Edição 1.426 página 28 Nos anos 1970/80 havia uma figura inusitada que uma vez por semana adentrava a redação do jornal A Gazeta Esportiva. Baixa estatura e peso acima do determinado pelos médicos para definir uma pessoa saudável e com um sorriso reservado, caminhava entre os jornalistas que se ocupavam em fazer as matérias, digitando nas laudas colocadas em máquinas de datilografar. Issa, como era conhecido, mal sabia escrever, mesmo assim conseguiu o emprego de divulgação de filmes de uma rede de cinemas da capital paulista. Para sanar o problema, ele abordava um ou outro jornalista, normalmente os recém-contratados, e sacava do bolso uma carteirinha que dava o direito ao portador da mesma ver quantos filmes quisesse em uma das maiores redes de cinemas de São Paulo. E ainda podia levar acompanhante. Uma boa isca. Eu era recém-contratado, um foca, e nunca consegui negar a ele o trabalho. Mas confesso que vi muitos filmes. Em troca, o felizardo ganhador da carteirinha redigia os títulos e sinopses dos filmes que entrariam em cartaz, que depois seriam impressos nas páginas do jornal. Como nem todos estavam à disposição o tempo todo, Issa tinha vários colaboradores. Ele já entrava fazendo uma varredura com o seu olhar para ver quem não estava datilografando. Aproximava-se da presa e dava-lhe as informações para a redação do trabalho. Quando Issa entrava, os olhares eram dirigidos para ele e um ou outro esboçava um sorriso enquanto os demais ficavam à espreita para saber quem seria o escolhido. Zeca Pontes n A história desta semana é novamente de Zeca Pontes (José Carlos Pontes − votuporangajornaldazn@gmail. com), atualmente vivendo em Votuporanga (SP), que atuou em diversos veículos da capital e do interior de São Paulo e foi colunista do J&Cia Auto. Máquina importada Voz calma e andar vagaroso, Issa parecia não ter pressa na sua escolha, lembrando os felinos que vagarosamente se aproximam das suas vítimas preparando-se com cálculos minuciosos para dar o bote. Com Issa era infalível. E ninguém, ou quase ninguém, tinha coragem de negar aquele pouco tempo e algumas linhas ao divulgador de filmes. O que Issa não esperava era o plano da figura sentada à mesa ao lado do editor afeito a sabotagens inocentes. Marco Barrero, com seu inesperável cachimbo, observava por sobre algum jornal que sempre lia as peripécias do visitante semanal. Até o dia que resolveu colocar o seu plano em prática. Combinou com todos que recusassem o trabalho naquela semana. E explicou a pegadinha, aceita por todos. Marco escolheu uma máquina de escrever e paciente trocou algumas teclas, tarefa não muito difícil, pois bastava puxar com um pouco de força que ela saía na mão do executor da trama. Avisou a todos que aquela máquina estava reservada ao Issa. E assim foi feito. No dia esperado e infalível de suas visitas, Issa circulou pela redação, mas todos estavam ocupados. Arriscou pedir a um ou outro, mas era impossível naquela hora parar de trabalhar para ajudar o amigo. Foi então que Marco retirou o cachimbo da boca e disse: − Issa, senta nesta máquina e escreve. Escreve devagar que sai. Depois eu corrijo pra você. Issa olhou para a mesa vazia e titubeou. Marco se levantou e gentilmente pegou uma lauda e colocou no lugar exato para o início do trabalho. − Senta aí e escreve. Você sabe escrever. Sem alternativa, Issa sentou, olhou para o papel onde estavam os dizeres do filme e começou a cutucar as teclas, sem olhar para a lauda. Procurava atenciosamente a letra que desejava e batia com força o dedo indicador. Era uma vontade enorme de rir, mas todos ficaram em silêncio a espera do resultado. Depois de bater em várias teclas, Issa olhou para a lauda para se certificar que tudo estava correto. Mas para a sua surpresa o que aparecia ali escrito era algo ilegível. Consoantes em excesso e palavras sem sentido. Ele olhou alguns segundos e se dirigiu ao autor da façanha: − Marco, essa máquina não escreve em português? Freepik
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