Jornalistas&Cia 1423

Edição 1.423 página 28 É difícil acreditar que José Maria de Aquino, menino de classe média nascido em 18 de agosto de 1933 na pequena cidade de Miracema (RJ), tenha virado jornalista por mera obra do acaso. De fato, lá na juventude, ele sonhava mesmo em se tornar promotor público, um doutor das leis. Convencido de que seu futuro estava nos tribunais, até chegou a cursar a Faculdade de Direto, mas quem fez justiça foi o destino, que o levou a enveredar pelo mundo das notícias, seguindo a trilha de um cunhado, Luiz Carlos Secco, e do irmão, Paulo de Aquino, que já trabalhavam no Estadão no início da década de 1960. E assim, com 33 anos de idade na época, Aquino estreou na profissão em 1966, na equipe que fundou o icônico Jornal da Tarde, filhote do Estadão, e que revolucionou a linguagem editorial da época, na forma e no conteúdo. Tendo como essência a reportagem, o JT abriu caminho para a carreira, brilhante e premiada, de José Maria de Aquino, a quem coube construir uma vida de repórter. Não por acaso, este é o título do livro de memórias que ele escreveu, um ano antes da pandemia, pela editora Letras do Brasil. A obra, editada a partir de escritos que ele guardava apenas “para mostrar à mulher, Kátia, e aos netos”, é um resgate dos bastidores e curiosidades de fatos vividos ao longo de mais de quatro décadas de coberturas nacionais e internacionais, num período préinternet, em que a figura do repórter era fundamentalmente necessária. Do primeiro dia até hoje, Zé Maria é um contador de histórias. Um longo bate-papo e um porre à mesa de um bar com Obdulio Varella, o carrasco do Brasil na Copa de 50. A cobertura do primeiro casamento de Pelé. Os bastidores da preparação da seleção brasileira em 1970 e o plano liderado pelos jogadores para convencer Zagallo a escalar o time que eles julgavam capaz de levantar o tricampeonato mundial. Uma conversa dramática com João do Pulo à beira da depressão após a amputação da perna mutilada num acidente. O olho clínico do jornalista observador para descobrir, no meio de tantas estrelas já consagradas, a magia de uma menina então desconhecida chamada Nadia Comaneci, nos Jogos de Montreal-1976. As aventuras, dissabores, contratempos e truques de um repórter para enfrentar toda sorte de dificuldades em coberturas internacionais sem as facilidades tecnológicas de hoje resumem a vida deste contumaz contador de histórias. José Maria de Aquino completa 90 anos no próximo dia 18 de agosto, longe de se assumir, efetivamente, como um jornalista aposentado. Impregnado pelo amor à profissão que exerceu por mais de cinco décadas em JT, Estadão, Revista Placar, TV Globo e SporTV, ele ainda se mantém fiel ao seu DNA de repórter e comentarista, com trabalhos publicados esporadicamente em portais de notícias, além de ser bem atuante nas redes sociais. Torcedor do São Paulo, é um crítico ferrenho do jogo robotizado dos dias atuais e emérito defensor do futebol-arte. Das redações por onde passou, guarda lembranças que dariam outro livro. Para celebrar seus 90 anos, a pedido deste J&Cia, Aquino foi buscar no baú de suas memórias nove histórias e bastidores das redações por onde passou. Uma para cada década de trabalho. Pois então, viajemos com ele no tempo... (*) Organizador do livro Minha Vida de Repórter, de José Maria de Aquino José Maria de Aquino: 90 anos de uma vida de repórter Por Nelson Nunes (*) 1 – “Dante, não é por osmose!” A redação do Jornal da Tarde, então na rua Major Quedinho, 28, em São Paulo, era divertida, alegre e barulhenta, ao contrário do ambiente sisudo do Estadão, que funcionava no salão grande. A equipe do JT era repleta de jovens, muitos deles mineiros vindos de Belo Horizonte, com idade bem abaixo dos 30, capitaneados por Murilo Felisberto, Ivan Ângelo, Fernando Mitre. Profissionais como Carmo Chagas, Luciano Ornellas, Flávio Márcio e outros faziam um jornal leve, dinâmico, jovem como queria Ruy Mesquita. A redação era dirigida por Mino Carta, que não tinha atingido os 40 anos, e gostava do jeitão de Dante Mattiussi, um paulistano de 19 anos, esperto, apaixonado pelos livros. Com orgulho ele dizia que gostava de ler, e sempre aparecia com um livro, às vezes dois, debaixo do braço. Mino Carta, ao ver a cena, sempre provocava o jovem repórter com um grito para toda redação ouvir: “Dante, não é por osmose. Tem que ler!” Dante leu muito e fez bela carreira no jornalismo brasileiro, chegando a diretor de Redação da TV Globo em São Paulo. 2 – Soldados na redação... medo e apreensão 1969, auge do governo militar. Fim de tarde na redação do Estadão. Cumprindo a rotina do dia, eu, ao lado de Michel Laurence e Woile Guimarães, estávamos iniciando o fechamento das reportagens para a Edição de Esportes do Estadão, que ia para as bancas nas noites de domingo/ manhã de segunda-feira. Eis que dois soldados da Aeronáutica entram na redação, caminham em direção às mesas em que estávamos sentados e perguntam quem era Woile Guimarães. Zé Maria e Nelson

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