Edição 1.419 página 27 Quando cheguei à redação de A Província do Pará, em 1972, Lúcio Flávio Pinto já havia percorrido um bom trecho da estrada cujo fim ele encontrou involuntariamente dias atrás, e que o obrigou anunciar que estava parando o jornalismo cotidiano. Acredito que o Parkinson surgiu nessa estrada do amigo como um monstro. Ou uma barragem de concreto represando um “Tocantins”, porém com alguns vertedouros abertos, felizmente. A barragem é a metáfora que achei mais apropriada, pois esse monstro de concreto esteve na pauta do Lúcio quase meio século, bem antes de a Hidrelétrica de Tucuruí ser a rolha do rio. Ainda bem que a acumulação do Lúcio a jusante é tão volumosa quando o lago da usina. Dá para ele continuar inundando o jornalismo amazônico. Sem pretender de ser encomiástico, diria que o Lúcio inspirou todas as gerações de jornalistas paraense dos últimos 50 anos. Não escondo meu apreço pelo que aprendi com o amigo. O saudoso Bandeira 3 foi um curso intensivo de jornalismo – bom jornalismo, de que eu, particularmente, continuei usufruindo com uma nova versão do Bandeira no suplemento semanal da Folha do Norte, também meteórico, mas não efêmero, enquanto eu já era editor de O Liberal. Admirando o jornalismo do Lúcio; frequentando assiduamente a sucursal do Estadão, na Campos Sales; ombreando no Sindicado de Jornalistas; dividindo bons pratos em almoços residenciais, reunindo nossas famílias em encontros de verão forjamos uma amizade que nos permite chorar no ombro e continuar dividindo uma boa mesa em restaurantes, ainda que agora seja acontecimento episódico. Embora online, falamos quase semanalmente sobre assuntos de interesses comuns (agora mesmo, sobre a Cabanagem). Foi por causa dessa amizade, mas sobretudo por confiar em mim, que Lúcio indicou-me ao Rômulo Maiorana para integrar a equipe pioneira do jornalismo da TV Liberal, em 1976, e onde nos encontramos por um bom tempo, quase cotidianamente. O amigo Lúcio merece minha admiração não só por ter sido um dos maiores repórteres que a imprensa brasileira conheceu não só na Amazônia, mas por ser exemplo de um cidadão zeloso da ética do açougueiro ou do carpinteiro – segundo Cláudio Abramo –, a ponto de confessar os motivos da sua parada. Lúcio poderia ficar silente, mas confessou que uma falha involuntária, provocada pela doença, o fez cometer um erro de interpretação de dados de uma licitação publicada no Diário Oficial. Poderia ser simplesmente reparada com a tradicional nota ERRAMOS, mas o Lúcio viu no erro do repórter situação mais dramática que a própria doença que lhe afeta a cognição. E parou. Fez bem, embora lamentemos. Resta-nos apreciar o bom jornalismo que ele promete resgatar abrindo torneiras da sua barragem. E assim, ele vai aplacando com o Parkinson postado na sua estrada. n Nélio Palheta presta uma homenagem a Lúcio Flávio Pinto, que em 8/7 anunciou publicamente estar deixando o jornalismo diário porque o Mal de Parkinson afetou a sua cognição (ver J&Cia 1.418). Hoje aposentado, Nélio atuou em A Província do Pará, O Liberal e Folha do Norte, TV Liberal e da TV Cultura do Pará, dirigiu a Imprensa Oficial do Estado e a Fundação de Telecomunicações do Pará (TV e Rádio Cultura), e por duas vezes foi secretário de Estado de Comunicação do Pará. Ronaldo Quadros Ao mestre, com carinho Nélio Palheta e Lúcio Flávio Pinto Parceiro: Apoio: De Londres e de São Paulo, notícias, ideias e tendências em jornalismo, informação, desinformação e plataformas digitais Oferecimento (MediaTalks Partner):
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