Jornalistas&Cia 1409

Edição 1.409 página 27 PRECIO SIDADES do Por Assis Ângelo Acervo ASSIS ÂNGELO Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333 Não dá pra comparar as músicas de duplo sentido de ontem com as de hoje. As de hoje não são nem de duplo sentido, são claramente explícitas, sem valor literário. Em parceria com o cantor, compositor e redator de programas de Chico Anísio, o pernambucano Arnaud Rodrigues falava de putaria de modo tão sutil que parecia ingênuo. A expressão “puta que o pariu”, por exemplo, ganhou algo como “não-sei-o-quê Paris”. Ele procura imprimir graça quando canta um flagra que a sogra lhe deu quando estava nu e pronto pra transar com a mulher. Noutra música tenta fazer graça quando a mulher se abaixa para apanhar um sabonete no banheiro. Hoje, no rádio, os humoristas se divertem e divertem os ouvintes falando de putaria com toda tranquilidade possível. O programa A Hora do Ronco, no ar diariamente no começo da manhã pela Band FM, é amostra clara disso. Programas das FMs Nativa e Imprensa tocam muitas músicas sem graça nenhuma e de baixo calão, nos ritmos de plástico ou algo que o valha. Forrós de péssimo nível e sofrências transformadas em sertanojo. É de se lembrar, aqui, a obra do cantor gaúcho Nelson Gonçalves. São inúmeras as músicas que falam das amarguras dos cornos, das prostitutas, cabarés, constantes no repertório gonçalviano. Instigado pessoalmente, Nelson era terrível. Um despudorado sem limites. Não encontrei dificuldade nenhuma quando lhe fiz perguntas relacionadas a sexo. A entrevista saiu na extinta revista Privé, em 1982, com o título Com uma mulher sou bom: com duas, melhor; com três, sou ótimo!. Para acessar a entrevista, clique aqui. De autoria de David Nasser e Herivelto Martins é o tango Estação Licenciosidade na cultura popular (VIII) da Luz, que o famoso cantor gaúcho eternizou. Fala da vida difícil das mulheres fáceis. Outro gaúcho, Lupicínio Rodrigues, também falou de cabaré, prostituição e dor de corno na sua obra. Clássica é uma de suas canções, Vingança. Começa assim: Eu gostei tanto/Tanto quando me contaram/Que a encontraram/ Bebendo e chorando/Na mesa de um bar... O insuspeito baiano Assis Valente, autor do clássico Boas Festas, criou a bela canção Boneca de Pano, que fala de uma mulher que se lasca todinha num cabaré. Era bela, ficou feia. Não confundir essa música com o bolero Boneca Cobiçada, de Bolinha e Biá. E Jamelão, hein? De batismo José Bispo Clementino dos Santos, Jamelão cantou como ninguém a dor que os cornos sentem, mas sem palavrão. No máximo a palavrinha leviana, a propósito do título de um samba canção feito por Zé Keti e Amado Régis. Ouça: LEVIANA. Se o homem sofre com a traição da mulher, é possível que a mulher sofra com a traição do homem. Na discografia brasileira, ali pelos começos do século 20, há registro de marchas, sambas e canções em que os personagens das histórias cantadas deixam em casa a “patroa” e vão marcar presença nas orgias, como a coisa mais natural do mundo. Mas aí surgem personagens femininas, poucas é verdade, fazendo o mesmo. Algumas chegam até a cansar das orgias. A portuguesinha Carmem Miranda, investida da personagem que assume, diz que inauguraram um cabaré no morro e querem que ela o frequente. Diz que não e desafia quem a convença do contrário. Numa canção de João Roberto Kelly, autor da marchinha de carnaval Cabeleira do Zezé, o cantor Jamelão interpreta um personagem que fica em casa esperando pacientemente a amada que passa as noites dançando como quer nos bailes da vida. Seu conformismo se acha quando diz que ela dança com os outros, mas o melhor dela é dele. Agora explícito ou de modo quase explícito, canta a escrachada sergipana Clemilda. No RG Clemilda Ferreira da Silva (1936-2014), começou a carreira de cantora ainda nos anos de 1960. Até então o seu estilo era leve, de intérprete de canções até folclóricas. Mas num momento qualquer dos 70/80 rompeu essa linha e partiu pra música de duplo sentido. Privilegiou os ritmos do Nordeste. Um dos seus grandes sucessos foi Prenda o Tadeu. Outros sucessos dela: O Anel do Eno, Coitadinha Da Tonheta, Seu Tuzinho, É Mais Embaixo. O fato, porém, é que a boa música popular brasileira está hoje se acovardando e dando espaço à má música popular – ou “pra pular”, sem conteúdo no formato. Reproduções por Flor Maria e Anna da Hora Assis e Nelson Goçalves

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