Jornalistas&Cia 1404

Edição 1.404 página 22 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo − O Adilson não está. − Como não está? Chame o Adilson, já! Era uma ordem. Mas o tom peremptório fez meu sangue subir para a cabeça e retruquei: − Já disse, Adilson não está! − E você sabe quem está falando? − Sei. E o senhor sabe quem está falando aqui? − Não. − Nem vai saber... E desliguei o telefone. No instante seguinte, imaginei Claudio entrando possesso na redação vazia e me demitindo. Mas isso não aconteceu – felizmente ele estava em casa. No dia seguinte, contei a história ao Adilson, que deu risada e recomendou que eu fosse menos intempestivo. Conselho que me valeu anos mais tarde, nos vários plantões em que atendi a chamadas do dr. Roberto Marinho, na redação carioca de O Globo, em que o dono do jornal pedia para ler a primeira página de alto a baixo e sugeria pequenas alterações pontuais – não havia nem fax em Angra dos Reis, onde ele passava os finais de semana. Outra história, contudo. Voltando ao Claudio, saí do anonimato ao assumir a chefia da sucursal do Opinião, no lugar de Vladimir Herzog, no início de 1975. Vlado foi para os EUA e me indicou como substituto. Na volta, desistiu do posto, já conversando com a TV Cultura para assumir o Jornalismo. Tenho a vaga lembrança de Claudio em alguma reunião de pauta do jornal, que acontecia no Cebrap, com a equipe toda do centro: FHC, Gianotti, Chico de Oliveira... Pouco depois deixei a Folha para assumir a Chefia de Reportagem da TV Cultura, Vieram as prisões do PCB, a morte do Vlado, a reação da sociedade e para mim, o desemprego. De volta às redações, acolhido no Jornal da Tarde por Ruy Mesquita, durei pouco no emprego. Em seguida retornei à Folha, onde Claudio e Otavio Frias Filho avançavam no processo de modernização do jornal. E que sofreu um grave solavanco com o episódio da reação militar a uma crônica de Lourenço Diaféria, sobre a estátua do Duque de Caxias e os pombos. O colunista foi preso, a Folha publicou um espaço em branco e Claudio acabou substituído por Boris Casoy. Quando voltou de um período no exterior, Claudio me indicou para Mino Carta, que montava o Jornal da República e ele próprio embarcou no projeto, que pretendia criar um jornal moderno e influente e não durou muito, embora tivesse uma equipe competente. No final de 1979, semanas antes do Jornal da República encerrar suas atividades, decidi mudar para o Rio de Janeiro, por razões pessoais. Claudio, mais uma vez, entrou em cena e abriu as portas de O Globo, onde fui coordenador de sucursais e repórter especial. Voltei a encontrá-lo na Folha em 1984, já em plena ebulição do chamado Projeto Folha – ele escrevendo a coluna da página 2. Foi o tempo das Diretas e Claudio esteve na maioria dos comícios. Aos poucos, fomos nos tornando quase amigos, como já disse. Quando li A Regra do Jogo minha admiração por ele só aumentou. Há um trecho que não esqueço e deveria ser uma espécie de minimanual de jornalismo: “Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão. Suponho que não se vai esperar que, pelo fato de ser jornalista, o sujeito possa bater carteira e não ir para a cadeia. Onde entra a ética? O que o jornalista não deve fazer que o cidadão comum não deva fazer? O cidadão não pode trair a palavra dada, não pode abusar da confiança do outro, não pode mentir. No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para poder fazer opções e olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar qualquer coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista”. Claudio Abramo em 1985 Sérgio Tomisaki/Folhapress

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