Jornalistas&Cia 1399

Edição 1.399 página 26 Ramalho respondeu que já era casado, com Catarina, a quem deixara em Vouzela em 1.515, mas que supunha então já teria falecido. As cartas de Nóbrega revelam que pediu aos jesuítas portugueses que comprovassem se Ramalho já era viúvo e a resposta foi positiva. Tive a oportunidade de visitar o túmulo de Catarina, caixão à mostra, como se usava à época, apenas depositado dentro da capelinha do jazigo, com porta de vidro. Fiz uma oração pela alma daquela cuja morte impediu que 14 gerações depois eu me visse como descendente de uma bastardia e aproveitei para curtir a hospitalidade de tia Teresa, que, embora tia de Castanheira, adotei de imediato e me ensinou a incrível hospitalidade portuguesa. Tia Teresa era viúva e, portanto, usava luto dos pés à cabeça, mas era um azougue. A casa dela era centrada na cozinha, onde, com a maior desfaçatez, entregou a Castanheira e a mim umas oito dúzias de ovos, que, enquanto conversávamos, devíamos ir quebrando um a um e separando a clara da gema. Com adição de açúcar e bem batidas, as gemas seriam o recheio dos doces bem portugueses, canudinhos de uma quase transparente massa de farinha finíssima, que, por exatos quinze segundos, era levada ao forno quentíssimo para que ficasse perfeitamente assada. Enquanto conversávamos sobre Scorsese, Godard, Buñuel, Bertolucci, diretores sobre os quais a velha senhora tudo sabia, batem na porta e um garoto entrega quatro garrafas de vinho. Mal Tia Teresa fecha a porta batem de novo para entregar uma cesta de maçãs de um verde tendendo a dourado. Perguntei como ela encomendara o vinho e as frutas, claramente para nosso almoço, e a resposta foi que não tinha sido necessário: “Ao saber que temos parentes do Brasil na cidade, é tradição que quem fez o melhor vinho da região ofereça umas garrafas. Também as maçãs são oferecidas, pois só aqui há essa espécie e Vouzela tem muito orgulho de seus produtos”. Escargots ao vivo No dia seguinte acompanhei tia Tereza à horta, a colher couves, como dizia ela. E não é que saboreando as couves havia certo número de caramujos, “casinha” de lesmas Helix pomatia, escargots para os franceses, que os portugueses também consomem, mas sem o entusiasmo dos gauleses. Recolhi imediatamente uma dúzia de caracóis para trazer ao Brasil e aí cabe outra explicação: havia meses a redação do Estadão discutia a possibilidade de criar escargots no Brasil. É que o chefe de reportagem, José Natal Sartoreto, “descobrira” o incrível sabor do escargot, levado ao forno com a boca da concha barrada com uma mistura de vinho branco, manteiga e alho – o manjar dos deuses, garantia. Como o caramujo terrestre brasileiro é minúsculo, exceto o aroá, que dá no meio do cafezal mas só é usado em despacho de umbanda, o reportariado estava buscando investir na “pecuária caramugística”, mas enfrentando dificuldades para encontrar matrizes. Houve uma tentativa fracassada de trazer caramujos do gênero Helix da Argentina, onde Teresa Montero, do Jornal da Tarde, dizia que abundavam nos cemitérios, mas não deu certo. Parece que os defuntos portenhos são muito ciosos de seus caramujos. Isso explica por que os escargots estavam no bolso do meu casaco, quando resolveram fazer turismo na rua do Ouro, usando meu paletó como mirante. Mas a história teve um final triste. É que dentro de uma caixinha os caracóis vieram para o Brasil, burlaram a fiscalização da alfândega, ganharam um pequeno cercado na minha casa em São Paulo, onde recebiam o melhor alface e suculentas folhas de couve. A Redação inteira pedia constantes informações sobre a possibilidade de os caracóis se foderem, com perdão da palavra. O motivo é que, hermafrodita por natureza, a lesma faz sexo consigo mesma, o que certamente não deve ter muita graça. Antes, porém, de começarem a se dedicar ao autossexo, os moluscos foram descobertos por um casal de bem-te-vís. Extasiados com o que seria “comida importada”, deglutiram em uma manhã toda a minha criação, deixando apenas os caramujos, tristemente vazios. Fim da história. João Ramalho Shutterstock Jornalistas&CiaéuminformativosemanalproduzidopelaJornalistasEditoraLtda. •Diretor: EduardoRibeiro ([email protected]–11-99689-2230)•Editorexecutivo: Wilson Baroncelli ([email protected] – 11-99689-2133) • Editor assistente: FernandoSoares ([email protected] – 11-97290-777) • Repórter: Victor Felix ([email protected] – 11-99216-9827) • Estagiária: Anna França ([email protected]) • Editora regional RJ: Cristina Vaz de Carvalho 21-999151295 ([email protected]) • Editora regional DF: Kátia Morais, 61-98126-5903 ([email protected]) • Diagramação e programação visual: Paulo Sant’Ana ([email protected] – 11-99183-2001) • Diretor de Novos Negócios: Vinícius Ribeiro ([email protected] – 11-99244-6655) • Departamento Comercial: Silvio Ribeiro ([email protected] – 19-97120-6693) • Assinaturas: Armando Martellotti ([email protected] – 11-95451-2539)

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