Jornalistas&Cia 1404

Edição 1.404 página 29 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo A partir da segunda metade dos anos 1970, seu nome passou a aparecer como “o cara” por trás de coisas interessantes que a Folha de S.Paulo fazia para explorar as frestas abertas pela ditadura no que o governo Geisel chamava de “abertura”, ainda que “lenta, segura e gradual”. Alberto Dines, que fazia sucesso com a coluna Jornal dos Jornais, dava palestras e atribuía o mérito da iniciativa ao tal de Claudio Abramo. A página Tendências/Debates incorporava autores saídos da lista negra do regime e logo alguém indicava o nome de Claudio como seu criador. Já então no cargo de diretor de Redação, Claudio era uma estrela na vida política paulista naquele momento em que a democracia parecia estar logo ali na esquina. Escrevia com a velocidade de um teletipo. Depois de décadas como dono da Folha, Octavio Frias de Oliveira contava com admiração a habilidade de Claudio escrever a jato textos claros. E exemplificava: Claudio redigiu pessoalmente, durante o fechamento, todos os textos da edição especial da Folha sobre a morte de JK. Da manchete Juscelino morre tragicamente (o texto dizia: “O ex-presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira morreu ontem, às 18h40, num desastre no km 165 da Via Dutra, quando o seu Opala chapa RJ-VW 9326, que se dirigia para o Rio de Janeiro, se desgovernou e atravessou a pista em alta velocidade, chocando-se de frente com uma carreta.”) até a última linha da última página da Ilustrada, que destacava: “O ex-presidente morre num mês vincado, na história brasileira, pelos acontecimentos infaustos: o suicídio de Vargas, em 1954, a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e agora, seu trágico passamento”. Por tudo isso, foi um choque ler em um editorial de Mino Carta em sua recém-nascida revista IstoÉ, no final de 1977, a notícia de que ele havia sido afastado do cargo de diretor de Redação da Folha por uma intervenção da ditadura no jornal, pela ousadia de ter defendido o cronista Lourenço Diaféria, deixando em branco o espaço de sua coluna de crônica no dia em que foi preso pela ditadura. [Sobre o episódio, ainda há muito que esclarecer. Mas fundamentalmente, Diaféria escreveu uma crônica comentando o episódio em que um militar se jogou na jaula de ariranhas do zoológico para ajudar uma criança e foi morto pelos animais depois de salvá-la. No texto, de tom tão emocional quanto demagógico, Diaféria disse que aquele militar era um herói, diferentemente do Duque de Caxias, em cuja estátua, na Praça Princesa Isabel, em São Paulo, as pessoas faziam xixi... O Duque é o fundador do Exército brasileiro, que naquele ano de 1977 governava o País em um regime ditatorial capaz de todo tipo de brutalidades. Por muito menos, apenas dois anos antes, o jornalista Vladimir Herzog tinha sido torturado e morto. Na Folha, as testemunhas da história diziam que Abramo não gostou da crônica, mas ficou indignado com a prisão de seu autor. No dia seguinte, quando discutiram o que fazer para denunciar a prisão de Diaféria, alguém propôs publicar a capa da Ilustrada com o espaço de Diaféria em branco, com uma nota no pé dizendo que o autor tinha sido preso. Segundo uma versão, Abramo se opôs, mas foi “voto vencido” (quem conhece a hierarquia do jornal sabe o que isso quer dizer: só poderia ter ocorrido se o dono, Octavio Frias de Oliveira, tivesse aprovado). O regime militar vivia uma disputa de poder entre a linha dura e a turma de Geisel, que tinha pouco tempo antes demitido do comando do Exército o general Silvio Frota, um golpista que tinha como chefe de gabinete um oficial chamado Augusto Heleno. A provocação do jornal não passou pela goela da linha dura. O general Hugo Abreu, ministro do governo Geisel, ligou para o jornal e fez uma chantagem: a Folha deveria recuar e se retratar ou o governo divulgaria as contas do jornal no exterior, e processaria a empresa, o que levaria a uma intervenção federal (embora fosse comum entre empresas importadoras e exportadoras, como era o caso de papel jornal,

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