Jornalistas&Cia 1380

Edição 1.380 página 21 A essa altura Vital já era uma celebridade nacional, tendo status de estrela, conquistando até a disputada imprensa carioca. Nos anos 1950, com a chegada da TV, os empresários passam a investir no novomeio e as verbas do rádio começam a minguar. Embora muitos tenham indicado o fim do rádio, o que aconteceu foi uma acomodação de mercado, em que as emissoras radiofônicas passaram a focar mais suas programações para a prestação de serviço e a TVs ficaram com a maior fatia do entretenimento. Em 1950, Vital tinha ganho o Prêmio Roquete Pinto, omaior e mais badalado do rádio brasileiro, como melhor humorista. Com todo o seu sucesso no rádio, foi natural a tentativa das emissoras de TV em levar Nhô Totico para suas programações. Mas ele sempre preferiu o rádio. Nos anos seguintes passa um longo período longe dos palcos e dos microfones. Embora tenha participado de vários programas de rádio e de entrevistas para a televisão, Vital não voltou efetivamente a trabalhar em um veículo até os anos 1980. Entre 1983 e 1985 fez um contrato com a TV Globo para participar trimestralmente do programa Som Brasil, apresentado por Rolando Boldrin. Vital Fernandes da Silva faleceu em 4 de abril de 1996, sendo velado na Assembleia Legislativa de São Paulo e enterrado no cemitério da Consolação, zona oeste da capital paulista. Mesmo tendo alcançado grande sucesso, não ganhou muito dinheiro, sempre manteve seu emprego na repartição pública e após deixar os microfones viveu modestamente em uma casa na capital paulista. Seu acervo, que inclui fotos, recortes de jornais, cartas e alguns móveis, foi doado pela viúva para a Academia de Letras de Descalvado, cidade natal do artista. Quase não há registros sonoros gravados de programas de Vital Fernandes da Silva. Confira duas exceções: https://www.youtube.com/watch?v=OZnoRIa2giw e https://www.youtube.com/ watch?v=68GDfCCv6qw. Há indícios não comprovados de que algumas gravações da censura teriam sido passadas para discos, mas ninguém sabe dizer onde podem estar. Incêndios e inundações ajudaram a apagar dos arquivos da Rádio Cultura de São Paulo os registros da Escola da Dona Olinda e da Vila do Arrelia. Parte domaterial que consta neste texto é resultado de depoimentos do próprio Vital Fernandes da Silva em eventos do Centro Cultural São Paulo e a algumas emissoras de rádio da capital paulista. Outra parte é resultado das pesquisas de Paulo Fernandes, sobrinho-neto do humorista. (Veja+) Confira também a entrevista de Nhô Totico ao programa Vox Populi, da TV Cultura, que faz parte do Museu de Descalvado. Você pode ler e ouvir esse e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas podem ser ouvidas em formato de podcast no link. (*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo. de estudo. Nesse momento toca a campainha para que Vital entre no ar. Marcelino de Carvalho insiste: então, vai falar do quê? Vital responde: não sei. Mas ouça! Ele adentra o estúdio da Record e começa seu programa e acaba criando ali a Escolinha da Dona Olinda, onde compunha estudantes como personagens oriundos das diversas colônias que existiam na cidade. Nasce assim o italiano, o japonês, o filho do sírio e do nordestino. Além do inspetor e zelador da escola, Sr. Joaquim, um negro velho com todas as suas crendices. Nhô Totico afirmava que tudo que fazia era de improviso e sem script. Como ele mesmo dizia, “como pastel de chinês”, feito na hora. Randal Juliano, radialista e ouvinte de Nhô Totico, afirmou que ele sentia no operador o efeito de suas piadas, e se fosse necessário mudava o sentido do programa na hora, bastando perceber que suas falas não haviam empolgado o colega de trabalho. Vital disse várias vezes que para ele esse processo de improviso era um “dom” divino. Com raciocino rápido e criatividade acima da média, Nhô Totico ganha espaço rápido no rádio paulista em dois horários. Das 18h às 18h30 apresentava a Escolinha da Dona Olinda e às 23h, a Vila do Arrelia. O primeiro, voltado às crianças, e o segundo, aos adultos. O sucesso é tanto que logo Vital passa a excursionar pelo País e a dividir o palco com grandes nomes da música popular brasileira. A competição acirrada pela audiência no final dos anos 1930 para os 40 leva a Rádio Cultura, dos irmãos Fontoura, a expandir a estrutura física da emissora para que as apresentações dos programas de Totico sejam feitas ao vivo em um auditório. Inauguram em 1939 o Palácio de Rádio, em um ponto privilegiado na Avenida São João, no centro da cidade de São Paulo. O prédio de seis andares possuía um auditório para 400 lugares que passou a lotar com as transmissões dos programas. Uma característica dos programas de Nhô Totico é que sua formação católica sempre esteve presente. O foco do programa para as crianças era educar e discutir valores de ética e cidadania. Mesmo com o sucesso, Vital Fernandes da Silva manteve seu emprego na repartição pública e cumpria religiosamente seus horários, desempenhando suas funções com empenho e esmero. Com jornada dupla, Vital é assediado por todas as grandes emissoras do eixo Rio-São Paulo, mas sempre mantém sua palavra com o amigo Fontoura. Mas a Rádio Record faz novamente uma proposta que não põe em xeque sua amizade. Nhô Totico mantém seus programas na Cultura e faz um novo programa na concorrente, evidentemente em outro horário. Nasce assim, em maio de 1936, mais um programa: Chiquinho, Chicote e Chicória. Mas a vida em três empregos fica difícil e Vital encerra seu programa na Record um ano depois. Seus personagens foram incorporados aos programas da Cultura, para tranquilidade dos irmãos Fontoura.

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