Edição 1.455 página 28 n Teve início em 8/4 o julgamento de 27 pessoas envolvidas no escândalo Panama Papers, investigação jornalística de 2016 publicada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que denunciou um grande esquema de evasão fiscal e lavagem de dinheiro envolvendo personalidades do mundo inteiro através do extinto escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca. u O julgamento ocorre oito anos após a investigação do ICIJ, que envolveu 376 jornalistas de 76 países. O Panama Papers vazou em 2016 cerca de 2,6 TB de informações confidenciais sobre mais de 210 mil paraísos fiscais offshore, de autoria do escritório Mossack Fonseca. O caso revelou que chefes de Estado e de Governo, líderes políticos, personalidades das finanças, do esporte e das artes ocultaram propriedades, empresas, bens e lucros através da criação de empresas de fachada e contas bancárias em outros países onde poderiam esconder o dinheiro. u Entre os réus estão os fundadores do escritório, Jürgen Mossack e Ramón Fonseca Mora, acusados de lavagem de dinheiro, além de outros advogados e ex-funcionários do extinto escritório. As audiências continuarão até 26 de abril. O julgamento estava marcado para 2021, mas foi adiado. conitnuação - Nacionais Julgamento de envolvidos no Panama Papers começa oito anos após o escândalo ICIJ Por Ignácio de Loyola Brandão (*) 31 de março de 1964. Ao chegar ao jornal Última Hora, dei com a porta de ferro baixada. Pequena abertura me deixou entrar. Duas da tarde, redação superlotada e silenciosa. Soubéramos que o general Mourão, à frente das tropas, descia para o Rio de Janeiro, aguardando a adesão de Amaury Kruel, chefe do Exército em São Paulo. UH era pró Jango Goulart, herdeiro de Getulio. Havia dias o noticiário nos deixava inquietos. A policia viria nos empastelar. Nessa tarde, o que nos atemorizava era a informação de que o Comando de Caça aos Comunistas, armado, deixara o Mackenzie e descia rumo ao Anhangabau, onde estávamos. Diretores pediram que as mulheres saíssem, UH tinha muitas jornalistas, colunistas, diagramadoras, telefonistas. Sabíamos que o encontro poderia ser violento. Nenhuma arredou pé. A grega Alik Kostakis, poderosa colunista social, com sua voz rouca, dizia: “Pensar que vamos morrer aos pés do convento de São Bento é ironia”. Soubemos que o CCC desviou na praça Ramos de Azevedo e foi atazanar os estudantes de Direito da São Francisco. Mas ficou a tensão. Até que, seis da tarde, um batalhão da Força Publica, hoje PM, invadiu o jornal, quebrou teletipos, telefones, máquinas de escrever, rasgou jornais e livros, estourou armários, prendeu alguns. Naquela noite, fui ao Gigetto, onde se reunia a classe artística. A certa altura, Mauricio Loureiro Gama e o repórter Tico-Tico (conhecido como um dedo-duro), jornalistas da Tupi, abriram a porta gritando: “Vencemos o comunismo!”. O jornal foi fechado. Todos os dias eu passava em frente, havia PMS encostados. Os policiais sumiram, o jornal reabriu duas semanas depois, 40 por cento de gráficos (altamente politizados) e jornalistas estavam desaparecidos. Presos, ou o quê? A ditadura tinha começado. Mas havia um elemento novo. O censor. Sentava-se junto ao editor. Este fechava as páginas e entregava àquele senhor que sequer disse o nome. Quando perguntei como saber o que podíamos ou não publicar, ele respondeu: “Eu sei. Obedeça. Outra pergunta dessa, te prendo”. Na primeira edição pós-golpe, o jornal apareceu com espaços em branco. Eram os lugares de matérias vetadas (assim dizia o carimbo verde), textos, notas e fotos. O Estadão contornou publicando receitas ou poemas de Camões. Cada um criou uma forma de escapar. Todas reprimidas. Mal imaginava eu que em 1976, meu romance Zero seria proibido. Tinha levado dez anos para escrevê-lo. 500 livros foram cancelados. Anos depois voltaram à vida. Vlado Herzog, que trabalhara na UH, nunca mais voltou. Foi morto. Nunca esquecer 64 (Para Clarice Herzog) (*) Jornalista, membro da Academia Brasileira de Letras Ele publicou este artigo na edição do Estadão de 7/4/2024 e pediu que o reproduzíssemos no J&Cia, com o que o jornal concordou. Ignácio de Loyola Brandão Especial
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