Jornalistas&Cia 1396

Edição 1.396 página 3 n Agora, no sétimo dia, tudo já foi dito sobre a gloriosa Glória Maria. Falecida na última quinta- -feira (2/2), de um câncer metatástico, no Rio de Janeiro, teve o corpo cremado no dia seguinte. Deixou duas filhas. u Jamais falava de sua idade e, embora agora todos saibam, nós também não vamos falar disso. No programa Que história é essa, Porchat?, o apresentador perguntou aos convidados o que gostariam de escrever em suas lápides, e Glória respondeu: “Na minha não vai ter do ano tal ao ano tal. Isso aí tá fora”. u Independentemente de sua vida bem vivida, vamos ressaltar o importante papel que Glória representou para o jornalismo televisivo brasileiro. Seu começo, em 1970, na rádio-escuta da Globo, foi a porta de entrada para que, um ano depois, fosse contratada como repórter da Geral. Em 50 anos de carreira, nunca mais se afastou da emissora, cuja estrutura lhe possibilitou a realização dasmais extravagantes ambições de repórter, mesmo quando algumas de suas sugestões eram o que ela própria chamou de “falta de juízo”. Mesmo quando, já apresentadora no Fantástico e Globo Repórter, insistia em fazer reportagens espetaculosas. u Quando estreou, em 1971, os repórteres não apareciam nas matérias, apenas os cenários e personagens. Em 74, Glória foi pioneira diante das câmeras, numa reportagemsobre a preparação da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo. Alguns anos mais tarde, em 77, não havia luz durante uma cobertura, o que ela resolveu com o cinegrafista acendendo os faróis do carro em que estavam e gravando ambos de joelhos, na altura da luz disponível. u Ainda nos anos 70, foi a primeira pessoa a fazer uso da Lei Afonso Arinos, contra a discriminação racial. Impedida de entrar pela porta da frente num hotel cinco estrelas, por ser negra, registrou a ocorrência e entrou na Justiça contra o gerente. u Em1977, foi a primeira repórter a entrar ao vivo na transmissão da primeira matéria em cores do Jornal Nacional. Trinta anos depois, em 2007, participou da primeira transmissão em alta Por Cristina Vaz de Carvalho, editora de J&Cia no Rio de Janeiro Glória, adeus! Glória Maria: “Sempre carreguei essa visão de que tudo podia dentro do que eu fazia” Sete minutos de aplausos no Jornal Nacional definição (HD) na TV brasileira. Antes dela nenhuma jornalista negra teve tanto destaque na tela da TV, o que inspirou toda uma geração. u Apresentadora do Fantástico por dez anos, desde 1986, foi a primeira negra a desempenhar a função, o que lhe rendeu cartas de protesto de telespectadores racistas. São dessa época suas entrevistas com líderes políticos mundiais e celebridades pop. No Globo Repórter, foram 12 anos, até agosto de 2022. Mostrou mais de 100 países em suas repor tagens e protagonizou momentos históricos. u Durante a ditadura, em 1979, ao entrevistar o então presidente Figueiredo, ouviu o discurso em que ele afirmou “eu prendo e arrebento”, o que não foi gravado. Glória pediu que repetisse a frase, ele negou. Ainda o corrigiu quanto a um erro de português. O general passou então a hostilizá-la e orientou os seguranças para que mantivessem longe dele “aquela neguinha da Globo”. Ao lembrar o fato, Marília Gabriela, que trabalhou comGlória na emissora, ressaltou a importância do episódio: “Umamulher contrariando um general”. u Segundo Patrícia Kogut, crítica de televisão de O Globo, o pioneirismo de Glória Maria manifestou-se em termos de inovação no telejornalismo: “Nas atitudes, na forma de entrevistar e, principalmente, na maneira de viver as reportagens”. E a própria Glória, no programa Roda Viva, definiu seu desempenho: “Sempre carreguei essa visão de que tudo podia dentro do eu fazia”. u Nesta quarta-feira (8/2) foi realizada missa de 7º Dia pela alma de Glória Maria na capela da Embaixada do Brasil (estrada das Laranjeiras, 144), em Lisboa, Portugal, às 10h (hora local). Presidida por padre Omar, reitor do Santuário Cristo Redentor, teve a presença do embaixador do Brasil emPortugal, Raimundo Carreiro Silva, e de amigos de Glória Maria. Homenagens nos telejornais da Globo n Todos os telejornais da Globo fizeram homenagens a Glória. Chamou a atenção a do Jornal Nacional, em 2 de fevereiro. No encerramento do telejornal, profissionais das sedes da Globo em Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo e Recife, além de Londres e Nova York, aplaudiram a jornalista por mais de sete minutos. u Além de uma extensa reportagem especial, a edição do Fantástico do último domingo (5/2) reuniu Maju Coutinho, Manoel Soares, Lilian Ribeiro, Tábata Poline e Cacau Protásio, todos negros, que destacaram a importância da representatividade da apresentadora em suas trajetórias. O Fantástico também mudou o nome para “Fantástica” em homenagem a Glória.

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