Edição 1.403 página 15 100 ANOS DE RÁDIO NO BRASIL Por Álvaro Bufarah (*) Recentemente, faleceu o compositor Theo de Barros, arranjador, violinista, cantor e produtor de inúmeros jingles que marcaram a história da publicidade brasileira. Junto com Theo perdemos um capítulo da produção sonora do Brasil e da propaganda, que ganhou muitos prêmios internacionais pela elaboração de jingles. Mas, o que aconteceu para, em um pequeno arco histórico, deixarmos de produzir e utilizar os jingles no rádio e em outras mídias sonoras? O publicitário, pesquisador e professor Fábio Dias explica que são vários fatores que levaram a essa “derrubada” dos jingles. O primeiro elemento é a simplificação da produção cultural, especialmente musical no País. “O jingle sempre foi um retrato dos movimentos culturais e musicais do País”, argumenta. “Mas se a gente for comparar o que se produz hoje com o que se produzia em música de 20 anos para trás, do ponto de vista de qualidade melódica, harmônica, a lírica é bem inferior”. Outro fator determinante é um paradoxo, pois embora tenhamos um grande avanço das tecnologias de comunicação nos estúdios e até em estruturas menos profissionais, perdemos a criatividade nas produções. Segundo o publicitário, temos mais tecnologias e nos acomodamos fazendo mais do mesmo. Um ponto bem sensível indicado por Fábio Dias é que do outro lado do balcão, nas empresas/anunciantes, há poucos profissionais com repertório e referência para disporem de todas as ferramentas de comunicação. Assim, as agências nem oferecem a possibilidade de fazerem um jingle, pois o contratante muitas vezes desconhece o que é e sua utilização. “Há uma ocupação, em cargos de decisão, de pessoas com conheCadê a criatividade que estava aqui? cimento vastíssimo, acadêmico, um conhecimento técnico, mas necessariamente sem um conhecimento mais aprofundado do ponto de vista musical ou até mesmo cultural. Assim, a bagagem cultural é às vezes deficiente em relação ao que havia em gerações anteriores. É o que muita gente chama de regionalização das diretorias, sobretudo diretorias de marketing, cargos de decisão em grandes empresas, até mesmo de multinacionais”, relata o autor do livro Jingle é a alma do negócio. Por outro lado, o professor lembra que o jingle, como peça publicitária, como ferramenta de comunicação, não perdeu em nada seu papel estratégico, sendo até bem adaptável às mídias sociais como o TikTok, com seus vídeos e músicas curtas. Fábio Dias comenta que um jingle bem construído, que cumpre seu papel dentro de uma estratégia integrada de campanha, vai ajudar a construir e consolidar uma marca, um produto ou um serviço. Lembrando que muitos jingles ficaram eternizados em nossas memórias, como Duchas Corona e Guaraná Antártica. O pesquisador lembra que normalmente ninguém acorda falando que um post de rede social ficou na sua memória e “colou” uma música, mas era comum acordar com um jingle “grudado” na cabeça. Assim, muitos, como o da clássica campanha Pipoca e Guaraná, ainda tocam até hoje em baladas dos anos 80 e 90, levando o público a cantar junto. “Isso é o desejo de qualquer anunciante: ter a sua marca ou seu produto cantado de forma espontânea”, afirma ele. “Então, o poder do jingle, apesar de tudo isso e de todas essas perdas que a gente teve nos últimos anos, não diminuiu. Talvez até tenha aumentado, diante da escassez, já que se alguém fizer algo bom vai se diferenciar em um mercado sem produções como o da atualidade”. Embora pareça papo de saudosistas, não podemos negar que muitos jingles entraram nas casas e nas nossas vidas em muitos momentos. Praticamente todos acima de 35 vão lembrar do anúncio do Banco Nacional para o final do ano, que se tornou um hino dos natais. Fábio lembra que esse jingle ficou no ar por quase 25 anos e até hoje algumas famílias ainda cantam como uma música natalina. O pesquisador se recorda de uma boa história para ilustrar nossa conversa: “O compositor Renato Teixeira tem uma carreira bastante profícua na área dos jingles. Foi inclusive sócio da MCR, uma das principais produtoras aqui do País. Quando ele começou a compor jingles, nos primeiros, ficou muito preocupado que vinham aqueles briefings extensos. Como ele iria colocar aquilo tudo em 30 segundos? Aí um colega compositor lembrou ao Renato que nesse tempo dá para fazer uma boa síntese da Bíblia”. A dica rendeu e Teixeira produziu ótimas peças, entre elas para as Balas Kids. Infelizmente, da nova geração de músicos e compositores, o pesquisador destaca apenas Jair Oliveira na produção de jingles, pois tivemos pouca renovação dos quadros nos últimos 25 anos. Atualmente, é possível comprar um jingle ou um spot de rádio pela internet pagando aproximadamente R$ 250, ou menos. O motivo é que temos muitos produtores caseiros, que fazem uma “receita de bolo” e comercializam sem qualquer pudor ou preocupação com trilhas, direito autoral etc. O curioso é que, historicamente, quando não tínhamos tecnologia, éramos forçados a produzir de forma mais criativa. Fábio Dias recorda que os estúdios produziam mais de oito jingles por dia, com produções musicais complexas. Tanto que músicos profissionais e mestres da MBP faziam jingles para ajudar no orçaFábio Dias
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