Jornalistas&Cia 1426

Edição 1.426 página 17 Por Assis Ângelo Paulistano do bairro do Brás, da safra de 1943, Drauzio Varella estudou na Universidade de São Paulo e lá se formou em Medicina, especializando-se em Oncologia. Mas foi combatendo a Aids entre os presos do Carandiru que ficou nacionalmente conhecido. Seu trabalho voluntário na Casa de Detenção findou por gerar o livro Estação Carandiru, que virou filme. E foi para o Carandiru que o dr. Drauzio Varella levou o Vira Lata, personagem criado pelo roteirista Paulo Garfunkel, o Magrão, transposto para a revista desenhada pelo quadrinista Líbero Malavoglia (ver J&Cia 1.423 e 1.424). Eu pedi e Drauzio não se negou a dar um depoimento sobre a importância do Vira Lata entre os presos. Aproveita pra dizer como conheceu Magrão e Líbero. Leia, vale a pena: “Conheci o Paulo Garfunkel, o Magrão, através da minha mulher, Regina Braga, que fez uma peça com ele e o irmão, Jean Garfunkel. O Vira Lata caiu nas minhas mãos um dia, era o primeiro número e eu achei muito interessante. Gostei muito do personagem e das ilustrações feitas pelo Líbero Malavoglia. E aí, um dia, na cadeia − eu estava no Carandiru nessa época −, levei uns folhetos de um Congresso Internacional de Aids e distribui a cadeia. Era bonito, sabe? Um papel de ótima qualidade. Conversei com o pessoal da faxina e disse: ‘Como é que esses folhetos são recebidos aí?’ Um deles falou: ‘Ah, doutor... os folhetos são bonitos, mas o pessoal dá uma olhadinha e joga no lixo’. Bom, não é assim que a gente vai atingir essas pessoas. Então, lembrei do Vira-Lata e pensei: quem sabe um gibi? Porque eu via ‘eles’ lendo gibis, especialmente naquelas celas coletivas, naquelas celas do ‘Amarelo’, por exemplo, para onde iam os marcados para morrer. Via o pessoal lendo histórias em quadrinhos. ‘Pô, quem sabe, essa não é a linguagem pra atingir esse alvo, né?’ E aí conversei com o Magrão: por que que a gente não faz o Vira-Lata adaptado para a situação de cadeia? Ele gostou muito e conversou com o Líbero e já começou a pensar nas histórias, e a gente definiu quais eram as características principais do herói: ele não usava droga injetável de jeito nenhum, porque na época a cocaína injetável era muito usada nas cadeias e era a principal forma de transmissão do HIV e das hepatites. Segundo Licenciosidade na cultura popular (XXV) lugar: ele era um ex-presidiário, tinha cumprido pena no Carandiru, no passado. De tempos em tempos ele voltava à cadeia para visitar velhos amigos e alguns desses amigos contavam um problema que estavam tendo na rua. E o Vira-Lata saía então, para ajudá-los a resolver esse problema. E aí ele se envolvia em aventuras que tinham basicamente violência e sexo. Só que − e isso era uma característica fundamental do personagem − ele não fazia sexo sem preservativo. Na época, o que a gente queria falar na cadeia era exatamente isso, divulgar o preservativo, como parte da vida sexual. E os desenhos eram muito bem-feitos, era um gibi de cenas eróticas fortes. Eu, quando era menino, tinha um gibi, que era feito pelo Carlos Zéfiro, que tinha histórias de sexo, era um gibi de sacanagem, os ‘catecismos’. Dizem que o Carlos Zéfiro foi o grande educador sexual dos anos 1950 e 60. E o Líbero era um desenhista, lógico, mais preparado do que o Carlos Zéfiro, e as cenas do Vira-Lata eram muito bem desenhadas, com uma ilustração ótima. Ele ficou muito conhecido na cadeia, né? Porque foram criados sete números. A gente distribuía, à noite, de cela em cela, juntava um bando de amigos, íamos pra a Detenção e fazíamos a distribuição. A cadeia era muito grande, tinha mais de sete mil presos. A gente distribuía o Vira-Lata e imediatamente eles começavam a ler. Eu acho que esse tipo de personagem, que foi popular lá no antigo Carandiru, seria popular hoje também nas outras cadeias. Lógico que teria que ser adaptado para os problemas atuais. Hoje droga na veia não é mais problema nas nossas cadeias. Mas o sexo sem preservativo é. Então, se nós conseguíssemos adaptar para a situação atual... Porque, afinal, já se passaram aí 30 anos, né? Mas eu acho que esse personagem poderia fazer sucesso entre a população carcerária se fosse distribuído pelos presídios todos. Fico muito feliz de ter participado do Vira-Lata, com todas as histórias escritas pelo Magrão e aqueles desenhos maravilhosos que o Líbero Malavoglia fazia”. Foto e reproduções por Flor Maria e Anna da Hora Drauzio Varella PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333

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