Jornalistas&Cia 1380

Edição 1.380 página 20 100 ANOS DE RÁDIO NO BRASIL Por Álvaro Bufarah (*) Para comemorar o Dia das Crianças busquei a história de um gênio do rádio que fez muito sucesso com programas infantis. O mais espetacular é que apenas um homem fazia as vozes de toda uma vila e de uma escola. Vital Fernandes da Silva imortalizou Nhô Totico para sempre. Ele nasceu em Descalvado, interior do estado de São Paulo, em 1903. Último de seis filhos da italiana Adelina Mandelli da Silva e do baiano João Fernandes da Silva, logo ganhou o apelido de Totó. Desde muito jovem tinha tendências para as artes, influenciado pelo pai. João era um músico hábil, que tocava vários instrumentos, mas adorava o violão. Bom músico, o pai de Vital empregou-se no cinema da cidade fazendo acompanhamento das seções de filmes mudos e com empenho conseguiu sociedade no cinema. O que seria ótimo para Vital e um grupo de amigos, que passaram a produzir os sons, como uma espécie de sonoplastia para as fitas, atrás das telas. Com dez anos, Vital vem com a família para a capital paulista, onde fica pouco tempo, pois logo ingressa no Seminário Salesiano de Lavrinhas, em que vive por um ano e retorna a São Paulo. De volta, começa a trabalhar para ajudar a família e através de um amigo conhece a professora Leonor de Campos, que o apresenta aos frades do Convento de São Francisco. Na instituição, Vital expande suas atividades artísticas, encenando, dirigindo e muitas vezes fazendo as vezes de cenógrafo. Alguns anos mais tarde funda a Associação dos Amigos de Santo Antônio, com sede no próprio convento. As atividades artísticas capitaneadas por ele vão tão bem que a verba conseguida com os festivais teatrais possibilita a reforma do Salão de Atos, a compra de um projetor de cinema e o lançamento do jornal Mensageiro da Paz. Vital passa a ser o animador oficial de eventos promovidos pelas obras assistenciais do Convento de São Francisco de Assis, ao lado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Logo ganha o cargo de humorista oficial da turma de direito do diretório estudantil XI de Agosto, mas ainda não tinha conseguido seu grande sonho: ser “artista”. Para ganhar a vida, consegue umemprego na Repartição de Águas e Esgotos, mas continua tentando decolar com sua carreira. Nesse meio tempo, começa a Revolução de 32 e, como a maioria dos jovens, ingressa nas tropas paulistas. Nhô Totico, um gênio do humorismo no rádio Os paulistas são derrotados, Vital volta à capital paulista e retoma seus contatos comomundo artístico. Entre eles, Oduvaldo Viana Filho e Otávio Gabus Mendes, que logo se interessam pelo rádioteatro, impulsionando esta nova linguagem. Mas embora tão próximo do veículo que o irá consagrar, o jovem Vital só vai ingressar no rádio pelas mãos de um parente. Vital tinha um cunhado que era saxofonista do Grupo Sertanejo Cigarra, ligado à revista Cigarra, bastante conhecida na cidade. Um dia, o grupo foi convidado a se apresentar nos estúdios da Radio Educadora Paulista, instalada no Palácio das Indústrias, no Parque Dom Pedro II, no centro da capital. Como o grande sonho de Vital era ser “artista”, procurava se infiltrar em todas as manifestações culturais que podia. Assim, aproveitou para ir à Educadora com o cunhado. Após o programa, os produtores pediram a ele que contasse uma anedota, ação que o jovem interiorano aproveitou. De improviso conta uma história umpouco picante para os ouvintes da época e, por isso, sua estreia foi um fiasco. Logo após o término da piada, ouve a censura dos colegas e amigos, que passam a ligar para sua casa reclamando do teor da historieta. O próprio Vital contou que ficou muito envergonhado e que há certo tempo “queria que o chão se abrisse” para que pudesse ser engolido e desaparecesse de tanta vergonha. Mas mesmo não dando certo sua tentativa de alegrar os ouvintes, essa foi a primeira vez que utilizou o pseudônimo de Nhô Totico. Nascia ali uma das maiores lendas do rádio paulista. Ele contou que depois da vergonha continuou tentando a vida artística, até que conseguiu iniciar a carreira pelas mãos de um dos estudantes de direito. Enéias Machado de Assis, que já atuava como radialista. Assis leva Totico para conhecer o jovem Olavo Fontoura, diretor e umdos proprietários de uma rádio clandestina. Na realidade, a emissora era resultado de uma brincadeira dos irmãos Fontoura, que chamaram a emissora de DKI − A Voz do Juqueri. Na hora do teste, Vital pergunta o que deve fazer e Fontoura pede para que ele repita as ações que faz diante dos estudantes. Nhô Totico conclui que não poderia fazer as mesmas brincadeiras, pois eram muito “pesadas” para a programação. Ele vai ao microfone e faz um pequeno teatrinho onde revela sua maior característica: faz todas as vozes dos personagens e ainda complementa a história com “efeitos especiais” feitos por elemesmo. Nessemomento consegue o espaço para fazer o seu primeiro programa, mas ainda sem remuneração. Totico desenvolve inicialmente um programa voltado ao público adulto, XPTO, Vila de Santo Antônio de Arrelia, ou simplesmente Vila do Arrelia. O sucesso é tanto que a rádio se regulariza e Nhô Totico ganha um contrato. Já em 1935, na Rádio Record de São Paulo, ele apresentava um programa diário com seus personagens, entre as 18h30 e 19 horas. Um dia antes de entrar no ar, encontra com Marcelino de Carvalho, um dos diretores emissora, que acabara de voltar da Europa, onde fora fazer a cobertura da guerra. Marcelino diz a Vital que no Hemisfério Norte as emissoras faziam programas para crianças em horário mais cedo, por causa do inverno, para que elas pudessem se deitar ouvindo o rádio. Então, o patrão propõe a Vital que faça umprograma para crianças formatado em um clube de futebol. O humorista se nega, afirmando que sobre o esporte não falaria e que era contra o fanatismo que envolvia as crianças, contrapondo com a necessidade Nhô Totico Acervo da Academia de Letras de Descalvado

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