Edição 1.423 página 15 Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333 PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO Por Assis Ângelo A rigor vira-lata é um cachorro de rua, sem dono, sem eira nem beira. Não tem passado nem futuro, vive ao deus-dará. Leva pancada e grito de todo mundo. Não é à toa que há o ditado: “Sofre que nem um cão sem dono”, direcionado a alguém que “está na pior”, sem comer, sem beber, sem dinheiro, devendo a Deus e ao mundo; sem pai, sem mãe, sem mulher, sem nada. Lascado. Essa descrição é o que é um cão sem dono ou um vira-lata com letra minúscula. Vira Lata com letra maiúscula é um anti-herói com pinta de herói admirado, principalmente, pelas mulheres. O Vira Lata a que me refiro, com maiúscula, é aqui representado por um homem jovem, forte, bom papo, boa pinta, que vence todas as paradas. Bandido bandido não tem vez com ele. É a favor da justiça, sempre. Esse personagem é criação de um músico e mestre em roteiros para quadrinhos, cinema e TV: Paulo Garfunkel, o Magrão. “Eu criei esse personagem em 1988. Um ano depois chegou o parceiro quadrinista Líbero Malavoglia. Um craque!”, conta Magrão acrescentando: “Um amigo meu pianista me contou que, na adolescência, uma moça transou com alguns rapazes do bairro e engravidou sem saber quem era o pai. Quando nasceu, o menino era a cara desse meu amigo...”. Paulo Garfunkel, paulistano da cepa, é um devorador de quadrinhos. Conhece tudo sobre roteiristas e desenhistas de HQs, do Brasil e do mundo todo. Entre seus favoritos estão os quadrinistas Guido Crepax, Alex Varenne, Manara, Georges Lévis, os cineastas Francis Leroi e Jodorowsky e outros mais. O italiano Crepax marcou época com a personagem que criou, Valentina. Isso a partir de 1965. Sensualíssima, a personagem representa a realidade e a ficção e preenche com facilidade as fantasias da mente masculina. Na sua vida “real”, Valentina é uma profissional da fotografia. Licenciosidade na cultura popular (XXII) Paulo Garfunkel e Líbero Malavoglia Crepax nasceu e morreu em Milão. O Vira Lata de Magrão movimenta-se que nem um gato nas páginas da revista que leva seu nome. Fácil, fácil conquista leitor. O autor explica: “O Vira Lata tem muita influência do Lobo Solitário, de Gozeki Kojima e Kazuo Koike, e do Corto Maltese, do mestre Hugo Pratt”. A estreia do Vira Lata ocorreu na Bienal dos Quadrinhos no Rio de Janeiro, em 1991. Logo depois o médico Drauzio Varella o descobriu numa banca. E foi assim, que “o Vira Lata entrou na Casa de Detenção de São Paulo, onde o Dr. Drauzio atendia os detentos como voluntário. Fez o maior sucesso”, recorda Magrão. Quando o Vira Lata chegou na Casa de Detenção a Aids corria solta. Dos 7.700 detentos, 17% estavam contaminados. --------- Assis: Como surgiu a ideia de criar o Vira Lata? Magrão: O Vira Lata nasceu da minha crença de que a nossa força como povo vem justamente da mistura, do amálgama, como já dizia José Bonifácio de Andrada e Silva em mil oitocentos e pouco. Ele nasceu também da indignação diante da desigualdade absurda com a qual a gente convive diariamente. Aí veio o Vira, defendendo as putas, as travestis, os moradores de rua, os párias, os desvalidos. Ele solta os cachorros em cima de quem é mau caráter e trata muitíssimo bem as mulheres. Assis: Você se inspirou em quem? Magrão: Eu sempre fui rato de quadrinhos, gosto mais das HQs europeias e japonesas do que das americanas. O Vira Lata tem muita influência do Lobo Solitário, de Gozeki Kojima e Kazuo Koike, e do Corto Maltese, do mestre Hugo Pratt. Mas eu sentia falta de enredo nos gibis eróticos, porque uma boa bronha tem que ter um bom roteiro (solidão é não dar na veneta nem musa pra punheta); e nos gibis de ação, geralmente, faltava uma bela sacanagem, então resolvi juntar tudo no mesmo imbróglio, com destaque pras belas mulheres e pras artes marciais japonesas (o Líbero é faixa preta de Aikidô e eu pratico Kenjutsu há bastante tempo). Assis: Tem a ver com o famigerado Esquadrão da Morte, criado no Rio de Janeiro? Magrão: Tem tudo a ver, porque infelizmente sempre existiram grupos de extermínio no Brasil. Dos capitães do mato do período colonial, passando pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas), OBAN (Operação Bandeirantes), Scuderie Le Cocn e as nefastas milícias. Esses canalhas só mudam de nome. Nas páginas do Vira Lata os exterminadores assinam com cruel ironia Saneamento Básico. (A entrevista continua no próximo J&Cia) Foto e reproduções por Flor Maria e Anna da Hora Valentina
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