Edição 1.424 página 14 PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO Por Assis Ângelo Assis − Conte um pouco da história do Vira Lata. Ele surgiu exatamente quando e por que está hoje fora do mercado? Magrão: Um dia, lá pelo final da década de 1980, um amigo meu pianista me contou que na adolescência uma moça transou com alguns rapazes do bairro e engravidou sem saber quem era o pai. Quando nasceu, o menino era a cara desse meu amigo. Eu pensei: e se o moleque fosse filho de todos? Se nascesse híbrido, como um vira-lata, ou, em linguagem de veterinário, SRD − sem raça definida? Eu comecei a escrever o roteiro em 1988 e o Líbero aderiu mais ou menos um ano depois. A primeira revista foi lançada em 1991 pela editora VHD Diffusion na Bienal Internacional de Quadrinhos no Rio de Janeiro e foi pras bancas. O doutor Drauzio Varella, a quem eu conhecia por ter trabalhado com sua esposa, Regina Braga, atriz talentosíssima, cruzou com o Vira Lata numa banca e me ligou contando sobre o projeto de redução de danos na Casa de Detenção de São Paulo, o implodido Carandiru. Lá ele notou que os caras liam muito gibi. Era dezembro de 1992, o clima estava pesado só dois meses depois do massacre que completou 30 anos em outubro do ano passado. Naquela época, a Aids era praticamente uma sentença de morte e mais de 17% dos 7.700 detentos eram HIV positivo, muito por conta do baque, a cocaína injetada. No calor da luta, tomando nos canos, os caras compartilhavam as seringas improvisadas com canetas Bic e o vírus nadava de braçada. Nas edições da cadeia, o Vira já tinha puxado cana e estava Licenciosidade na cultura popular (XXIII) Sequência da entrevista de Assis Ângelo com o músico e mestre em roteiros para quadrinhos, cinema e TV Paulo Garfunkel, o Magrão, autor, com o quadrinista Líbero Malavoglia, de O Vira Lata. A primeira parte foi publicada em J&Cia 1.423. sempre pronto a ajudar os amigos presos. O herói destruía seringas e corações femininos (sempre com camisinha). Quanto ao fato de agora estar recolhido, fora do mercado, temos planos e uma boa parte do roteiro escrito pra lançar uma aventura inédita. O Vira anda sumido, mas tá de butuca, sempre à espreita, pronto pra dar o bote. Brecht disse: “Infeliz o povo que precisa de heróis”. Assis − O Vira Lata é um anti- -herói, mas tem pinta de herói aqui e acolá. Você já pensou em levá-lo à TV ou à telona? No mínimo pode dar minissérie, não? Magrão − Eu já recebi algumas propostas pra longa metragem e série. Escrevi roteiros pros dois formatos. Tenho fé de que quando chegar a hora vai rolar. Assis − Corajoso, destemido, o Vira Lata respeita as leis e ama tudo quanto é mulher. Será que algum dia vai se apaixonar, casar e ter filhos? Magrão − O herói não sabe, mas tem uma filha, Yumi (flecha), fruto do seu primeiro amor com Tieko. O Vira se apaixona todos os dias, mas, casar, acho que não convém a um cão de rua. Assis − Por que tanto sangue e sexo nas aventuras do Vira Lata? Magrão − Sexo porque é o bom da vida, violência porque tem muito filho da puta à solta que merece uma bela surra. Assis − Aqui e ali você insere referências à nossa música popular: Casa de Detenção Cartola Gonzagão e Gonzaguinha Tom Jobim Vadico e Noel Rosa Zé Gonçalvez e Mário Pinheiro
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