Edição 1.380 página 29 PRECIO SIDADES do Por Assis Ângelo Acervo ASSIS ÂNGELO Lá atrás, lá bem atrás, nos meus tempos distantes de criança, eu costumava ouvir nas horas de recreio na escola coisinhas assim: Hoje é domingo Pé de cachimbo O cachimbo é de ouro Bate no touro O touro é valente Bate na gente A gente é fraco Cai no buraco O buraco é fundo Acabou-se o mundo! E ouvia também, e todo mundo cantando, pérolas como esta: Marcha soldado Cabeça de papel Se não marchar direito Vai preso no quartel… Muitas coisas bonitas, lúdicas, permanecem grudadas nas paredes da minha memória. A história de Chapeuzinho Vermelho me assustava, me arrepiava todo. E olha, nem era a história original contada na Idade Média que eu ouvia. Na versão original o lobo mau matava a vovozinha e seu corpo cortado como em pedaços de bife dividia com Chapeuzinho que nem de longe desconfiava do que estava comendo. E depois disso, insaciável, crau! Comia a pobrezinha da Chapeuzinho. Essa história tem várias versões na França, na Espanha, na Itália. No Brasil, em 1970, o compositor Chico Buarque e o cartunista Ziraldo inventaram uma certa Chapeuzinho Amarelo. É a história de uma menina que temmedo de tudo, até do medo. Lembro da Gata Borralheira, da Branca de Neve, do Pinocchio, de João e Maria... A história de João eMaria, essa contada por minha avó Alcina, arrancava-me rios torrenciais de lágrimas. Os irmãos, crianças, eram filhos de um lenhador viúvo casado pela segunda vez. Eram pobres. A madrasta, má, convenceu o marido a abandonar os filhos na floresta. Em resumo: eles sobrevivem mesmo depois de caírem nas garras de uma bruxa cega. Ai, ai, ai meus tempos de criança. Os contos de fadas e fábulas têm origem nos tempos imemoriais. Há indícios de que o primeiro autor de fábulas foi o escravo grego Esopo. Indícios, apenas indícios, pois até hoje não há provas concretas. Não há escritos, manuscritos. Histórias, historinhas, colhidas da boca do povo. Tudo oralidade. Memórias da infância: O menino e o mar Esopo teria vivido no século 6 a.C. Nos séculos 17 e 18 surgiram na França e na Alemanha La Fontaine e os irmãos Grimm, respectivamente. No ano de 1668, Fontaine publicou seu primeiro livro, reunindo pouco mais de uma centena de fábulas, em versos, a que intitulou Fábulas Escolhidas. Esse livro foi dedicado ao rei Luís 14. Os Grimm foram, como Fontaine, de grande importância para a fabulagem de nossos tempos de infância. A literatura infantil, em prosa e poesia, existe nos quase 200 países classificados pela Organização das Nações Unidas. Pinocchio é personagem italiano e incorpora o mentiroso. Eu gostava do Pinocchio. Pra incomodar amiguinhos chatos, eu os chamava de Pinocchio. Criança apronta muito, e muito. Sempre. Mais de uma vez eu vi amiguinho defendendo amãe comuma quadrinha que nunca me saiu da cabeça. Era quando ummenino maior xingava ummeninomenor chamando-o de “filho da puta”. Resposta: Filho da puta É banana curta Teu pai é corno E tua mãe é puta! Omoleque dizia isso e pernas pra que te quero! E corria feito doido, cai aqui, cai acolá. E quando caía, apanhava. Não posso me queixar dos meus tempos de criança. Brinquei de cavalo de pau, de esconde-esconde, de bangue-bangue, de médico e paciente, de passa-anel, de bola de gude, de pião. Muitos dos meus brinquedos eu mesmo os construía, como caminhõezinhos de madeira, boizinhos e vaquinhas de barro. O tempo passa e a memória fica. Além da literatura tradicional, infantil, no caso, os autores vão se sucedendo e construindo histórias e reconstruindo memórias. Descobri autores nacionais pondo nas histórias personagens reais. Caso, por exemplo, de Jorge Amado, que escreveu uma belíssima história dedicada ao filho João. Esse livro foi escrito em 1948 e publicado 28 anos depois. O próprio Jorge explica, à guisa de prefácio: A história de amor do Gato Malhado e da Andorinha Sinhá eu a escrevi em 1948, em Paris, onde então residia com minha mulher e meu filho João Jorge, quando este completou um ano de idade, presente de aniversário; para que um dia ele a lesse. Colocado junto aos pertences da criança, o texto se perdeu e somente em 1976, João, bulindo emvelhos guardados, o reencontrou, dele tomando finalmente conhecimento. Nunca pensei em publicá- -lo. Mas tendo sido dado a ler a Carybé por João Jorge, o mestre baiano, por gosto e amizade, sobre as páginas datilografadas desenhou as mais belas ilustrações, tão belas que todos as desejam admirar. Diante do que, não tive mais condições para recusar-me à publicação por tantos reclamada: se o texto não paga a pena, em troca não tem preço que possa pagar as aquarelas de Carybé. O texto é editado como o escrevi em Paris... Carybé
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