Jornalistas&Cia 1437

Edição 1.437 página 45 Matéria curta na TV informa que na aldeia de Rio das Cobras, no Paraná, foi lançada a edição da Bíblia em nheengatu, a língua de vocabulário tupi com gramática portuguesa que os jesuítas usaram para catequizar os indígenas. A notícia me lança em pensamento ao lado de uma fogueira numa aldeia Pareci de Mato Grosso, onde vivenciei o choque de culturas. Era a segunda metade dos anos 1970. O salário do Estadão me permitira comprar um velho jipe (naquele tempo o jornal pagava bem) que eu queria que suportasse o trajeto São Paulo/Porto Velho, num tempo em que a estrada era pouco mais que uma picada. O jipe ‘ponhou a língua de fora’ e parou de vez na aldeia Pareci, onde o velho xamã João Azumaré ficou encantado com um livro que eu levava. Assinado por Roquette Pinto, contava o primeiro contato com os parecis, feito décadas antes por Rondon, além das crenças e costumes da tribo. Apesar da aldeia estar ao lado da pequena missão salesiana, que ‘cristianizara’ os parecis, o velho pajé reuniu toda a criançada da aldeia e, usando a mim e o livro como testemunhas, falou mais ou menos assim: − O utiairiti (padre) diz para vocês que o pareci era índio ateu, que nunca teve Deus, precisou eles chegarem aqui para ensinar de Deus, de Cristo Jesus, para batizar os índios. Mas não é verdade, não. Pareci sempre teve Deus e Deus do pareci é Enorê, que fez o mundo, fez as plantas, que fez os bichos todos. E depois de tudo feito Enorê pegou um pedacinho de pau, uma faca, foi cortando, aparando, até fazer o homem. Deu um soprão no boneco de madeira e o homem viveu. Daí Enorê fez o homem dormir, tirou um pedacinho dele e fez a mulher. O jornalista está aqui para confirmar que esta história está no livro que ele tem. Eu confirmei tudo, é claro, mas só me reconciliei com os salesianos anos mais tarde, em Rondonópolis, onde conheci o padre Cesar Albisetti (que hoje o Vaticano pensa em canonizar) e que, na mesma linha de Levi Strauss, estudou outra tribo, os bororos, e naquele tempo então trabalhava na imensa obra Enciclopédia Bororo, hoje publicada em dois grossos volumes. Padre Albisetti me contou (e mostrou) como eram os enterros bororos, que depois de algum tempo do cadáver enterrado tiravam e lavavam os ossos n A história desta semana é novamente de Luiz Roberto de Souza Queiroz, o Bebeto ([email protected]. br), assíduo colaborador deste espaço, que esteve por muitos anos no Estadão e hoje atua em sua própria empresa de comunicação. Luiz Roberto Souza Queiroz Lembranças de Enorê, o deus dos índios Padre Albisetti Livros nMarcelo Freitas retrata o impacto da Covid-19 na área de comunicação em Nós também estivemos na linha de frente − As Histórias do Jornalismo na Pandemia. A obra reúne 63 entrevistas com repórteres, editores, fotógrafos e assessores para revelar os desafios dos profissionais de imprensa durante a pandemia. O autor também aborda a relação entre jornalistas, órgãos públicos e os cientistas, assim como as barreiras na comunicação com o Ministério da Saúde. O livro foi finalista do 45º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, na categoria livro-reportagem. A obra pode ser adquirida por aqui. n O cartunista Orlando Pedroso lançou a coletânea Charges, cartuns e ilustrações - VOL. I e II, que reúne ilustrações feitas à mão, publicadas pelo chargista na Folha de S. Paulo entre 1985 e 2011, e outros cartuns com temas livres. Dos leitores “Muito boa a edição do J&Cia conectada com o momento que vive a imprensa e os jornalistas. Gostei especialmente da matéria A mágica de Petrônio, do jornalista Eduardo Brito, na coluna Memórias da Redação, o que me fez relembrar este período do final da ditadura militar em que éramos jovens sonhadores por um Brasil melhor.” − Fleury Tavares Pág.1

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