Jornalistas&Cia 1450

Edição 1.451 página 28 o Marketing (só faria Jornalismo muito tempo depois). Mesmo no Jornalismo, a gente se dividia − algumas matérias eram optativas e tinham poucos alunos, como Matemática da Comunicação, onde nos inscrevemos só Marcelo Rubens Paiva e eu. Mas todo mundo se encontrava na entrada, onde sentávamos numa mesa de açougue, de aço inoxidável, antes das aulas, e íamos às festas juntos. A partir de certa altura, passamos também a trabalhar juntos, na Editora Abril e em veículos que pegavam quase turmas inteiras da ECA para as redações. Tog sempre foi músico, mas em vez do RPM escolheu a imprensa, e não qualquer imprensa. Queria fazer jornalismo investigativo, especialmente na área policial, por causa de um senso de justiça muito grande, que vinha de um coração do mesmo tamanho. Sempre a mil, vivia caçando bandidos, esquemas, traficâncias. Desde logo viu a interseção entre a bandidagem pura e simples e a política, o que o levou a enfrentar gente poderosa. Era corajoso e agia sempre como se nada tivesse a perder. Ironizou os riscos da profissão, usando no lançamento de uma coletânea de histórias em 1978 (Mídia, Máfias e Rock’n’roll) uma fotografia na qual apontava um revólver para a própria cabeça. Arriscava o pescoço sem medo, razão pela qual se manteve íntegro, mesmo num ambiente altamente tóxico e perigoso, onde sempre tem alguém tentando aliciar a imprensa para acobertar a sujeirada, em vez de saneá-la, ou se dispõe a tirar o jornalista do caminho, quando necessário. Arrumou inúmeras polêmicas, pela disposição de expor a verdade, custasse o que custasse. Arrumou processos variados, como um movido pela JBS, por uma reportagem na qual denunciava que o juiz Sergio Moro teria sido subcontratado pela empresa, por meio de um escritório de advocacia chamado Warde. Levou também paulada de todo lado quando publicou em 2017 a tomografia da primeiradama Marisa Letícia, quando ela se encontrava hospitalizada por conta do AVC. Era eclético, escrevendo, falando no rádio ou mesmo na TV. Original, inventivo, inquieto, incansável − fez reportagens em mais de 30 países, por vezes infiltrado em torcidas violentas de futebol, organizações criminosas e seitas radicais. Professor de Jornalismo na escola em que nos formamos, procurava passar adiante esse bastão, ou esse espírito, de estar sempre investigando, questionando, e nunca desistir: enfrentar e apresentar a verdade a qualquer custo. Cultivava muitas maluquices, como seu fanatismo pelo professor Timothy Leary, que entrevistou ainda no começo de carreira e de quem se tornou uma espécie de “discípulo”. Lembre-se, Leary era um defensor do uso do LSD no tratamento psiquiátrico e resolveu fazer de sua morte uma espécie de espetáculo público, depois de publicar um livro em que propunha uma nova visão da morte. Tinha, na verdade, dificuldade de lidar com a morte e estava sempre querendo ajudar alguém. Quando eu era editor de ficção e não ficção da Saraiva, apareceu com a ideia de lançarmos um livro sobre Roy Cicala, da Record Plant, que tinha sido a maior gravadora de discos americana, de Jimmi Hendrix a John Lennon. Tog andava com Roy para cima e para baixo. Queria registrar a história dele, não só por ser relevante para a história da música, como para levantar seu astral, pois Roy tinha vindo para o Brasil por causa de uma filha brasileira e estava com sérios problemas de saúde. Morreu, de fato, logo depois do livro − que publicamos pelo selo Benvirá, com o título A Porta Mágica, referência ao hábito dos artistas americanos de passarem a mão na porta de entrada da gravadora, depois de Hendrix espalhar a lenda de que aquilo dava sorte. Por trás da obsessão do jornalista, estava aquele coração. Acho que ele o usou tanto que o gastou ao longo da vida. Virou o seu ponto fraco. Acabou internado, esteve às portas da morte e salvou-se por milagre, embora dependesse ainda de um transplante. Fui visitá-lo num hospital, perto da cidade de Embu-Guaçu, na companhia dos jornalistas Hugo Studart e Simone Souto Maior, que levou para ele escondido um sanduíche de mortadela. Acho que gostou mais da mortadela do que da nossa presença, depois de dois meses de comida hospitalar. Recentemente, estava muito feliz por ter ganhado um “coração novinho”, como ele mesmo descreveu pelo Instagram. Ter trocado de coração, porém, foi algo que sua mente, mais que seu corpo, provavelmente, acabou não aceitando. Este domingo (3/3), perdi um amigo e o jornalismo brasileiro um de seus mais importantes samurais. Não há mais uma vida de oportunidades pela frente − e a última ele acaba de perder. Mas há uma lista de realizações, e um exemplo de vida que eu registro, para que todos possam se lembrar. Claudio Tognolli

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