Jornalistas&Cia 1385

Edição 1.385 página 8 Especial Consciência Negra trazidos à força para cá. Sequestrados em sua terra, sem saber o que estava acontecendo, sob violência, sem conhecer a língua, nem entender as ordens que lhes eram dadas. Os mais de 350 anos de escravidão ensinaram meus ancestrais a enfrentar todas as intempéries da vida, pelos séculos que se seguiram. Assim como ajudamos a forjar o Brasil, construindo-o e nos construindo, o Brasil nos fez um povo essencial para transformá-lo na grande Nação que ele é. Assis: Muitas profissões aconteceram e acontecerão durante todo o tempo. O jornalismo é uma profissão. Por que você escolheu essa profissão? Oswaldo: Não escolhi o jornalismo. O jornalismo me escolheu. Eu, desde menino sonhei em ser ator. Passei minha infância nos porões da Pinacoteca do Estado, onde funcionava a Escola de Arte Dramática de São Paulo, criada por Alfredo Mesquita, onde minha mãe trabalhava, na cozinha, preparando e servindo a tradicional sopa para os alunos. Na hora do vestibular, porém, tentei me lembrar de quantos negros e negras eu vi se formarem na EAD, ao longo dos anos todos em que lá estivemos. O número não passava de três. Então me entreguei ao meu segundo amor, já que o primeiro me parecia inalcançável. O segundo era a palavra. A palavra para mim é sinônimo de ar, eu a respiro. Hoje vivo dela e me fiz amante da arte da informação. Assis: O negro, com toda importância que tem para o Brasil, continua discriminado. O jornalismo mexe nesta questão, no sentido positivo? Oswaldo: Sem dúvida. Conhecimento é poder. Informar é transmitir conhecimento. E, sempre que possível, e algumas vezes até enfrentando o impossível, eu aproveito da minha profissão para transmitir algum conhecimento que ajude as pessoas a se empoderarem. Assis: Você é um jornalista de grande importância para o Brasil. Que importância dá para o jornalismo dito “negro”? Oswaldo: Meu jornalismo é negro, porque eu sou negro. Mesmo que eu não esteja atuando na chamada “imprensa negra”, meu olhar sempre será negro. E as informações que transmito são fruto desse olhar. Historicamente há uma imprensa, desde os tempos da escravidão, que teve esse olhar, então chamado “Abolicionista”, mas que ia para muito além do abolicionismo. Houve uma importante rede de trocas de informação no século XIX. Mesmo que hoje sejamos tão poucos nas redações, continuamos essa tradição de compartilhar o que sabemos e nos mantemos abertos ao que os demais compartilham. Assis: Existe jornalismo branco e negro? Oswaldo: O jornalismo hegemônico é branco. Basta ver as prioridades na escolha do que será noticiado. Um desentendimento na família real britânica, ou uma cadelinha perdida em qualquer país europeu, derruba a pauta dos resultados das eleições presidenciais em qualquer país africano. Um Prêmio Nobel a um africano ou africana só será notícia se houver um buraco na página da editoria internacional. E já houve 22 ganhadores do Prêmio Nobel naquele continente: quatro de Literatura, três de Medicina, 13 da Paz e dois de Química. Quem já leu sobre isso? Sempre que possível, a imprensa branca alimenta o imaginário das massas com conceitos mentirosos que nos inferiorizam e até nós mesmos acabamos acreditando nessa inferioridade. O normal é ser branco, e os demais são no máximo “toleráveis”. Assis: Gilberto Freyre, sabemos, disse muita idiotice a respeito do negro no Brasil. Ele também foi jornalista. Que importância você vê no que ele escreveu sobre a história do negro? Oswaldo: O melhor da produção de Gilberto Freyre é estimular nossos estudiosos a pesquisarem, com afinco, para contradizê-lo. Por outro lado, Casa Grande e Senzala, nos ajuda muito bem a entender a branquitude. Confesso que não conheço a produção jornalística dele. Assis: Enumere dez jornalistas negros, no Brasil, de todos os tempos. Oswaldo: O primeiro é Luiz Gonzaga Pinto da Gama, o Luiz Gama. Da mesma época, José Ferreira de Menezes e José Carlos do Patrocínio. Depois destacaria Afonso Henriques de Lima Barreto. Gosto também de ler as crônicas jornalísticas de João do Rio, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto. Mais para cá, o campineiro Lino Guedes, que criou os jornais O Getulino e O Progresso, Jaime Aguiar e Abdias do Nascimento. Nos anos 1960, Odacir de Mattos, em especial por sua famosa reportagem com Narciso Kalili, para a revista Realidade: Existe Preconceito de Cor no Brasil, de 1967. Ele foi o editor Pág.1

RkJQdWJsaXNoZXIy MTIyNTAwNg==