Edição 1.406 página 25 Agradecemos aos leitores que enviaram colaborações para recompor minimamente o nosso estoque do Memórias da Redação. Se você tem alguma história de redação interessante para contar mande para [email protected]. n n A história desta semana é de Hamilton Almeida ([email protected]), biógrafo do padre-cientista Roberto Landell de Moura, inventor do rádio, e colaborador deste J&Cia. Éramos jovens. Irreverentes, rebeldes, idealistas... Tempos da ditadura militar, após a prisão, tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOICodi, subordinado ao II Exército, em São Paulo. Herzog era professor na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), assim como Rodolfo Konder, que também foi detido e saiu com vida. Estudante de jornalismo na Faap e repórter no DCI de Aloysio Biondi, Jefferson Zanchi, inquieto por natureza e com ideias sem fim, resolveu fundar um jornal em sua cidade natal, a pacata Mococa (NE do Estado de SP), então conhecida pela indústria láctea homônima. O Formigão trilhou de maneira singela na linha da imprensa alternativa, de oposição ao regime militar, inspirado por O Pasquim, Movimento, Opinião, Versus, Coojornal... E recebeu um reconhecimento e tanto: Alberto Dines, que então publicava a coluna dominical Jornal dos Jornais na Folha de S.Paulo, escreveu que o Formigão era um “trepidante tabloide”! Jefferson reuniu amigos para a empreitada. O intuito era sacudir o município, de não mais de dez mil habitantes. Contestar tudo o que havia. A casa onde ele morava com os pais, Alcides e Regina, tinha um longo corredor, que ia da porta de entrada até os fundos. No último cômodo funcionava a redação, com uma velha Remington preta. Os textos eram montados para impressão em uma antiga linotipo de uma gráfica local, a cada 15 dias. Tudo artesanal: a busca de publicidade, a venda de porta em porta e a distribuição aos assinantes. Os voluntários não escondiam a tristeza quando viam as folhas de jornal sendo usadas para cobrir os pisos azulejados das casas. Getúlio Cardozo, hoje advogado, escreveu um texto crítico sobre os atendimentos prestados pela Santa Hamilton Almeida O Formigão Casa de Miseriacórdia (não foi erro do linotipista!). A empresa de ônibus que fazia a ligação com a capital paulista, a Nasser, era reiteradamente chamada de “canguru”, porque a viagem transcorria aos “saltos”. A alcunha se espalhou. Nas travessias noturnas para o interior, às vezes algum passageiro gritava: “Canguruuu”. A Coca-Cola colocou um anúncio de meia página no tabloide. Foi a primeira e a última vez. O Formigão publicou, ao lado da publicidade, um artigo com uma saraivada de advertências sobre os pretensos efeitos negativos da bebida à saúde. Outro alvo foi o hospício. Corriam boatos sobre o tratamento (inadequado?) aos doentes. Fui designado para ir lá como estudante de seminário. A preparação incluiu uma confabulação com um ex-seminarista de fato. Na portaria do hospício, o diálogo com as recepcionistas foi demorado. A direção, porém, foi inflexível e não me deixou entrar. O conto, no entanto, foi convincente. Ao me despedir, abençoei a todos e as mocinhas da recepção responderam em coro: “Amém”. O Formigão publicou a primeira matéria que escrevi sobre o padre Roberto Landell de Moura, inventor do rádio. A entrevista com um ex-coroinha de Mogi das Cruzes foi um furo de reportagem. Jefferson quis posar nu para a capa, com a namorada. O fotógrafo veio, ouviu a pauta, mas logo “lembrou” de um “compromisso urgente”. Saiu e não voltou mais. Um dia, sem que ninguém percebesse, a única máquina de escrever foi roubada. Foi um “agente” da ditadura? Com uma máquina emprestada, o jornal não parou. E narrou a história do roubo nunca esclarecido. O tabloide durou heroicamente um ano, até o início de 1977. Chegou a ter mil assinaturas, entregues pela pequena equipe. A falta de fôlego e alguns processos decretaram o seu fim. Capa Formigão de março de 1976
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