Jornalistas&Cia 1404

Edição 1.404 - 5 a 11 de abril de 2023 Crucial Imprescindível Fundamental Jornalista www.textual.com.br DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo n A Associação de Jornalismo Digital (Ajor), que representa mais de 100 veículos associados, publicou uma nota na qual defende que as plataformas digitais remunerem os veículos jornalísticos pelo conteúdo produzido e compartilhado na internet. A entidade defende a criação de um fundo setorial de fomento ao jornalismo, por meio de mecanismos transparentes de distribuição de recursos e com incentivo às pequenas e médias mídias. u “A negociação direta entre empresas de mídia e plataformas digitais, sem transparência sobre valores e critérios, concentra poder nas próprias big techs e termina por beneficiar grandes conglomerados de comunicação”, destaca a entidade. “Veículos médios e pequenos muitas vezes não conseguem sentar à mesa; quando conseguem, têm um poder de barganha muito menor e negociam no escuro”. u A Ajor aborda também o Projeto de Lei 2630/2020, mais conhecido como o PL das Fake News, que está em tramitação na Câmara. Justamente a regulamentação das plataformas digitais é discutida no PL. “É necessário implementar um mecanismo de governança intersetorial, com a participação de governo, empresas jornalísticas e sociedade civil organizada, com diretrizes claras que priorizem o jornalismo de interesse público, a pluralidade e o fomento à inovação”, diz a Ajor. u Leia a nota na íntegra. O sobrenome Abramo foi um dos mais importantes da intelectualidade brasileira no Século XX, fruto da presença marcante dos integrantes de uma família convictamente de esquerda na Cultura brasileira. Sobre Claudio diz o verbete do Wikipedia: “Filho mais novo de Vincenzo Abramo e Iole Scarmagnan, era neto do anarquista italiano Bortolo Scarmagnan e parte de uma família muito influente na arte, na imprensa e na política brasileira. Irmão do gravador Lívio Abramo, dos jornalistas Athos Abramo e Fúlvio Abramo, da atriz Lélia Abramo, de Beatriz Abramo e Mário Abramo. Foi casado com Hilde Weber, chargista, com quem teve um filho: Claudio Weber Abramo. Mais tarde, casou-se com Radha Abramo, crítica de arte e também sua prima, com quem teve duas filhas: a socióloga Barbara Abramo e a jornalista Berenice Abramo”. Era, ainda, tio de Perseu Abramo, outro jornalista da mesma cepa ideológica, que militou até a morte no Partido dos Trabalhadores, sendo hoje nome da Fundação criada pelo PT para formar novos quadros políticos. Em meio a essa família estelar, pode-se dizer que Claudio foi um sol, tal o esplendor de sua passagem pelo jornalismo brasileiro e tal a lenda que se criou em torno de seu nome, ainda hoje reverberando em várias gerações profissionais. Quis o destino que ele nascesse em 6 de abril, véspera do Dia do Jornalista, e que essa fosse a sua vocação inconteste. Agora, no centenário de seu nascimento, nada mais justo e oportuno do que resgatar um pouco do que foi a sua passagem por essas plagas tropicais do Hemisfério Sul. Conduzido pelo experiente e talentoso Luiz Roberto Serrano – ele próprio contemporâneo e por um período colega de trabalho de Abramo –, este especial de Jornalistas&Cia, que celebra o Dia do Jornalista, começa com uma declaração de eterna amizade do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e finaliza com uma “crônica” de Leão Serva, contando como foi o convívio com esse monstro do jornalismo brasileiro nos tempos de Folha. A edição traz também os olhares de Alexandre Gambirásio, Albino Castro, Eduardo Ribeiro, Fernando Morgado, Fernando Rodrigues, Jânio de Freitas, José Maria dos Santos, Juca Kfouri, Luís Nassif, Mino Carta, Nair Keiko Suzuki, Paulo Markun, Pedro Cafardo, Ricardo Kotscho e Roberto Müller Filho. É o nosso presente aos jornalistas brasileiros, no seu dia! Nossos sinceros agradecimentos também às organizações e marcas que apoiaram essa celebração. Boa leitura! Eduardo Ribeiro e Wilson Baroncelli Claudio Abramo: centenário de nascimento de uma lenda do jornalismo brasileiro Cem anos atrás, na véspera do Dia do Jornalista, nascia Claudio Abramo, que viria a ser um dos grandes, para muitos o maior de todos Claudio Abramo em 1987 Ajor defende que plataformas digitais remunerem veículos pelo conteúdo 7 DE ABRIL

Edição 1.404 página 2 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Claudio Abramo foi o responsável por transformar e dar relevância nacional aos mais importantes jornais de São Paulo O que comentaria o jornalista Claudio Abramo sobre o estado atual, a qualidade, da imprensa brasileira? Nascido há um século (6/4/1923), Abramo foi um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros, senão o mais brilhante, da segunda metade do século XX, tendo liderado na sua caminhada, primeiro, a modernização de O Estado de S. Paulo e posteriormente a transformação da Folha de S.Paulo, dois dos principais jornais do País. Um feito notável pela importância dos dois jornais no Brasil, ao que se somou uma intensa participação no debate político, sempre defendendo ideias progressistas, de esquerda. A história de Abramo aponta que ele, possivelmente, manifestaria espanto diante da cacofonia que se estabeleceu na comunicação, especialmente jornalística, desde a proliferação endêmica das redes sociais. Um espaço em que convivem os esforços informativos sérios das empresas de notícias, de portes variados, com a explosão das fake news que fazem a cabeça e motivam parcelas significativas das populações all over the world e em nosso País. Arrisco dizer que ficaria horrorizado diante do espaço que as redes ocupam no universo informativo, em detrimento da acuidade e seriedade do jornalismo sério. Passemos, como costumava escrever Abramo em seus artigos. “Ele foi o melhor de todos nós” Por Luiz Roberto Serrano (*) Claudio Abramo Uma família trotskista e ativa Este relato, escrito por Claudio Abramo no livro A Regra do Jogo, sobre sua vida, certamente define os caminhos de suas carreira jornalística e ação política: “Tive uma formação clássica humanística. Cresci numa família de revolucionários; meu avô era anarquista, todos os meus irmãos eram trotsquistas. Sou autodidata, não frequentei escola. Em 1935, com a repressão do Estado Novo, minha família se espalhou. Alguns irmãos tiveram que se esconder, outros saíram do País, outro foi preso. Só muito tempo depois, em 1945, é que a família se juntou novamente. Por isso, não pude ir à escola; só fiz o Grupo Escolar, e um curso secundário muito precário, que abandonei sem terminar. (...) Mas li muito, desde menino, e sempre frequentei pessoas que me ajudaram intelectualmente. (...) Minha família era formada de gente culta”. (*) Luiz Roberto Serrano, que teve grande vivência em redações (em Veja, Exame, IstoÉ, Gazeta Mercantil e Valor Econômico, entre outras) e na comunicação corporativa, foi até 2022 superintendente de Comunicação Social da USP, na gestão do reitor Vahan Agopyan, e ali continua com outras atribuições, especialmente junto ao Jornal da USP.

Edição 1.404 página 4 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Foram irmãos de Claudio o gravador e ilustrador Lívio Abramo, que se instalou no Paraguai; a atriz Lélia Abramo; o jornalista Fúlvio Abramo; e o crítico e diretor de teatro Athos Abramo. Foi tio de Perseu Abramo, que dá o nome à fundação de estudos do Partido dos Trabalhadores. Todos com forte presença no jornalismo, na política e nas artes do País. Depois de várias andanças no início da vida profissional, Abramo desembarcou, em meio à década de 1940, como colaborador no jornal O Estado de S. Paulo, o Estadão, herdeiro de A Província de S. Paulo, que fora defensora intrépida da Proclamação de República e que era comandada por Júlio de Mesquita Filho, um dos ilustres membros da elite do Estado. Os Mesquita retomavam o comando do jornal, que sofrera intervenção por parte do governo, então ditatorial, de Getulio Vargas, vindos do exílio em Portugal. Arejando o antigo Estadão Ao cair nas graças do comandante do jornal, depois de inúmeras reportagens sobre problemas brasileiros e cursos na Europa, após ser contratado Abramo ascendeu à Secretaria Editorial do jornal. A redação tinha feudos, como a editoria de Economia, chefiada pelo austríaco Frederico Heller, ou a de Internacional, pelo italiano Gianinno Carta (ou Giani), pai do então jovem Mino Carta (que também viria a se tornar um dos principais jornalistas do País). Abramo enfrentou a remodelação da produção gráfica do jornal, abriu as portas para uma nova geração de jornalistas, oxigenando a produção de reportagens e matérias. Era um período em que a capital brasileira ainda era o Rio de Janeiro, na qual pontificavam jornais como Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal do Brasil − cuja importância ainda cresceria −, Última Hora, neste caso com as edições carioca e paulista que apoiavam solitariamente Getulio Vargas, até este se suicidar em 1954, em função da oposição conservadora e militar. Uma das coberturas marcantes que Abramo comandou no Estadão foi a da inauguração de Brasília, que em meio a muita polêmica durante sua construção, liderada por Juscelino Kubitscheck, passou a sediar a Capital do País. Abramo, que era a favor da nova capital, contrariamente à opinião dos Mesquita, deslocou uma equipe para Brasília, que voltou a São Paulo escrevendo as matérias no avião, cujos espaços estavam previamente diagramados. Entre outras modificações, Abramo passou a concentrar as matérias sobre o Brasil na última página do jornal, já que a primeira, refletindo a visão de mundo de Júlio de Mesquita, só abrigava as internacionais, esquema que foi modificado paulatinamente. O Estadão passou a dominar o mercado paulista, onde concorria com Diários Associados, A Gazeta, Folha de S.Paulo, Última Os irmãos Abramo: a partir da esquerda, Lívio, Lélia, Fúlvio, Athos e o sobrinho Perseu Claudio (dir.) com o então presidente Juscelino Kubitscheck

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Edição 1.404 página 6 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Hora... A rádio do grupo, a Eldorado, também ganhava importância. Os ventos políticos, com a radicalização da direita contra o governo João Goulart, gerou um clima de desgaste entre Abramo e a família Mesquita, pois Júlio era um dos principais conspiradores em torno do que viria a ser o golpe de 1964. Abramo e Fúlvio, seu irmão que dirigia a Eldorado, este também por dirigir uma greve de jornalistas em 1961, acabaram afastados do Estadão. Foi uma época em que se concentrava exclusivamente no trabalho, lembra ele em seus relatos no livro A Regra do Jogo. ”Tinha um magnetismo muito forte”, lembra o jornalista Alexandre Gambirasio, que trabalhou com ele no Estadão e o acompanhou mais tarde na Folha de S.Paulo. “Certa vez, no Estadão, voltando de uma reportagem especial, foi cercado pelos colegas no meio da redação, ávidos por um relato, até ser interrompido por um incomodado Ruy Mesquita, um dos filhos de Júlio Mesquita, conclamando todos a voltarem a trabalhar”. Para Gambirasio, Claudio Abramo era brilhante, espirituoso e os donos do jornal tinham ciúmes. Assessoria ao conservador Carvalho Pinto Não faltaram convites para ele dedicar-se a algum outro veículo quando saiu do Estadão. Eram tempos politicamente acirrados. O Brasil era governado pelo petebista João Goulart, herdeiro de Getulio Vargas. Como a história registra, Jango, então vice-presidente do Brasil, enfrentou forte resistência dos militares ao suceder o udenista Jânio Quadros, que renunciou acusando “forças ocultas” de serem contra suas erráticas políticas. Naquela época, presidente e vice-presidente da República podiam ser eleitos por partidos diferentes. Abramo foi convidado por Samuel Wainer, criador do já citado Última Hora nos anos 1950, sob impulso de Getulio Vargas, a dirigir os jornais do grupo, mas não chegou a um acordo. Trabalhou no jornal A Nação, que fazia parte de um grupo de publicações de pequena repercussão, criado pelo empresário Mário Wallace Simonsen, dono da empresa aérea Panair do Brasil e da TV Excelsior, simpático ao governo Goulart, que acabou se tornando inviável. Nesse cenário politicamente tumultuado, o conservador ex-governador de São Paulo, Carvalho Pinto, foi convidado por João Goulart a ser seu Ministro da Fazenda, uma tentativa de aplacar as críticas da direita à sua administração, e carregou Claudio Abramo como assessor – mas a permanência dos dois no governo durou pouco. Abramo ainda desenvolveu conversas com Goulart e sua equipe, em especial Darcy Ribeiro, que queriam levá-lo novamente para Brasília. Mas deu-se, então, o golpe de 1964... Um ano depois, o empresário Octavio Frias de Oliveira, que tocava a Folha de S.Paulo desde que a adquirira em 1962, chamou-o para uma segunda conversa − a primeira fora em vão − e o contratou para analisar as edições do jornal − de longe, baseado na empresa de Frias, a Transaco. Dinâmico, operando em inúmeros ramos, Frias chamava para empurrar seu jornal a ganhar relevância no mercado Alexandre Gambirasio Folhapress

Pauta de hoje: vocês. Parabéns, jornalistas. A Vivo acredita que a conexão e a informação são ferramentas poderosas para transformar e aproximar as pessoas. E, por isso, agradece pelo trabalho de vocês em levar conhecimento para todos. Para mais informações, condições, disponibilidade de cobertura e aparelhos compatíveis, consulte www.vivo.com.br/5g. vivo.com.br/5g App Vivo

Edição 1.404 página 8 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo o jornalista que modernizara o Estadão, cujo passado trotskista e simpatia pelo então Partido Socialista conhecia. De um jornal anódino a muito influente A Folha de S.Paulo − na época em ascensão no mercado paulista, com um esquema de distribuição rápido para o interior do Estado, a partir de sua sede na Alameda Barão de Limeira, no centro de São Paulo − era politicamente anódina, sem editoriais, sem artigos opinativos e críticos ao momento politicamente fechado que o País vivia. Claudio Abramo, finalmente introduzido na redação, primeiro como chefe de Produção e depois como diretor de Redação, começou a modernizá-la, contratando gente nova, como o já citado Alexandre Gambirasio, entre outros, que viriam a se destacar na profissão com o correr do tempo. Um deles foi Roberto Müller Filho, futuro editorchefe de a Gazeta Mercantil, jornal que, por ele liderado (hoje já fora de circulação por causas variadas), criou uma nova e competente cobertura da economia brasileira, inspirada em modelos como o inglês Financial Times. O ribeirão-pretano Müller, formado em Química Industrial, trabalhava na Companha Siderúrgica Paulista, Cosipa, em Cubatão, no litoral de São Paulo. Foi preso, acusado de subversão depois do golpe de 1964, ficando detido no navio Raul Soares, em Santos, onde os esquerdistas da região eram recolhidos. Nas suas andanças pós-soltura, foi contratado como repórter na Folha de S.Paulo. Incluído em uma lista de demissões, foi preservado no emprego quando Abramo tomou conhecimento de sua história. Foi um gesto revelador de um estilo de liderança. Estabeleceu-se ali um relacionamento inabalável. “Devo a ele tudo o que aprendi na profissão”, disse-me Müller em entrevista sobre Abramo. O encontro de Nova York Fundamental foi a participação de Abramo no processo de transformar a Folha de S.Paulo em um dos jornais mais influentes do País, a partir da metade dos anos 1970, na esteira do projeto de abertura “lenta, gradual e segura” do regime político brasileiro patrocinado pelo governo do general-presidente Ernesto Geisel. Artigo no UOL do cientista social Carlos Melo, atualmente professor do Insper, traz à tona uma conversa dele com Otávio Frias, filho de Frias: o general Golbery do Couto e Silva, que viria a ser chefe de Gabinete Civil do futuro presidente Ernesto Geisel, conversara, no Rio de Janeiro, com seu pai, sobre os planos de abertura política que estavam no horizonte do futuro governo. E nessa conversa sugerira que seria interessante, para robustecer a abertura política, que a Folha ganhasse importância em São Paulo, dominado jornalisticamente pela tradição de O Estado de S. Paulo. Vale observar que Mino Carta, então diretor de Redação da revista Veja, teve conversa semelhante com o general Golbery, a qual deve ter-se estendido a outros comandantes de jornais brasileiros. O impulso mudancista no comando da Folha foi chancelado no conhecido “encontro de Nova York”, no qual Claudio Abramo, Frias e seu filho Otavinho debateram como implementar o processo de transformação da Folha em um jornal com peso político, tendo em vista a abertura do regime. Nasceu, então, o design das páginas 2 e 3 do jornal, desenvolvido por Abramo, com artigos de jornalistas de Brasília, Rio de Janeiro e, claro, São Paulo, um editorial e artigos de personalidades da sociedade civil. A Roberto Muller Filho Octavio Frias Filho com o filho Otavinho, em 2006

Edição 1.404 página 10 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo imersão da persona de Abramo na sociedade civil brasileira, então em ebulição, certamente alimentou a importância e a repercussão desse espaço. Jornalistas renomados foram atraídos por ele ao jornal, como o polêmico Paulo Francis, que escrevia dos EUA, e Alberto Dines, que fora defenestrado pelo Jornal do Brasil no começo dos anos 1970. A abertura política caminhava, mas... Um sargento do Exército foi morto por uma ariranha ao tentar salvar uma criança que caíra em seu poço no Zoológico da Brasília. O cronista Lourenço Diaféria escreveu uma coluna (Herói. Morto. Nós.) em homenagem a ele na Folha em que dizia, entre outras coisas: “Prefiro esse sargento herói ao Duque de Caxias (...), um homem a cavalo reduzido a uma estátua. (...) O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal”. A estátua do Duque de Caxias fica na praça Princesa Isabel, no centro da São Paulo, perto da Folha de S.Paulo. De Brasília, o chefe de gabinete do presidente Geisel, reclamou, por inspiração do general Silvio Frota, comandante do I Exército, candidato à sucessão presidencial. Diaféria, que não tinha nenhuma militância política, foi preso por uns dias. O jornal publicou sua coluna em branco, o que também desagradou o governo. “Lembro do Frias e do Claudio descendo à redação, lívidos, para acompanhar o que acontecia”, recorda Gambirasio. Ao fim e ao cabo, Abramo, que se posicionara contra a publicação da coluna em branco, acabou afastado do comando da redação. De Londres e de Paris Uma temporada como correspondente na Europa, a convite de Frias, primeiro em Londres e depois em Paris, estadia da qual relembraria depois com certo fastio, afastou-o do País temporariamente. Várias das matérias que escreveu nessa época, sempre em tom crítico, estão publicadas no livro A Regra do Jogo. Abrigou-se, quando voltou, como articulista na revista Senhor e, posteriormente, na semanal IstoÉ, dirigidas pelo amigo e também brilhante jornalista Mino Carta. Abramo abrira-lhe espaço na Folha de S.Paulo em 1976, como repórter especial, depois do seu afastamento da direção de Redação da então poderosa Veja, por pressão do então ministro da Justiça, Armando Falcão, no governo Geisel. Foram gestos de apoio que refletiam a sólida amizade e admiração profissional que se desenvolveu entre os dois desde que Mino Carta visitava seu pai, Giani Carta, editor de Internacional de O Estado de S.Paulo, na época em que Abramo dirigia o jornal. A dupla voltou a trabalhar junta no Jornal da República, lançado por Mino Carta em 1980, no qual Abramo escreveria uma coluna sobre política nacional na primeira página. Lembro-me (eu trabalhava na IstoÉ, cuja redação ficava um andar abaixo, sendo as duas interligadas por uma escada) que certo dia Abramo escreveu uma coluna crítica contra o então presidente José Sarney e declarou que passaria a escrever só sobre temas internacionais, o que provavelmente enfraqueceria a repercussão do espaço. Embarque para Paris – 1971 Reprodução Claudio e Mino Carta, na redação do Jornal da República

Edição 1.404 página 11 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo O jornal durou apenas meses, não tendo força para enfrentar o duopólio Folha/Estadão. Abramo saiu antes do fechamento. Eu, por acaso, estava perto da sala de Mino quando Claudio se aproximou da porta e disse “Tchau velho...”, enquanto seu amigo escrevia concentradamente um texto à máquina... Abramo voltou a escrever o comentário de São Paulo na página dois da Folha de S.Paulo, espaço opinativo como os demais que, como já relatado, criara no jornal em meio à década de 1970, quando a publicação decolara para a relevância no cenário nacional. Continuava participando, como pessoa física, das discussões políticas numa sociedade brasileira em permanente ebulição. (Com relação a isso, vale assistir à palestra que ele deu no curso de extensão promovido pela Unicamp, em parceria com a Prefeitura de Campinas, em 1987.) Quando faleceu, de mal súbito, em 1986, estava lendo jornal ao tomar café da manhã. Foi homenageado com direito a velório no salão nobre da Assembleia Legislativa de São Paulo. “O melhor de todos nós” “Ele foi o melhor de todos nós”, me disse, emocionado, Roberto Müller Filho. “Foi o maior de todos”, concordou Alexandre Gambirasio. No prefácio do livro A Regra do Poder, Mino Carta define Claudio Abramo: (...) ”Ele foi um dos poucos, o melhor a meu ver, habilitados a criar órgãos de imprensa. Digo, capacitados à visão global de um jornal, à sua concepção como um todo, o que exige características muito próprias. Claudio tocava qualquer instrumento da orquestra, mas sobretudo sabia www.tramaweb.com.br | (11) 3388-3040 | (11) 93208-6432 TU DO EM TODO O LUGAR AO MESMO TEMPO TOP 5 ENTRE AS AGÊNCIAS DE COMUNICAÇÃO CORPORATIVA REGIÃO SUDESTE | RANKING MEGA BRASIL

Edição 1.404 página 12 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo regê-la. Conhecia as esquinas do efêmero, mas não se perdia na perspectiva do perene.” (...) ”Jornalistas como Claudio conhecem de cor e salteado a gravidade de sua tarefa e a cumprem com ceticismo na inteligência e otimismo na ação, reservando-se o direito de manterem aceso o espírito crítico, como uma lâmpada votiva.” Em Razão de Viver, Claudio Abramo delineia, com clareza, como cita mais à frente o colega Paulo Markun, a ética que deve guiar a atividade jornalística na busca de bem informar a sociedade, debater seus problemas, prática que tem sido renegada, até atropelada, pela erupção de mentiras despejadas por parcelas significativas, e indesejáveis, das redes sociais e seus aproveitadores. Uma definição que continua válida nestes tempos em que o jornalismo apresenta tantas novas facetas, formatos, meios de transmissão – mas continua jornalismo. Claudio, na redação da Folha Dialogar para convergir para transformar Febraban segue investindo no diálogo que conecta, impulsiona e gera valores para a sociedade, com o propósito de contribuir para o desenvolvimento econômico, social e sustentável do país. febraban.org.br

Edição 1.404 página 13 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Claudio Abramo dá nome a uma praça que fica na confluência das ruas Turquia e Itália, no bairro paulistano do Jardim Europa. Nela está instalada uma escultura em bronze em homenagem a ele, O Jornaleiro, de Domenico Calabrone. Homenagem

Edição 1.404 página 14 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Claudio, por vários ângulos Conversei com diversas pessoas que conviveram com Claudio Abramo ou o têm como referência. A seguir, os depoimentos: Foi um grande jornalista, mudou a Folha de S.Paulo, mudou o modo mesmo de encarar a vida política no Brasil Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República Eu fui amigo do Claudio. Por quê? Porque a Radha era minha colega de colégio e ela casou com o Claudio. Eu conheci bastante o Claudio, ele era uma pessoa excepcional. Primeiro, porque não tinha papas na língua, dizia o que passava na cabeça naquele momento. E dizia com força, com a força expressiva que ele tinha. Foi um grande jornalista, mudou a Folha de S.Paulo, mudou o modo mesmo de encarar a vida política no Brasil. Acho uma coisa muito importante que se homenageie o Claudio Abramo. (Veja a fala de FHC em vídeo)

Edição 1.404 página 15 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Sempre indignado com a ignorância e a má-fé Ricardo Kotscho, colunista do UOL Só tive a oportunidade de trabalhar ao lado de Claudio Abramo numa redação nos poucos meses de 1979 que durou o Jornal da República, do Mino Carta. Ambos foram revolucionários na imprensa brasileira. Mino, ao criar algumas das mais icônicas publicações do País, e Claudio, por reformular os dois principais jornais de São Paulo, Folha e Estadão, onde trabalhei por longos períodos. Mas foi o tempo que bastou para conhecer melhor o Claudio Abramo, tão temido como respeitado nas redações. Como ele não dirigia automóveis, só redações, a exemplo do Mino, fui encarregado de dar carona pra ele na volta para casa após o fechamento do jornal. O grande mestre pouco falava dele. Estava mais preocupado com os rumos do País, ainda sob a ditadura militar que o perseguiu, e do jornalismo nativo, sempre indignado com o que acontecia, com a ignorância e a má-fé. Claudio, como Mino, nunca se conformava com o mais ou menos, “foi o que deu pra gente fazer”. Eduardo Knapp/Folhapress

Edição 1.404 página 16 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Um tirocínio essencial José Maria dos Santos, jornalista O tirocínio de Claudio Abramo foi essencial para plantar o sucesso do Projeto Folha como o conhecemos hoje. Naqueles tempestuosos anos pós64, teve a maturidade e, é claro, talento jornalístico para fazer um jornal nos limites da frágil liberdade permitida pela ditadura – a chamada ditabranda, que Pareciam criados na mesma escola de exigência e precisão com o caráter das pessoas, acima de tudo. Os dois formaram gerações de jornalistas e, para mim, é difícil falar de um sem falar do outro. Com eles aprendi a ser um repórter e cidadão melhor e a vestir a camisa da empresa onde trabalhava, colocando o trabalho acima de tudo, até na hora do almoço e do jantar que viravam reuniões de pauta. Sem querer ser saudosista, o fato é que já não se fazem mais Claudios e Minos como antigamente para orientar a garotada. Eles foram os últimos comandantes-em-chefe de redações. Zanoni Fraissat/Folhapress

Edição 1.404 página 17 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo seria destroçada pelo AI-5 − sem perder a dignidade e nem o compromisso democrático devido à falta do poder de fogo que não faltava ao Estadão. Não poderia estampar sucedâneos de versos dos Lusíadas ou das receitas culinárias que substituíam matérias censuradas na Casa dos Mesquita sem experimentar o risco de portas fechadas ou retaliações estranguladoras. (Talvez o humor refinado do escritor Luís Fernando Veríssimo esclareça melhor aquela realidade. Ele escreveu que os gaúchos, quando iam mais demoradamente ao banheiro, levavam o Correio do Povo, o “Estadão de Porto Alegre”, para ler. De certo modo, é pertinente lembrar que o Estadão podia cumprir idêntico papel entre os paulistas, patamar que a Folha ainda buscava). A cobertura do efervescente movimento estudantil naqueles idos de 1960, principal resistência a se levantar, constituiu, no meu entendimento, um atestado de habilidade político-jornalística da gestão Abramo. A partir daquela jornada, a Folha passou a ser abraçada pela comunidade acadêmica, em consonância com os jovens universitários agregados em passeatas e acampamentos de protestos pelo País, algo que pesaria na sua futura expansão. Claudio soube entender e processar todo aquele cenário. Penso que o Grupo Folha deva erguer um busto de Claudio Abramo no saguão para historiar reconhecimento. Victor Civita mandou chumbar no salão de entrada da Avenida Marginal a impressora Weber que trouxe dos Estados Unidos para imprimir O Pato Donald que plantou o Império Abril. (NdaR: Zé Maria foi quem trouxe a J&Cia a informação e a ideia de homenagear Claudio Abramo pelo seu centenário de nascimento)

Edição 1.404 página 18 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Atuação muito marcante na Folha Fernando Rodrigues, diretor de Redação do Poder360 Infelizmente, quando comecei na Folha, em meados dos anos 1980, eu não tinha contato direto com Claudio Abramo. Mas a atuação dele no jornal foi muito marcante e todos nós sabíamos dar o devido peso a isso. O livro A Regra do Jogo é atualíssimo quando Abramo elabora sobre a ética do marceneiro e o jornalismo. Tive depois o prazer de trabalhar diretamente com o filho dele, Claudio Weber Abramo, de quem me tornei amigo e admirador. Outro grande jornalista que nos deixou muito cedo, em 2018. No trânsito, escolha a vida! Novo Virtus Sua próxima grande escolha Assim como os nossos carros levam as pessoas, os jornalistas nos guiam por meio da informação. Neste Dia do Jornalista, a Volkswagen do Brasil homenageia aqueles que dirigem os fatos. Parabéns!

Edição 1.404 página 19 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo “Passou a me incluir nas conversas” Nair Keiko Suzuki, jornalista Em janeiro de 1975 eu trabalhava na sucursal de São Paulo do Jornal do Brasil. Alexandre Gambirasio, que se preparava para assumir a Secretaria de Redação da Folha de S.Paulo, me convidou para ser chefe de Reportagem de Economia do jornal. Contei a ele que eu estava de casamento marcado para 14 de junho daquele ano. Ele disse que não haveria problema e me concedeu até uma folga de dez dias, como lua de mel. Nos oito anos em que trabalhei na Folha tive meus dois filhos, uma menina em 1977 e um menino em 1979. Quando estava grávida do segundo filho, tomei o mesmo elevador que o Claudio Abramo, então diretor de Redação, que olhou para a minha barriga e perguntou: “A senhora tem dois

Edição 1.404 página 20 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo filhos por ano?” Fiquei indignada e respondi: “Não, senhor, minha filha já está com quase dois anos”. O Claudio empinou o nariz e continuou a me ignorar na redação. Numa outra passagem, que relatei na seção Memórias da Redação do Jornalista&Cia, em julho de 2017, Claudio Abramo não me deixou editar a seção de Economia no dia em que o editor Pedro Cafardo estava em férias e o subeditor, Rubens Barbosa de Mattos, estava de cama, com gripe. Apesar de o secretário de Redação Emir Nogueira ter me pedido para assumir a edição mesmo depois de ter concluído o meu trabalho do dia, de chefia de reportagem da Economia, Claudio foi pedir ajuda ao editor da Internacional, Pedro Del Picchia. Este cedeu seu sub, Flávio Nascimento, para fechar as páginas de Economia daquele dia e a minha ajuda foi dispensada. Meses depois, Claudio Abramo pediu a Pedro Cafardo que preparasse, para sair como editorial do jornal, uma cronologia de um caso de denúncia ambiental levantada pelo correspondente da Folha em Paris, J.B. Natali. Era um escândalo que vinha sendo publicado havia alguns dias, com ampla repercussão. Quase na hora do fechamento da edição do dia e sem mão de obra disponível, Pedro me pediu para atender ao pedido do Claudio. Fui ao arquivo, levantei o material e montei a cronologia. No dia seguinte, Pedro me contou que Claudio achara o trabalho muito bom e decidiu publicá-lo na íntegra, incluindo no editorial apenas um texto curto de abertura. A partir daí, Claudio Abramo passou a me cumprimentar sempre que nos encontrávamos e a me incluir nas conversas com os colegas que apreciava. Chegou a me confidenciar que estava orgulhoso porque o editor Pedro Del Picchia havia colocado no filho o nome Claudio, em homenagem a ele.

Edição 1.404 página 21 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo “Um armistício consigo próprio” Paulo Markun – colunista do UOL Claudio Abramo foi meu chefe na Folha, colega de redação no Jornal da República e quase amigo depois disso. Digo quase amigo porque Claudio era cordial e elegante, mas pouco chegado a certa proximidade. E eu, de certo modo, também nunca fui além de certos limites. Nem durante o curto e agradável período em que namorei (acho que ele nunca soube) a filha Berenice. Na verdade, meu primeiro contato direto com ele foi por telefone e felizmente anônimo. Início dos anos 1970, na redação da Folha, logo pela manhã, acho que antes das oito. Eu estava substituindo naquele dia o subchefe de reportagem, Adilson Laranjeira, por alguma razão. Tocou o telefone, atendi e ouvi a voz inconfundível – ele circulava pela redação mais perto do fechamento e não falava baixo: − Adilson? OS +ADMIRADOS JORNALISTAS DO BRASIL PASSAM POR AQUI SÉRIE: +ADMIRADOS DA IMPRENSA BRASILEIRA FEVEREIRO A ABRIL ABRIL A JUNHO JUNHO A AGOSTO JULHO A SETEMBRO SETEMBRO A NOVEMBRO CALENDÁRIO 2023 Informações: [email protected] e 11-99244-6655

Edição 1.404 página 22 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo − O Adilson não está. − Como não está? Chame o Adilson, já! Era uma ordem. Mas o tom peremptório fez meu sangue subir para a cabeça e retruquei: − Já disse, Adilson não está! − E você sabe quem está falando? − Sei. E o senhor sabe quem está falando aqui? − Não. − Nem vai saber... E desliguei o telefone. No instante seguinte, imaginei Claudio entrando possesso na redação vazia e me demitindo. Mas isso não aconteceu – felizmente ele estava em casa. No dia seguinte, contei a história ao Adilson, que deu risada e recomendou que eu fosse menos intempestivo. Conselho que me valeu anos mais tarde, nos vários plantões em que atendi a chamadas do dr. Roberto Marinho, na redação carioca de O Globo, em que o dono do jornal pedia para ler a primeira página de alto a baixo e sugeria pequenas alterações pontuais – não havia nem fax em Angra dos Reis, onde ele passava os finais de semana. Outra história, contudo. Voltando ao Claudio, saí do anonimato ao assumir a chefia da sucursal do Opinião, no lugar de Vladimir Herzog, no início de 1975. Vlado foi para os EUA e me indicou como substituto. Na volta, desistiu do posto, já conversando com a TV Cultura para assumir o Jornalismo. Tenho a vaga lembrança de Claudio em alguma reunião de pauta do jornal, que acontecia no Cebrap, com a equipe toda do centro: FHC, Gianotti, Chico de Oliveira... Pouco depois deixei a Folha para assumir a Chefia de Reportagem da TV Cultura, Vieram as prisões do PCB, a morte do Vlado, a reação da sociedade e para mim, o desemprego. De volta às redações, acolhido no Jornal da Tarde por Ruy Mesquita, durei pouco no emprego. Em seguida retornei à Folha, onde Claudio e Otavio Frias Filho avançavam no processo de modernização do jornal. E que sofreu um grave solavanco com o episódio da reação militar a uma crônica de Lourenço Diaféria, sobre a estátua do Duque de Caxias e os pombos. O colunista foi preso, a Folha publicou um espaço em branco e Claudio acabou substituído por Boris Casoy. Quando voltou de um período no exterior, Claudio me indicou para Mino Carta, que montava o Jornal da República e ele próprio embarcou no projeto, que pretendia criar um jornal moderno e influente e não durou muito, embora tivesse uma equipe competente. No final de 1979, semanas antes do Jornal da República encerrar suas atividades, decidi mudar para o Rio de Janeiro, por razões pessoais. Claudio, mais uma vez, entrou em cena e abriu as portas de O Globo, onde fui coordenador de sucursais e repórter especial. Voltei a encontrá-lo na Folha em 1984, já em plena ebulição do chamado Projeto Folha – ele escrevendo a coluna da página 2. Foi o tempo das Diretas e Claudio esteve na maioria dos comícios. Aos poucos, fomos nos tornando quase amigos, como já disse. Quando li A Regra do Jogo minha admiração por ele só aumentou. Há um trecho que não esqueço e deveria ser uma espécie de minimanual de jornalismo: “Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão. Suponho que não se vai esperar que, pelo fato de ser jornalista, o sujeito possa bater carteira e não ir para a cadeia. Onde entra a ética? O que o jornalista não deve fazer que o cidadão comum não deva fazer? O cidadão não pode trair a palavra dada, não pode abusar da confiança do outro, não pode mentir. No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para poder fazer opções e olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar qualquer coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista”. Claudio Abramo em 1985 Sérgio Tomisaki/Folhapress

Edição 1.404 página 23 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Abramo esperava que nós, jornalistas, tivéssemos opinião política, sem se esconder atrás do biombo de uma suposta objetividade. Deveríamos ser céticos e não ingênuos. Mas sem ilusões: “O jornalismo é um meio de ganhar a vida, um trabalho como outro qualquer, é uma maneira de viver, não é nenhuma cruzada. E por isso você faz um acordo consigo mesmo: o jornal não é seu, é do dono. Está subentendido que vai trabalhar de acordo com a norma determinada pelo dono do jornal, de acordo com as ideias do dono do jornal. É como um médico que atende um paciente. Esse médico pode ser fascista e o paciente comunista, mas ele deve atender do mesmo jeito. E vice-versa. Assim, o totalitário fascista não pode propor no jornal o fim da democracia nem entrevistar alguém e pedir: ‘O senhor não quer dizer uma palavrinha contra a democracia?’; da mesma forma que o revolucionário de esquerda não pode propor o fim da propriedade privada dos meios de produção. Para trabalhar em jornal é preciso fazer um armistício consigo próprio”. Um gênio e um gentleman, mas... Pedro Cafardo, jornalista Claudio era um gênio e um gentleman, mas ficava muito nervoso com coisas malfeitas e desleixo na redação. Os jovens repórteres, como eu, e até os editores tremiam de medo quando ele os chamava para conversas. A velha da Folha de S.Paulo, nos anos 1970, tinha um mesão da direção onde o comando da redação acompanhava o fechamento da edição. Claudio era o grande chefe e tinha uma sala própria ao lado da redação. Mas frequentemente ficava no mesão para facilitar o contato com editores e repórteres. Um belo dia, irritou-se com algo errado feito por um contínuo da redação. Aos berros, pegou a máquina de escrever e a atirou na direção do contínuo. Não, não acertou o alvo, mas a redação parou com o estrondo. Logo pediu desculpas, ajeitado os longos cabelos brancos que caiam sobre a face. Ninguém soube o que o contínuo havia feito ou deixado de fazer.

Edição 1.404 página 24 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Juca Kfouri, colunista do UOL Eu não o conheci pessoalmente e muito lamento por isso. Mas a frase dele sobre a ética do marceneiro vale por quatro anos de faculdade. Competíamos para saber quem falava mais rápido Luís Nassif, diretor da Agência Dinheiro Vivo Conheci Cláudio Abramo quando ainda trabalhava no Jornal da Tarde e ele tinha a coluna na página 2 da Folha. Deu vontade de pegar um depoimento dele. Fui à sua casa, gravei uma longa entrevista que, posteriormente, foi enviada para seu filho Cláudio Weber Abramo. Na entrevista, chamava atenção a rede de relacionamentos dele, em todo o mundo, especialmente no universo dos intelectuais de esquerda. Voltei a ter contato com ele no curto período em que assumi a Secretaria de Redação da Folha. Anos antes, Cláudio tinha sido substituído na Diretoria de Redação pelo indescritível Boris Casoy, mas mantinha sua coluna, com enorme influência no mundo político. Era um ranheta − na melhor definição que damos ao parente mais velho. Vez por outra ligava para mim (e eu era secretário de Produção do jornal) e literalmente ordenava que mandasse alguém buscar seu artigo. Não havia nada de ofensivo no tom incisivo dele. Era apenas uma maneira de estabelecer relações e manter o status de quem dirigiu os maiores jornais do País. E eu cumpria obedientemente. Quando comecei com meu programa na TV Gazeta, cruzei com ele na rua. Ele me disse: − É o primeiro caso de jornalista de TV que fala que nem metralhadora. Que nem eu. De fato, competíamos para saber quem falava mais rápido. Foi um dos jornalistas fundamentais na história do jornalismo brasileiro, mestre de Mino Carta e de todas as gerações posteriores. Agente da KGB Albino Castro, colunista do jornal Portugal em Foco Em Roma, em 1980, Cláudio Abramo foi confundido como agente da KGB durante uma entrevista do então sindicalista polonês Lech Walesa, na sede do Stampa Estera... Ele estava voltando da Rússia e vestia um daqueles casacões de pele... Walesa levou um susto e só se acalmou quando alguém explicou que Abramo era um jornalista brasileiro...

Edição 1.404 página 25 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo “Dorminhoco e surdo” Eduardo Ribeiro, diretor deste Jornalistas&Cia Claudio Abramo sempre foi apontado como um jornalista cinco estrelas, mas muito severo. Eu o conheci de forma circunstancial, num evento que organizei no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, em que ele era um dos convidados. Mas dele cheguei a ouvir várias histórias, uma delas contada pelo impagável José Aparecido, que trabalhou por anos no Grupo Folha, além de ter tido uma atuação importante no próprio Sindicato, cuidando da Diretoria de Interior, um ambiente em que reinava como ninguém. Vamos, pois, primeiro à minha história pessoal com ele. Imprensa e Poder O ano era 1984 ou 1985. Integrante da diretoria do Sindicato dos Jornalistas eleita em 1983, liderada por Gabriel Romeiro, eu coordenava a Comissão de Assessores de Imprensa. Na Comissão, começamos a organizar alguns eventos, entre eles o debate Imprensa e Poder, que tinha como objetivo discutir o trabalho dos jornalistas na cobertura do governo, à época ainda sob a ditadura militar, mas já respirando clima das Diretas Já. Um dos convidados para o debate era exatamente Claudio Abramo, pela experiência e respeito que tinha no jornalismo, em especial na cobertura do poder público, dos políticos. Chegou o dia e, como esperávamos, o auditório Vladimir Herzog estava lotado. Só que o horário foi se aproximando e nada de Abramo. Deu o horário, e nada. Passaram-se 10 minutos, e nada. Bateu o desespero. Consegui o telefone da casa dele, liguei e quem atendeu foi sua esposa, Rhada. Quando perguntei por ele e disse do evento, ela deve ter gelado: “Eduardo, mas ele já está dormindo!!!”. E eu: “Meu Deus, e o que faço agora com as 150 pessoas que estão aqui, para assistir ao debate?”. Ela: “Pois então eu vou acordá-lo, agora. Em 20 minutos ele estará aí, pode contar”. E assim, salvamos o evento e o debate ocorreu, Fale alto porque ele é surdo! Essa eu ouvi diretamente dos lábios do saudoso José Aparecido, que era figura frequente em nosso Sindicato. Emendava as histórias, uma mais engraçada do que a outra. Disse em nossa roda: “Trabalhávamos na Folha e eu ficava logo na mesa da frente, na entrada da redação. Vez por outra aparecia algum leitor para reclamar de algo, fazer alguma sugestão. Era uma segunda-feira, um dos dias em que elas, as reclamações, mais aconteciam. Entra um senhor meio fulo da vida por causa alguma matéria que o jornal tinha publicado e queria falar com o responsável. Determinado, disse que não sairia de lá enquanto não falasse com essa pessoa. Meio sem alternativa, pensei comigo: ele vai ver o que é bom pra tosse. ‘Prezado, o responsável é aquele senhor que senta naquela última mesa. Pode ir até lá e fazer a sua reclamação’. Quando ele começou a andar, eu o interrompi: ‘Por favor, o senhor fale alto, bem alto, porque ele é meio surdo’. Disse isso, e imediatamente peguei minhas coisas e bati em retirada. Fui diretamente para o bar, que era uma espécie de concentração da redação. Não vi, claro, o que aconteceu. Mas soube pelos colegas que o Claudio pôs o homem pra fora aos gritos e que queria comer o meu fígado, pela travessura. Como veem, sobrevivi!!” usiminas.com 7 DE ABRIL, DIA DO JORNALISTA. COMPROMISSO COM A INFORMAÇÃO.

Edição 1.404 página 26 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo Khartoum e Claudio Fernando Morgado, jornalista Nossa história, baseada em fatos, começa com um filme, o belo Khartoum. Eu o recomendara, no dia anterior, aos leitores da coluna Filmes na TV, que escrevia na Folha. Era sobre um confronto sangrento entre ingleses e muçulmanos no século 19, representados pelo general vivido por Charlton Heston e o rebelde Mahdi, autoproclamado “Messias do Islão”, numa brilhante criação de Laurence Olivier. Eu acabara de terminar a coluna do dia quando o contínuo me disse que o Claudio Abramo queria me falar. Ele foi logo explicando que o tal Mahdi não era um rebelde, mas um patriota. Argumentei que os livros contavam outra versão. Não adiantou. Eu lhe disse então, a título de verdade e ironia, que agradecia ter um leitor de tal nível. Fator de aprendizado Janio de Freitas, colunista do Poder360 Foram várias e muito fecundas as contribuições de Claudio Abramo ao jornalismo brasileiro, em especial ao paulista. Quero destacar as duas que me parecem as mais importantes, no entanto menos ou nada citadas. A primeira é o rigor ético que difundiu e exigiu das gerações de jovens jornalistas com que conviveu. E não só quando as chefiou, sendo a simples convivência com ele, em suas fases de apenas colunista ou consultor, um fator de aprendizado para os novatos − e até para muitos (mal) calejados. A outra contribuição é o que transmitiu a alguns dos seus patrões como visão e compreensão do jornalismo. Essa transmissão de concepções encontrou em Octavio Frias de Oliveira a audição decisiva para o êxito a que levou seu jornal, em período hoje saudoso como esses dois personagens da história veraz e não escrita deste país. Feliz Dia do Jornalista! 07 04 JORNALISMO. SEMPRE RELEVANTE.

Edição 1.404 página 27 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo − O que você é do Mário Pinto Serva? Neto? (Mário foi um jornalista importante na primeira metade do século 20, era da turma de Júlio Mesquita Filho, um dos fundadores da Folha e da Revista de Antropofagia, entre outras publicações. Liderou a campanha do Voto Secreto, por isso Getulio Vargas pediu que ele redigisse a lei que criou a Justiça Eleitoral em 1933/34, e foi o autor da Lei da Alfabetização Universal, na Constituição de 1934. Depois foi preso político no Estado Novo e comeu o pão que Getulio amassou. Na Redação do Estadão, quando Claudio começou no jornalismo, ele era uma referência, como o próprio Abramo para a minha geração.) − Não, sou seu sobrinho, ele era irmão de meu avô. − Pois quando eu comecei no Estadão, um dia ele entrou na Redação e mandou me chamar para elogiar um texto que eu tinha escrito. Aquilo foi muito importante para mim. ABRAMO FOI UM HERÓI PARA GERAÇÕES DE JORNALISTAS Eu evidentemente me derreti em agradecimentos. Ele fez de seu gesto uma espécie de retribuição. Poucos meses passaram e a Folha trocou a direção de Redação, mas o novo comando passou a Otavio Frias Filho. Claudio jamais explicitou (talvez apenas na intimidade familiar) a frustração de ter sido preterido. Comandara o jornal durante a ditadura e queria voltar ao comando na redemocratização. Viveu um pouco às turras com o destino e o mundo na condição de colunista da página 2, um espaço nobilíssimo do jornalismo brasileiro, mas não tão Leão Serva, diretor de Jornalismo Internacional e correspondente em Londres da TV Cultura Quando Claudio Abramo voltou da Europa, em 1984, depois de quatro anos como correspondente internacional da Folha (dois em Londres e os últimos em Paris), criou-se um zunzunzum de que ele voltaria para reassumir a Direção de Redação, da qual tinha sido tirado por um solavanco da ditadura, sete anos antes (ele foi substituído por Boris Casoy). Era uma noite fria e úmida de inverno frio paulistano quando, envolto nessa mística de D. Sebastião, Abramo visitou a Redação da Folha, de braço com a mulher, Radha. Pouco comentada, sua vaidade era marcante e naquele dia estava à flor da pele. Ele entrou a passos lentos, vestido com um sobretudo de gola de pele que estaria adequado ao inverno russo, com uma bengala que usava frequentemente, às vezes para expressar os ataques de fúria mas que ali só acentuava a pose de majestade que ele devia ter calculado há um bom tempo. Quem entrava na Redação da Folha passava primeiro pela Ilustrada. Ali, ele parou cumprimentado pelo jovem editor Matinas Suzuki. Cumprimentaram-se calorosamente, conversaram um pouco até que Matinas se voltou para as mesas da equipe e chamou: “Leão, venha cá, o Claudio quer te conhecer”. Eu tremi. Foi como se Prometeu me chamasse ali do alto da montanha. Fui chegando com um sorriso besta. Ele me disse: “Você é Leão Pinto Serva” (destacando o nome do meio, que eu não assino). − Sim.

Edição 1.404 página 28 DIA DO JORNALISTA Centenário de Claudio Abramo significativo para um profissional que atingiu o Olimpo profissional, sempre, como editor. A trajetória de sucesso de Abramo era reconhecida por gerações de jornalistas desde o início dos anos 1950. E a admiração, com pinta de herói, se intensificara no final dos anos 1970. Não imagino alguém que sonhasse com a profissão naqueles tempos (entre os mais duros anos de chumbo e o início do fim da ditadura) que não tivesse uma admiração profunda por aquele sujeito plural, que era protagonista em histórias sobre jornalismo, política, literatura, artes plásticas e tudo quanto fosse cultura daquela época. Abramo era um renascentista, dominava várias artes além da escrita, nasceu em uma família culta e dura, por isso não teve escola formal, o que sabia aprendeu em casa. Mas realmente se destacou no jornalismo, onde misturava as mais importantes competências jornalísticas. Entre seus talentos famosos contam a capacidade de liderar equipes, descobrir e formar talentos, conduzir grandes coberturas. Conta a história que ele planejou a cobertura da inauguração de Brasília levando em conta até o tempo que o laboratorista teria para receber uma foto e levá-la ao editor da Primeira Página... Claudio tinha a idade aproximada dos filhos de Júlio de Mesquita Filho, o dono e pontífice do Estadão, e partilhou com eles, Júlio Neto, Ruy e Carlos, a trajetória do início da carreira. Foi por indicação deles, provavelmente, que o “Doutor Julinho” o chamou para comandar a Redação quando tinha 27 anos, com o cargo de secretário-geral, correspondente ao de editor-chefe. Orgulhava-se de ter sido o mais jovem a ocupar a função. Sob o comando dele, o jornal, que era uma potência em anúncios e em influência política, ganhou qualidade e inteligência na gestão dos recursos e nos fluxos de fechamento, clareza na diagramação das páginas. Mesquita Filho tinha uma idiossincrasia: a capa do Estadão era sempre dedicada à política internacional. Por isso, Abramo transformou a última página em uma “capa” nacional. E ela se tornou uma referência política. No início dos anos 1960, em que o Brasil vivia uma polarização política semelhante à atual, Abramo decidiu sair do Estadão, quando o jornal dos Mesquita começava a se aproximar da articulação de um golpe militar. Pouco tempo depois, foi contatado por Octavio Frias de Oliveira, que tinha comprado a Folha de S.Paulo, um jornal sem prestígio e provinciano, de baixa circulação. Frias era um negociante, tinha uma pioneira corretora de ações e, com o sócio Carlos Caldeira, era dono da estação rodoviária de São Paulo. Os dois compraram a Folha na bacia das almas, como se fala, sem entender de jornal. Por isso, Frias contratou Abramo como uma espécie de consultor, que ficava em seu escritório particular, onde logo cedo fazia uma avaliação da edição da Folha, que Frias usaria para discutir o produto com o diretor de Redação José Reis, que se tornaria depois uma referência em jornalismo científico. Abramo tinha todas as qualidades conhecidas e um temperamento infernal, incluindo momentos de fúria. Frias preferiu conhecê-lo melhor antes de soltar a fera na Redação. Durante cerca de dois anos, Frias foi aproximando Abramo do jornal, onde logo passaria a ser chefe de Reportagem e secretário de Redação, uma função estratégica, por quem passavam todos os textos do jornal. Assim, em meados dos anos 1960, durante a ditadura, Abramo iniciou sua segunda revolução jornalística, agora plantando as raízes do processo que tornaria a Folha o maior jornal do Estado, nos anos 1970, e o maior do País nos anos 1980 (quando ele já estava fora do comando). Em 1969, o então embaixador dos EUA, Charles Elbrick (esq.), Carlos Caldeira e Claudio Abramo

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