Edição 1.404 página 56 Agradecemos aos leitores que enviaram colaborações para recompor minimamente o nosso estoque do Memórias da Redação. Se você tem alguma história de redação interessante para contar mande para [email protected]. n A história desta semana é de Zeca Pontes (José Carlos Pontes − [email protected]), atualmente vivendo em Votuporanga (SP), que atuou em diversos veículos da capital e do interior de São Paulo e foi colunista do J&Cia Auto. Dia 6 de dezembro de 1976. O Corinthians havia vencido o Fluminense em pleno Maracanã na tarde anterior. Esse dia ficou conhecido como a invasão corinthiana no Maracanã. Fazia 22 anos que o Corinthians não sabia o que era ser campeão de nada. O favorito era o Fluminense, mas o Timão venceu. Foi um delírio, pois faltava mais uma única partida, contra o Internacional. O sonho do título estava muito próximo. Eu trabalhava no jornal A Gazeta Esportiva e ao chegar à Redação lá estava a minha pauta: percorrer os cartórios e ver quantos pais registraram os filhos com nomes de jogadores do Corinthians. Lá fui eu, o motorista e o fotógrafo, que já tinha providenciado três camisas do Timão para a foto do pai, da mãe e da criança. Tudo muito bem organizado. Visitamos cartórios pela cidade e a resposta era sempre a mesma: nenhum registro com um dos nomes na semana. Ninguém havia registrado o filho com um nome de jogador corinthiano. O cansaço, a decepção e o pessimismo foram tomando conta da equipe. Até que, quase cinco horas, o motorista aponta um cartório. Olha aí, tem mais um. O fotógrafo já avisou, olhando para o relógio: − É o último. Desci do carro e fui até o cartorário, que abriu um livro e disse: − Tem um aqui que registrou o filho com o nome de Givanildo. Aleluia! Givanildo era um jogador de meio de campo que começava a se transformar em ídolo da torcida alvinegra. Anotei o endereço e fui feliz para o carro: − Vamos lá. Tem um Givanildo. Naquela época não havia GPS ou qualquer forma de localização de ruas, mas o motorista, esperto, conhecedor da cidade e com ajuda de um mapa impresso em formato de revista, foi se localizando. O lugar era longe, uma periferia sem qualquer tipo de informação de ruas ou bairro. Demorou, mas chegamos. O motorista parou em frente a um bar e falou: − É aqui. Tem que ser corinthiano Desci e me deparei com uma turma jogando bilhar. Perguntei se eles conheciam o fulano de tal. Todos apontaram para um senhor pequeno e sorriso contido. Confirmei se ele era o pai do Givanildo. Disse que sim. Falei que era do jornal e queria fazer uma foto com ele, a esposa, o filho e, claro, os amigos. Abandonaram a mesa e fomos todos para a pequena casa que ficava em um buraco. Utilizamos uma escada de madeira (dessas que pedreiro usa em construções) e chegamos até a sala minúscula e quente. O fotógrafo tomou a iniciativa, dando as camisas para o três vestirem. Fizeram poses para as fotos. Tudo ia muito bem. A matéria estava garantida. Quando o fotógrafo liberou o pessoal, chamei o pai da criança de lado para ouvir algumas palavras dele e sentir a emoção da vitória do Timão. Com um sorriso maroto e para quebrar o gelo, fiz aquela pergunta óbvia: − O senhor é corinthiano, né? Ele olhou pra mim e respondeu: − Não, eu sou flamenguista. Levei um susto. Como flamenguista? − Por que o senhor colocou o nome do seu filho de Givanildo? Veio a explicação: − É o nome do meu irmão mais velho que mora na Bahia e é um pai pra mim. Então coloquei o nome do meu filho de Givanildo. Foi uma ducha de água fria. A matéria havia “caído”. Depois de tanto sacrifício não poderia voltar de mãos abanando. Não tive escolha. Olhei para os amigos e ameacei: − Se ele for corinthiano a foto de vocês sai no jornal amanhã. Se ele não for, não tem foto nem matéria. Não precisou esperar mais que um segundo pra ouvir o grupo confirmar: − Ele é corinthiano. É corinthiano. Sempre foi corinthiano. Então combinei com ele: − O senhor é corinthiano e colocou o nome do filho em homenagem ao jogador do Corinthians. Sem escolha, ele acenou positivamente e fomos embora com a matéria garantida. No outro dia, em uma das páginas do jornal estava estampada a foto com o título no alto: “Nasce mais um corinthiano em São Paulo”. Zeca Pontes
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