Edição 1.423 página 14 Micropagamentos são modelo a se testar Outro dia estava assistindo a um filme destes produzidos por Hollywood e me deparei com uma cena da mais comum e banal possível: um casal que é recebido na casa de seus amigos e, antes de entrar de fato na residência, faz uma pequena parada no hall de entrada para deixar os casacos, cumprimentar os anfitriões, trocar um abraço e perguntar um ao outro “como estão”. A cena de não mais de um minuto continua, e fico pensando comigo mesmo: “e não é que isso tem tudo a ver com jornalismo”. Sinal de obsessão? Certamente! Mas acontece que realmente fiquei com aquilo na cabeça. Como consumidor de conteúdo jornalístico, tenho a sensação de que minha relação com as empresas do ramo é muito parecida com esta cena descrita. Mas há uma importante – até crucial – distinção. No meu caso, e suponho que isso sirva para muitos outros consumidores, fico parado no hall de entrada sem quase nunca ser convidado a entrar e me aconchegar no restante da residência. Pior ainda, me parece que uma vez no hall de entrada, os anfitriões tentam a qualquer custo me manter ali permanentemente, sem permitir que eu abandone esta casa muito peculiar de onde é difícil sair e dentro da qual não consigo realmente me sentir confortável. Tudo isso está relacionado ao modelo de negócio que as empresas jornalísticas tentam emplacar. É uma história batida, mas que vale a pena retomar: com a perda do domínio sobre a publicidade, boa parte dos jornais começaram a investir paralelamente na assinatura como forma complementar de geração de receita. Sabemos bem disso, mas a verdade é que a relação do consumidor com o veículo – e do veículo com o consumidor – geralmente não é forte o suficiente para justificar o investimento em uma assinatura. Para solucionar este problema, o que acontece muitas vezes é uma “forçação de barra” para obter a assinatura do potencial cliente. É verdade que a maior parte dos paywalls criados não são extremamente rígidos. Cadastro feito e você está autorizado a ler uns poucos artigos por mês. É uma estratégia bem pensada que facilita que o leitor tenha um gostinho do que o veículo pode lhe oferecer. O problema acontece depois que estes poucos artigos são consumidos. Quero ler algo mais e a única possibilidade que tenho passa a ser a assinatura. Hub de produção de conhecimento e análise de tendências para comunicação e jornalismo João Arantes Payne Os valores cobrados não são abusivos e muita gente tem condição de pagar cerca de R$ 20,00 por mês para ler um jornal. Acontece que hoje em dia todas as empresas apostam na assinatura. Para uma pessoa normal, portanto, aqueles 20 reais não são apenas 20 reais, mas um valor acrescido a diversas outras assinaturas que terminam por pesar enormemente no bolso. Ou seja, os veículos acabam criando uma situação chata para o cliente que quer consumir apenas um ou outro conteúdo. A dura verdade é que poucas pessoas desejam acessar nosso site e ler o que publicamos diariamente ou com alguma regularidade. Estes clientes, sem dúvida, são os mais valiosos e devem ser constantemente valorizados para que mantenham suas assinaturas e engajamento com o veículo. Muitos outros, entretanto, serão consumidores esporádicos. E por que não permitir e aceitar que assim o sejam? Branded content orbismedia.org Professor do Master: Negócios de Mídia e articulista do Orbis Media Review Os micropagamentos são um modelo de negócios surpreendentemente pouco aproveitado e explorado pelas empresas de mídia. É verdade que ele não garante o cadastro que, de uma forma ou de outra, coloca as pessoas em um pipeline de conversão. Mas muita gente jamais será convertida em cliente regular. Devemos aceitar este fato que, entretanto, não significa que fulano e ciclano não possam ser clientes ocasionais. A assinatura e o micropagamento, portanto, não são modelos conflitivos, mas complementares – e para as empresas de mídia que precisam urgentemente incrementar suas receitas, podem ser, ambos, valiosos. Como cliente posso afirmar de forma categórica: com regularidade, pagaria de bom grado uns poucos reais para ler uma matéria de meu interesse. Quando vejo, entretanto, que terei que me cadastrar no site, fazer uma assinatura que pode até mesmo sair de graça nos primeiros meses, tendo logo a desistir de acessar o conteúdo – em especial se ainda não conheço a casa onde estou entrando. A verdade é que, na maior parte das vezes, eu simplesmente não quero ter o trabalho de cancelar uma assinatura mesmo quando sei que não serei cobrado nada por ela. Chame de preguiça, mas é uma preguiça que certamente atinge muitas outras pessoas. Precisa realmente ser assim? Por que não dar ao potencial cliente alternativas? Permitir que paguem esporadicamente por uma ou outra matéria não é apenas uma forma de gerar uma receita complementar. É uma maneira fácil – possibilitada por ferramentas práticas de pagamentos hoje existentes – de dar ao leitor a possibilidade de colocar os pés no hall de entrada e sentir o ambiente, saindo sempre que assim desejar. Talvez demore muito para ele se fidelizar com uma assinatura. Talvez isso nunca aconteça. Mas ainda assim é melhor do que aprisioná-lo dentro de uma casa na qual ele não quer estar.
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