Jornalistas&Cia 1452

Edição 1.452 página 30 Roberto Muggiati é chef confeiteiro em Edimburgo, Reino Unido. A filha Natasha, de 37 anos, logo decidiu que, sendo filha e irmã de jornalistas, o jornalismo não dava futuro para ninguém, e fez tecnologia da informação. Mora hoje em Berlim, Alemanha. Início na profissão Estando na Europa, viajou muito. Numa das viagens, foi bater em Londres e procurou candidatar-se ao então Serviço Brasileiro da BBC, hoje com a marca BBC News. Não teve resposta e voltou para Curitiba. Logo depois, recebeu uma carta da BBC, contratando-o como program assistant e para fazer locução também. Entre 1962 e 1965, o tempo que passou lá, houve o que chamou de “acidente de percurso”: casou-se com uma carioca que morava em Paris. Chegou a renovar o contrato com a BBC por mais dois anos, mas a mulher o convenceu a desfazer o acordo e voltar para fazer o Itamaraty. Não estava animado com isso, “ser lacaio da ditadura”. Foi assim que veio para o Rio, e felizmente não passou no Itamaraty. A convite de Narceu de Almeida, começou na Manchete no final de 1965. O trabalho de repórter especial na revista era bem elástico, não tinha horário fixo, e lá esteve até 1968. “Nesse meio tempo, me meti em tudo”. Quando o mundo começou a falar na Revolução Cultural Chinesa, sugeriu um livro que tratasse, em paralelo, da biografia de Mao Tsé-Tung e da corrente de pensamento dele. Alberto Dines, que era o intelectual da família Bloch – casado com uma sobrinha de Adolpho –, ficou entusiasmado e pediu mil dólares de adiantamento. Quando o livro Mao e a Çhina ficou pronto, Adolpho não gostou, chamou Muggiati de traidor. Com isso, o livro passou para outra editora. Era 1968 e Muggiati estava com 31 anos. Iara Iavelberg, companheira de Carlos Lamarca, o último baluarte da resistência à ditadura militar, enviou o livro para este. Em carta para Iara, Lamarca elogia o livro, talvez o último que tenha lido. Na Manchete “Fui o editor que mais tempo durou no ‘pau de sebo’, por fazer uma revista que tinha que dar dinheiro”. A Manchete quase chegou a completar 50 anos, mas os próprios Bloch mataram a galinha dos ovos de ouro, tocando a editora com mentalidade de lojinha da esquina. Tudo muito visando o lado comercial, quem tinha que cuidar do lado jornalístico sofria com isso. A publicação tinha um bom lado cultural, com matérias de viagem, sobre escritores, cineastas. Justino Martins, que foi editor muito tempo e inspirador da Manchete, imprimia na revista a personalidade dele. Gostava de cinema, todo ano ia ao Festival de Cannes, e até ganhou o apelido de “Cidadão Cannes”. Na ditadura, o Milagre Brasileiro, a Transamazônica, era tudo matéria paga, que a revista maquiava como reportagem especial. Os jornalistas tentavam fazer esse jogo, mas lugar algum no Brasil, principalmente depois do AI-5, tinha liberdade de expressão. Havia um choque de personalidades entre Adolpho Bloch e os profissionais contratados. Apesar disso, Muggiati o levava em consideração. Adolpho não era um intelectual, mas uma figura humana muito rica. Tudo na cabeça dele vinha do inconsciente para fora. Com o tempo, Muggiati foi aprendendo a conhecê-lo melhor, criando certos cacoetes para conviver com ele. Uma vez, no Yom Kipur, o Dia do Perdão, a redação meio apagada, falou: “Porra, Adolpho, como é essa coisa de Dia do Perdão? Você me perdoa ou me pede perdão?”. Quando era surpreendido, ele ficava sem reação, como uma criança. Muggiati aproveitou e pediu um aumento, sob o argumento de que não ganhava à altura do que fazia. Na editora não havia política salarial, cada um defendia o seu salário. Conseguiu, e estabeleceu uma regra de pedir aumento todo Dia do Perdão. Adolpho era absolutista e não compartilhava o poder com ninguém, achava que todo parente era cagalhão. Deu apartamentos para muita gente, mas em nome da empresa. Quando as dívidas se tornaram insustentáveis, perderam os apartamentos. O sobrinho Roberto no muro de Berlim (1961)

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