Jornalistas&Cia 1409

Edição 1.409 página 28 100 ANOS DE RÁDIO NO BRASIL Por Álvaro Bufarah (*) Recentemente a empresa Futuri apresentou uma versão beta do programa RadioGPT, primeira plataforma de rádio do mundo alimentada por IA (Inteligência Artificial), tendo sua estrutura baseada na tecnologia do ChatGPT 3.5. O mecanismo escaneia várias fontes de notícias online e identifica quais são os tópicos e tendências que estão em alta (com mais visibilidade) no momento. Em seguida, o sistema cria um roteiro e lê textos com vozes artificiais. Além disso, a plataforma é capaz de gerar outros conteúdos, como automação de sites, posts de mídias sociais, vídeos curtos e a estruturação de conteúdo para podcasts. Ou seja, também gera e envia conteúdos para diferentes canais, como alimentar o blog da emissora até os reels do Instagram ou shorts do YouTube. A tecnologia da empresa pode identificar os temas mais atuais, escrever roteiros de programas curtos, ler esses textos por meio de até três “personalidades” diferentes de IA (apresentadores virtuais). Para os menos atentos, as vozes podem passar como de locutores convencionais, pois são quase “humanas”. Embora a empresa criadora afirme que isso será uma forma de “salvar” o rádio local, possibilitando a criação de emissoras e programações mais focadas para públicos cada vez mais nichados, a realidade é que falta ao sistema o bom e velho jogo de cintura para interagir contando histórias e articulando uma conversa fora do convencional. Enfim, ligamos o rádio ou sintonizamos uma estação para ouvir alguém, não necessariamente uma voz artificial. Porém, para os mais jovens, que estão acostumados a conteúdos cada vez mais práticos e rápidos, em um cotidiano de várias janelas, o formato RadioGPT pode ser bem interessante. Outro fator assustador está relacionado à disseminação de fake news, pois as ferramentas baseadas em GPT não conseguem aferir se as informações utilizadas são reais e verdadeiras. Dessa forma, ao levantar dados na rede, a plataforma de IA pode utilizar notícias falsas, que serão replicadas sem qualquer checagem. A falta de limites e critérios também pode ser um problema para a cobertura de eleições, desastres naturais e temas violentos, como os massacres em escolas. Como o sistema replica as informações em alta na rede, há o risco de estimularmos os conteúdos de bolhas, pois nem sempre as emissoras noticiam apenas informações que estão no topo das discussões na web. De forma geral, ao ser usada de forma generalizada a ferramenta RadioGPT acabará gerando produtos homogeneizados, atendendo a perfis pré-estabelecidos, com receitas já testadas. O que pode parecer O Rádio GPT e o rádio pasteurizado bom para muitos empresários que não querem assumir o risco de produzir conteúdo, mas, sim, gerar receita rápida. Não podemos esquecer que essa tecnologia não será exclusiva de emissoras de rádio. Outras empresas poderão desenvolver sistemas parecidos e até comprar as soluções já oferecidas no mercado. Ou seja, nada impede que plataformas de streaming disponibilizem canais de áudio com locução pré-fabricada e conteúdos que agradem a ouvintes menos experientes. Dessa forma, os mercados, já sobrecarregados com muitos players, terão novos competidores, que serão produzidos com custos bem menores do que os das emissoras tradicionais que empregam radialistas, jornalistas, técnicos etc. Importante destacar que acabou o formato de mídia de massa, com altos índices de audiência e um perfil de público genérico. Cada vez mais teremos nichos e públicos esperando conteúdos exclusivos e formatados para suas necessidades e gostos. De forma geral, vejo essas tecnologias não com um fim em si, mas uma ferramenta útil para ajudar na produção de material, porém não sem checagem, não sem a participação de uma equipe que tornará o conteúdo realmente diferenciado para seus ouvintes. Nesse sentido, o diferencial está na ação humana que criará material novo, criativo e bem executado em contraponto ao padrão do RadioGPT. Já vemos isso com a explosão de podcasts. Os principais projetos, que realmente têm atenção do público, são aqueles que contam com uma equipe de produção profissional, que atua por horas para a realização dos programas. Raramente os programas feitos no fundo do quintal têm audiência suficiente para a monetização. É claro que haverá ouvintes que acharão boas as programações feitas de forma robotizada, mas ainda assim teremos outros que esperarão conteúdos não pasteurizados, pois rádio é conversa, é o repórter que se emociona na cobertura, o locutor que faz uma brincadeira, o ouvinte que participa pedindo um “alô”. Ou seja, é uma atividade 100% humanizada. Isso ainda não conseguimos fazer via Inteligência Artificial. Como dizia o radialista Hélio Ribeiro, “o rádio é o veículo que tem o poder de transferir o arrepio”. Com mais de 100 anos de história, o rádio irá sobreviver e incorporar as ferramentas de IA da melhor forma possível. Se será melhor ou pior só o tempo vai nos indicar. Mas ainda acredito nas produções autorais e nos conteúdos feitos para encantar as pessoas, seja com ferramentas robotizadas ou não. Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link. (*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.

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