Jornalistas&Cia 1406

Edição 1.406 página 15 (*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo. 100 ANOS DE RÁDIO NO BRASIL Por Álvaro Bufarah (*) Em 1995, tive a oportunidade fazer uma pesquisa in loco em algumas emissoras da Rede de Rádios Italiana Popolare. A emissora foi fundada em 1977, por militantes de esquerda, sindicalistas, professores, profissionais liberais e intelectuais que acreditavam ser necessário ter emissoras de rádio “livres”, ou seja, que não tivessem o discurso das grandes corporações e buscassem dar voz às pessoas comuns. Com esse conceito, a emissora sempre realizou um jornalismo participativo e outsider diante dos meios tradicionais. Com isso, presenciei uma grande discussão, no ar, entre especialistas e ouvintes, sobre uma das encíclicas papais e seus desdobramentos na sociedade. Pode parecer pouco, mas, em um país que tem a sede da Igreja Católica com grande apoio da mídia tradicional, trazer algumas discussões com participação popular seria quase uma heresia. As participações dos ouvintes sempre foram um diferencial na programação. Não só com os apresentadores, mas com os entrevistados e até entre os próprios ouvintes. Claro que em alguns momentos o perfil passional italiano gera alguns conflitos no ar, mas nada que não seja contornável com bons argumentos. Embora a rede de emissoras seja originária no movimento sindical, não há uma vinculação com qualquer partido político ou ideologia. Com isso, tudo e todos estão sujeitos a receber críticas francas e até pouco amigáveis. A programação mescla informação, participação popular e programas variados, como documentários, entrevistas e entretenimento. Entre os programas mais conhecidos ainda está o Avenida Brasil, especialmente voltado à cultura musical de nosso país. Não podemos deixar de citar uma boa dose de humor nas transmissões, o que eleva o nível das discussões, pois o formato não é escrachado, mas, sim, sacadas inteligentes para quem acompanha o cotidiano da Itália e do mundo. A redação é uma verdadeira legião estrangeira, com pessoas de muitas nacionalidades que trabalham de forma remunerada ou voluntária na produção de conteúdo. No dia a dia, as emissoras afiliadas atuam em conjunto com a sede, que fica em Milão. Porém, essa lógica é alterada por um fato de importância nacional ou local. Pois nesse instante a emissora mais próxima do acontecimento se transforma na cabeça de rede, produzindo o material para as demais emissoras. Com isso, há uma quebra da hierarquia convencional que temos no Brasil, de que as afiliadas apenas recebem o sinal da matriz e colaboram com alguns materiais. Há uma busca por novas informações e novos pontos de vista sobre os fatos, tendo sempre o desafio de fazer jornalismo independente das corporações econômicas e da mídia de massa. Para isso, a emissora atua em duas frentes: a primeira é possibilitando o financiamento direto dos ouvintes para manter a isenção. A troca é simples: todos que gostam do trabalho ajudam a manter a estrutura funcionando e em troca recebem os conteúdos únicos da emissora e acesso a promoções, descontos e ingressos a eventos culturais de interesse. A segunda frente Radio Popolare: um bom exemplo de qualidade no rádio é a produção de spots e jingles exclusivos para os anunciantes, feitos na agência in house da emissora. Com isso, as marcas e empresas que anunciam na programação recebem peças publicitárias singulares, que só são ouvidas nas emissoras Popolare, diferenciando as campanhas de qualquer outro meio de comunicação. Além disso, cada emissora local tem autonomia para fazer promoções e desenvolver projetos, como a rádio de Bolonha, que criou um serviço denominado Bando Del Lavoro, em que os ouvintes trocam serviços entre si com ações desenvolvidas como hobbies. Assim, um professor universitário pode ganhar créditos/horas ao ser DJ em uma festa infantil. Quando ele necessitar, outro ouvinte poderá lhe servir com outro serviço, como pintura, pequenas reformas, a confecção de bolos etc., utilizando o saldo acumulado. A emissora é gerida por uma entidade que tem entre seus cotistas uma série variada de pessoas com profissões absolutamente diferentes. Uma vez ao ano eles se reúnem com os representantes das emissoras afiliadas e ficam em uma grande reunião para definirem o orçamento, investimentos, as necessidades técnicas e as possiblidades de ampliação das equipes. Tudo parece normal, mas as decisões só são aceitas se forem por consenso. Assim, o evento se transforma em uma grande tribuna para as discussões mais complexas sobre tudo o que será feito nos próximos anos. Vale ressaltar que não é simples como parece, mas a emissora consegue se manter produzindo conteúdo de qualidade utilizando as redes sociais e outras ferramentas digitais para diferenciar seu material, tornando-o cada vez mais exclusivo. Acredito que esse seja o melhor modelo para o bom desenvolvimento do negócio rádio, pois só sobreviverá que tiver qualidade e chamar a atenção do público com credibilidade. Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link. Dino Fracchia, Buenavista Redação da Radio Popolare na sede da Piazza Santo Stefano, em Milão, início dos anos 1990

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