Jornalistas&Cia 1427

Edição 1.427 página 30 O apelido era Zé Galinha. Seu nome Eduardo. Mas havia quem o chamasse de Laurito. Contínuo, torcedor fanático do São Paulo, gostava de ser chamado de Eduzinho. Sua primeira atribuição na redação era a entrega dos jornais. Deixava na mesa de cada repórter um exemplar do Estadão e outro do Jornal da Tarde. Cuidava também do xerox. Mas o que ele gostava mesmo era falar de futebol. Não podia ver uma rodinha com jornalistas falando de futebol que ele se incluía. E gostava de avaliar jogadores, criticava os que faziam corpo mole. Era fã de Roberto Dias, um jogador de meio de campo que fez muito sucesso no São Paulo e que ao ser recuado pelo técnico para a zaga fez mais sucesso ainda. A dupla de zaga campeã do São Paulo era Dias e Jurandir e os dois chegaram até a seleção brasileira. − Igual ao Dias, dizia Zé Galinha, só o Dario Pereira (uruguaio, que veio bem depois e que também foi recuado do meio para a zaga). Dario aliava a classe, o jogo fácil e a garra uruguaia. Fez sucesso no futebol brasileiro. Mas Zé Galinha também era fanático pelo noticiário policial. Ouvia pela manhã, no rádio, antes de chegar à redação, o programa do Gil Gomes, radialista de muito sucesso nos anos 1980 e 90. E sabia o bordão final do radialista, que durante décadas teve enorme audiência em São Paulo. − Gil Gomes lhes diz: bom dia − repetia o contínuo. E ele me contava os casos levados ao ar por Gil. Histórias de assassinatos, estupros, prisão de ladrões, batedores de carteiras, arrombadores de cofres. Perguntava se eu sabia daqueles fatos e queria me ver um dia ancorando um programa no rádio. − Se você tiver um programa igual eu vou te ouvir e deixar o Gil − prometia. O dia a dia de uma redação é interessante. Não existe rotina. Os assuntos vão sendo substituídos pela cobertura e se fosse jornalista garanto que Zé Galinha teria sido um grande entrevistador. Sabia fazer perguntas diretas. − Eu vivo na pele e por isso sei o que pergunto − se vangloriava. A redação do Estadão nos anos 1990 era recheada de excelentes jornalistas e de contínuos que se inteiravam com o trabalho dos repórteres. n A história desta semana é novamente de Renato Lombardi ([email protected]), comentarista de segurança e justiça da Record TV. Zé Galinha e a redação Renato Lombardi − Não gosto muito do Caderno 2 − dizia Hélio Conegundes de Freitas, o Hélio Louco, também contínuo e também fã dos assuntos policiais. Hélio tinha uma grande frustração: ter sido reprovado nos exames para investigador da Polícia Civil e para soldado da Polícia Militar. Participara de quatro exames e tomara bomba nos quatro, sempre na prova escrita. − Mas por que você não gosta do pessoal do Caderno 2? − perguntei ao Hélio. − Eles falam muito difícil. É filme pra cá, teatro pra lá, conversinha mole e cheia de mistérios. Gosto mesmo é da reportagem. Aqui tudo é direto. Faziam também parte do estafe de contínuos os irmãos Antonio e Venâncio Candido. Corintianos fanáticos, corredores de maratonas e da São Silvestre no final do ano, faziam parte de um bloco de corredores de rua da redação, como Elias, da publicidade, Isabel, secretária das diversas editorias, Lourdes Sola, repórter e editora do Estadinho, além de outros dois redatores e um diagramador. Conseguiam sempre chegar ao final da São Silvestre. Claro que a perder de vista dos primeiros colocados. − O importante é competir − dizia Venâncio, que fazia o trabalho de rua. Recolhia material na Bolsa de Valores para a editoria de Economia, correspondência no escritório do jornal no centro da cidade para a diretoria e publicidade, pagava as contas do pessoal da redação nos bancos do centro da cidade. Já Toninho não saía da redação. Cuidava do xerox, distribuía correspondência aos repórteres e redatores e os outros jornais do dia: Folha, Jornal do Brasil, O Globo. O vaivém de uma redação é inesperado. Quando menos se espera o telefone toca com uma informação, uma indicação para uma reportagem, e o trabalho começa. Na maioria das vezes, boas histórias, furos de reportagem. E não há satisfação maior para um repórter voltar da rua com uma matéria exclusiva. O bom repórter está sempre na busca de reportagens exclusivas. Numa sexta-feira participei de uma entrevista coletiva com um policial que era acusado de ser o coordenador da caixinha da corrupção do Detran de São Paulo. O prédio que ficava no Parque do Ibirapuera era conhecido como “Serra Pelada”, por causa da movimentação das pessoas e do dinheiro que era distribuído de maneira correta – pagamento de taxas – e muito mais pela grana da corrupção, que facilitava o emplacamento de carros irregulares, vistoria de veículos com documentação atrasada, sem falar na compra de carteiras para motorista e motociclista, num grande esquema, que envolvia, além de policiais, despachantes e donos de autoescolas.

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