas para as suas dúvidas”. Lucas Amorim, diretor de Redação da Exame, também minimiza as diferenças entre as mídias tradicionais e as publicações de instituições financeiras. Exame tem quase 60 anos de existência e hoje faz parte do grupo do BTG. “Não é preciso levantar a bandeira de que somos independentes”, diz ele. “Nossa melhor resposta a esses questionamentos é no dia a dia, no produto final”. Amorim lembra ainda que não é apenas a mídia que valoriza a chamada separação Igreja-Estado, que garante uma fronteira entre os dois lados. “Nos bancos também há essa separação”, esclarece. Eles têm equipes que emitem papéis de uma empresa e outras que podem recomendar a venda dos mesmos papéis. Aí a resposta também é no dia a dia. Visão única Como não poderia deixar de ser, a avaliação do jornalismo de Economia que se faz hoje não é uma unanimidade. Há críticas ao domínio do chamado “pensamento único”, escorado principalmente numa visão financeira da economia. Uns veículos mais, outros menos, estariam pautando a cobertura do setor por um viés financeiro. O predomínio dessa visão começa com a escolha das fontes. Seja na mídia tradicional ou não, as fontes ouvidas são sempre as mesmas e quase sempre do setor financeiro. Dificilmente surge algum novo economista que ganhe peso no debate. As análises da política econômica quase sempre obedecem à lógica financeira. Até as histórias de Negócios privilegiam mais o arranjo financeiro do que outros aspectos, como por exemplo as conversas de bastidores e o impacto social de uma grande fusão ou aquisição. Com o enxugamento das equipes das mídias tradicionais, vários setores ficaram a descoberto, menos o financeiro, que tem uma cobertura “extravagante”, afirma Luís Nassif, do Jornal GGN. A crise da indústria, por exemplo, está praticamente fora do foco das publicações. Valores como geração de empregos, bem-estar social e redução das desigualdades quase não aparecem. Mais preocupante, segundo Nassif, é que mesmo o debate financeiro das mídias tradicionais não consegue refletir a complexidade do mercado. “Informação por informação, tem mais e melhor nas próprias publicações das instituições financeiras”, provoca. Lá atrás, com a hiperinflação correndo solta, o leitor/consumidor queria saber, antes de mais nada, como evitar o sumiço do salário logo depois do pagamento. Corredores de supermercados lotados de carrinhos de compra eram a imagem típica dos anos 1980/90. Antecipar as despesas para fugir da remarcação de preços era o “investimento” mais seguro. Em tempos de estabilidade − e lá se vão 30 anos do Plano Real −, mercado financeiro mais diversificado e até sofisticado, aquele consumidor, antes “especialista” em se proteger da inflação, tornou-se um investidor, agora “especialista” em fazer seu dinheiro render ao máximo com as alternativas de aplicação existentes no mercado. Só para se ter uma ideia, já são mais de cinco milhões de CPFs de investidores em renda variável registrados na bolsa de valores, em comparação com um milhão e 400 mil em 2019, mais de 200 milhões de transações diárias via PIX e uma moeda digital em vias de chegar ao mercado. “O Brasil tem hoje um mercado financeiro maduro, em que bancos, corretoras, gestoras de recursos e mesmo reguladoras funcionam”, avalia José Eduardo Costa, da Lucas Amorim
Edição 1.464 página 18 Especial Dia da Imprensa Inteligência Financeira. Nada mais natural, portanto, que o jornalismo de Economia espelhe essas transformações. O que se discute é se isso não está passando do ponto. Eleno Mendonça, superintendente executivo de Comunicação do banco Safra, e com uma vasta experiência nos grandes jornais, também faz reparos à qualidade do debate econômico hoje. “Já foi bem mais vivo”, diz ele. “Você podia conviver e dialogar com um timaço de economistas, como Delfim Netto, Mario Henrique Simonsen, João Paulo dos Reis Velloso, era um aprendizado”. Nesse sentido, a própria crise econômica acabava fomentando o debate. A instabilidade produzida pela inflação galopante e a sucessão de planos econômicos provocavam grandes discussões, que dominavam as páginas de jornais e revistas. Hoje, a economia parece resumir-se à questão financeira, mais especificamente aos investimentos. Exatamente o ponto de interesse mais imediato dos leitores. Para Mendonça, “a cobertura ficou mais superficial e mais imediatista, olha pouco para o futuro”. Embora o diploma de jornalista não seja obrigatório, ele acredita que as faculdades poderiam ajudar a arejar o debate e, com isso, melhorar o preparo dos profissionais. “No Brasil, o debate econômico é mais viciado do que em outros países”, critica Sergio Lirio, redator-chefe da CartaCapital, que hoje comanda a revista direto de Lisboa. Segundo Lirio, na Europa, por exemplo, há mais diversidade nas discussões. “No Brasil, há coisas que viraram dogmas”. Para ele, o Brasil tem ojeriza a discutir a função do Estado e o ajuste ultraliberal é visto como a única saída. “O jornalismo de Economia está enredado nisso”. Lirio vê o jornalismo de Economia como cão de guarda com o setor público e leniente com o setor privado. José Paulo Kupfer é um tradicional crítico da “prateleira de fontes” às quais a imprensa recorre. Não só porque essas fontes chancelam o pensamento dominante na Economia, mas também porque elas são mais acessíveis e facilitam o trabalho do jornalista, cada vez mais pressionado pelo processo de produção. Mas Kupfer vê uma luz no fim do túnel. Para ele, as redes sociais estão tornando essa tendência menos radical, trazendo ao público novas fontes, com novas ideias. José Eduardo Costa, da Inteligência Financeira, também destaca que as redes sociais vêm aumentando o número de vozes que se fazem ouvir no jornalismo de Economia. Bancos, entidades, empresas, empresários e economistas criam e ampliam seus próprios canais de comunicação. Um bom caminho para ampliar a diversidade. Além disso, para ele, o que merece crítica é menos a “financeirização” e mais a “produtização” da cobertura. Aquela cobertura de produtos específicos, que leva o leitor a perguntar: qual o interesse dessa notícia para o público em geral? Mas aos poucos estamos caminhando para o equilíbrio, diz Costa. Até porque na pandemia e na pós-pandemia os portifólios de aplicações foram desmontados, com a simples eliminação de muitos produtos. Sergio Lirio Eleno Mendonça
Edição 1.464 página 19 Especial Dia da Imprensa Fronteira da IA Fascinante, assustador, inevitável. Os três adjetivos aplicam-se perfeitamente ao avanço da inteligência artificial (IA), em particular no jornalismo. Tanto as mídias tradicionais como as mais especializadas preparam-se, no momento, para sair de uma fase de conhecimento e experimentação e partir para uma etapa de aplicação mais intensiva das novas ferramentas. A Folha, por exemplo, está criando uma editoria específica para acelerar o uso da inteligência artificial nos processos internos e nos processos voltados diretamente para os leitores. A revista Exame já tem um diretor de IA, que se divide entre as áreas de Jornalismo e Educação, e um editor dedicado à cobertura de IA. A Exame opera com três grandes braços, Jornalismo, Educação e Branded Content − aqui o conteúdo é produzido em nome de uma marca, atendendo aos seus interesses específicos, e nem sempre fala diretamente sobre um produto ou serviço oferecido pela empresa. Mesmo que não mantenham cargos formais para essa função, outras publicações, como o Estadão, também buscam explorar as possibilidades abertas com a entrada em cena da IA. “A mudança está vindo muito mais rápido do que se imaginava”, diz Ana Estela, da Folha. “Até pouco tempo atrás era curiosidade, experimentação, hoje já é de massa”. Ela destaca que é preciso olhar com muito cuidado tudo o que é feito pela inteligência artificial: “A gente vive de credibilidade e não vai abrir mão disso, não vai baixar a guarda”. Há um consenso de que, pelo menos de saída, as novas ferramentas serão utilizadas para substituir um trabalho quase braçal de compilar dados e buscar informações primárias repetitivas. Com isso, os jornalistas ficam liberados para um trabalho mais aprofundado, mais diferenciado. “O que pode ser automatizado, será automatizado”, diz Marcio Rodrigues, da Agência Estado, com a experiência de quem enfrenta dia a dia o desafio de ganhar segundos na divulgação de um conteúdo. Ele lembra, a esse respeito, que a diferença entre o tempo real − o negócio da Broadcast − para o online já é mínimo e, com a IA, tende a chegar perto de zero, o que acirra a competição. Mas insiste: “Um trabalho de qualidade e com credibilidade continuará exigindo o critério e a supervisão de um jornalista.” Não faltam exemplos do que pode ser feito e facilitado com a IA. Um deles está ligado à cobertura das decisões do Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom. A cada 45 dias o Copom se reúne para definir a taxa básica de juros; na prática, o piso dos juros do mercado. No final do encontro, é divulgado um comunicado com as justificativas da decisão. É o momento em que os jornalistas da área correm atrás de analistas para buscar o que há de especial naquele documento, capaz de ditar o comportamento do mercado − às vezes uma única palavra introduzida ou retirada do texto. Uma ferramenta de IA dispensaria esse serviço, e permitiria ao jornalista concentrar-se em informações complementares mais importantes. Da mesma forma, a temporada de balanços das empresas, que exige uma cobertura exaustiva das equipes especializadas, certamente será facilitada com essa inovação. Por que, então, se olha para a inteligência artificial com tanta desconfiança? Antes de mais nada, há um temor de que a IA venha para reduzir postos de trabalho, já tão escassos, principalmente nas mídias tradicionais. Além disso, envolve dois tipos de risco, especialmente se não houver uma supervisão adequada: perpetuar erros e simplesmente reproduzir, com diferenças mínimas, material já publicado; quase um plágio, diriam os mais críticos. Marcio Rodrigues vê duas alternativas para resolver o conflito entre fornecedores de conteúdo e plataformas de inteligência artificial: acordos para licenciamento de conteúdos ou, no extremo, a
Edição 1.464 página 20 Especial Dia da Imprensa exigência de pagamento pura e simples, via justiça. Alternativas, por sinal, que já estão no centro da disputa entre as big techs e os fornecedores de conteúdo na internet. “Os jornalistas deveriam parar de resistir e abraçar a inteligência artificial para torná-la uma aliada”, afirma Raquel Balarin, do Investnews. “Há muitas maneiras de usar a IA e fazer a diferença”. José Roberto Caetano, da Veja Negócios, também vê a IA a serviço do jornalista e não no lugar do jornalista. O que pode e deve acontecer não é um simples corte, mas uma mudança no perfil da mão de obra. A prioridade absoluta é para jornalistas com maior capacidade de interpretar dados, usar esses dados para identificar uma nova tendência e gerar uma nova pauta. E para jornalistas com maior capacidade crítica. Além disso, a própria tecnologia deve gerar uma quantidade maior de informações, que terão de ser trabalhadas pelos jornalistas. “É muito importante que essa transição não venha acompanhada por uma redução das cabeças pensantes da redação”, reforça Ana Estela. “O potencial humano tem de ser liberado pela inteligência artificial e não dispensado”. Novas pautas Os desafios que estão à frente do jornalismo e dos jornalistas de Economia hoje − e que tendem a crescer, num futuro próximo − não se esgotam no avanço da tecnologia e na sustentação financeira das empresas. Há uma necessidade de atualização das pautas, com novas abordagens de temas já conhecidos e principalmente com a inclusão de novos temas. Um caso exemplar é o do mundo do trabalho. Não faz mais sentido uma cobertura sob o ângulo preferencial do movimento sindical − embora isso não signifique abandonar a discussão do sindicalismo, que vai das fontes de financiamento das entidades às estratégias para reconquistar associados. É preciso esquadrinhar a chamada uberização dos serviços, expressa na proliferação dos aplicativos de transporte e de entrega de refeições, que põem o consumidor em contato com o fornecedor de serviços e mercadorias. Que a chamada uberização veio para ficar, não há nenhuma dúvida. Muitos trabalhadores aderem a esse modelo não só por necessidade, mas também por preferência. Seja porque veem melhores oportunidades de administrar as jornadas de trabalho, seja porque têm expectativa, nem sempre atendida, de melhor remuneração. Isso explica, inclusive, as manifestações contrárias de motoristas de aplicativos à tentativa do governo de negociar alguma forma de regulamentação dessa atividade. A cobertura dessas novas tendências tem de contemplar o entendimento dessa nova visão das relações trabalhistas, além de discutir alternativas para corrigir distorções que levam à eliminação de qualquer direito dos prestadores de serviço. Da mesma maneira, o empreendedorismo exige uma cobertura renovada. Trata-se daquela área que, até pouco tempo atrás, era batizada como “pequenas e médias empresas”. Cada vez mais trabalhadores transformam-se em empreendedores, não só porque perderam empregos com carteira assinada, mas também porque têm a aspiração de terem o seu próprio negócio, comenta Ricardo Grinbaum, do Estadão. Não é possível identificar com clareza, nas estatísticas oficiais sobre a evolução do trabalho por conta própria, quem simplesmente vive de “bico”, por falta de outras opções, e quem de fato é um microempreendedor. Só para dar uma ideia, no ano passado foram abertas 859 mil micro e pequenas empresas, um crescimento de 6,6% sobre o ano anterior, segundo levantamento do Sebrae. A abertura de negócios de microempreendedores individuais superou 2 milhões e 900 mil,
Edição 1.464 página 21 Especial Dia da Imprensa praticamente repetindo o resultado do ano anterior. No total, quase 3 milhões e 800 mil novos pequenos empreendimentos num único ano. Outra pesquisa mostra que ter o próprio negócio é o terceiro maior desejo dos brasileiros, superado apenas por viajar pelo Brasil e comprar a casa. A cobertura desse universo, tanto na grande mídia como nos veículos especializados, tem crescido bastante e produzido recordes de audiência. O desafio é contar boas histórias, sem alimentar a fantasia de que empreender, por si só, permite acumular uma fortuna em pouco tempo. Lucas Amorim, da Exame, explica que a revista vai atrás de histórias de empreendedores com potencial de ganhar escala. “Quem já conseguiu alguma tração, pode inspirar outras pessoas”, diz ele. Para Amorim, o déficit de cobertura das mídias regionais abre espaço para se explorar o empreendedorismo Brasil adentro. Apesar do discurso generalizado de prioridade à sustentabilidade, à chamada economia verde, à transição energética, também permanece uma certa distância entre o que está acontecendo nesse campo, na vida real, e o que aparece nas grandes publicações. A transição energética vai mexer com negócios de inúmeros setores, e esse movimento terá de ser acompanhado pelo jornalismo de Economia. As práticas de governança ambiental e corporativa nas empresas, expressas no selo ESG, também terão de ser mais e mais esmiuçadas. Há uma expectativa de que o desastre climático do Rio Grande do Sul dê um impulso extra à cobertura do tema, que vinha ganhando mais visibilidade durante os grandes eventos internacionais. “Os jornais não estão acompanhando bem as mudanças na Economia”, insiste Celso Ming, colunista do Estadão. Ele cita ainda a cobertura insuficiente de política industrial, de serviços ligados ao envelhecimento da população, entre outros temas. A grande mídia cobre o poder, o Planalto, e muitas vezes as iniciativas práticas estão longe do poder. Na mídia tradicional, as equipes encolheram, sacrificando muitas vezes justamente os especialistas. É aí que as publicações setorizadas ganham espaço. Mas há um esforço inegável dos grandes veículos para superar essas barreiras e cumprir as novas pautas da economia. A Folha de S.Paulo anunciou recentemente a criação do posto de correspondente climático, com sede em Madri. Maria Fernanda Delmas, diretora de Redação do Valor, destaca a criação de seções especiais para acompanhar a evolução das práticas ESG, o ensino profissionalizante e a discussão sobre a mudança no Código Civil, além do reforço na cobertura da transição energética. Novos formatos A ampliação dos interesses do público, a necessidade de especialização e a diversificação da concorrência estão mexendo não apenas com o conteúdo das mídias tradicionais como com os modelos de organização das redações e do próprio negócio. Tanto nas empresas que integram grandes grupos de mídia como nas que têm voo solo e/ou estão ligadas a empresas fora da mídia. O Valor Econômico é hoje um hub de cobertura econômica, na definição de Maria Fernanda Delmas. Centraliza as informações dos filhotes do próprio jornal, como Valor Investe, o serviço de tempo real Valor Pro e a newsletter Pipeline. E engloba também informações econômicas de outras publicações do Grupo Globo − que vão do Maria Fernanda Delmas
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